A Polícia Federal (PF) descobriu que um incêndio que destruiu, até o momento, cerca 25 mil hectares de áreas de preservação ambiental no Pantanal, no Mato Grosso do Sul, não foi acidental. Segundo os investigadores, o fogo foi utilizado para transformar a área da região em pastagem para o gado e a agropecuária.
“As investigações indicam que o fogo tenha sido colocado para depois transformar em pastagem. Você extrai a mata nativa, e aí fica a pastagem para o gado”, disse o delegado Alan Givigi, que coordena a operação Matáá, que tem como objetivo de investigar os responsáveis pelo crime ambiental sem precedentes na região.
Segundo a PF, oito mandados de busca e apreensão já foram expedidos. No município de Corumbá, dois destes mandatos foram para pessoas na área urbana, onde um produtor rural foi levado para prestar depoimento. Outros seis foram cumpridos na zona rural do município. A PF não detalhou os nomes dos suspeitos e nem como estão as investigações.
O Pantanal abriga cerca de 1.200 espécies de animais vertebrados, incluindo 36 ameaçados de extinção. São 150.000 quilômetros quadrados, onde pássaros raros voam e a mais densa população de onças-pintadas do mundo vive.
A situação no Pantanal – o maior pântano do mundo – é crítica. Onças-pintadas vagam pelo terreno carbonizado, com fome, sede e as patas queimadas, os pulmões cheios de fumaça. Corpos de jacarés estão pelo chão completamente queimados, apenas ossos.
Governo cortou 58% da verba de prevenção e controle de incêndios
Mesmo com as queimadas na Amazônia aumentando 30% em 2019 e com o Pantanal registrando o maior número de queimadas em uma década, o governo Bolsonaro vem cortando drasticamente a verba para contratação de profissionais para prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais.
Em um ano, governo Bolsonaro cortou a verba para brigadistas em 58%. O orçamento destinado à contratação de pessoal de prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais sofreu forte redução entre 2019 e 2020.
O gasto esperado com a contratação de pessoal de combate ao fogo por tempo determinado, somado ao de diárias de civis que atuam como brigadistas, caiu de R$ 23,78 milhões em 2019 para R$ 9,99 milhões neste ano – uma redução de 58%, de acordo com dados oficiais do Portal da Transparência.
Este foi o segundo ano seguido de redução no orçamento total para prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais. A verba inicialmente planejada para a área em 2018 era de R$ 53,8 milhões, reduzida em 2019 para R$ 45,5 milhões, e para R$ 38,6 milhões em 2020. Do ano passado para este, a redução foi de 15%.
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente afirma que aumentou o número de brigadistas. Em 2020 foram contratados 3.326 brigadistas pelo Ibama e pelo ICMBio, contra 2.080 em 2016. Porém, os editais de contratação para os profissionais, que costumam ser realizadas a partir de abril, para que as brigadas tenham tempo para o trabalho de prevenção dos incêndios, neste foram publicados somente em junho, atrasando todo o cronograma.
Segundo um funcionário do ICMBio que prefere não se identificar, o trabalho de combate aos incêndios no Pantanal demorou para começar, de modo que agora resta apenas esperar pela chuva e tentar impedir o fogo de consumir construções, pontes e unidades de conservação – os chamados alvos preferenciais. “O grosso do trabalho de combate é feito de julho a setembro, antes há os trabalhos de queima preventiva, abertura de aceiros, feitos com acompanhamento do PrevFogo. O trabalho preventivo é até 20 vezes mais barato que o combate”, calcula.
No Pantanal, Ibama e ICMBio vêm trabalhando em conjunto com bombeiros, militares e o Sesc Pantanal na força conjunta que tenta manter a salvo o Parque Estadual Encontro das Águas e o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, ambos refúgios de vida silvestre.
O fogo não é novidade na região. Por décadas, fazendeiros usaram as chamas para devolver nutrientes ao solo de forma barata e renovar o pasto para o gado de corte. Mas de janeiro a 10 de setembro de 2020, o Pantanal somou 12.703 focos de incêndio, o maior número para o período desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou o monitoramento, em 1998.
Segundo dados Inpe, nos primeiros oito meses do ano, 18.646 km² do bioma foram consumidos pelas chamas, mais da metade disso em agosto. Historicamente, a situação observada em setembro é ainda pior, com mais áreas de campos, florestas e arbustos queimados. Se o ritmo medido em agosto se mantiver, o Pantanal terá um total de 28, 8 mil km² carbonizados até o final de setembro, superando todos os anos anteriores.
A área queimada até o fim de agosto, equivalente a 15 cidades do Rio de Janeiro inteiras queimadas e representa 12% do Pantanal.
O Pantanal possui 83% vegetação nativa e a maior densidade de espécies de mamíferos do mundo, com uma concentração nove vezes maior que a Amazônia, que também vem sofrendo com as queimadas durante o governo Bolsonaro.
De acordo com especialistas, nem a Amazônia nem o Pantanal sofrem com incêndios espontâneos. Em Mato Grosso – que, junto com Mato Grosso do Sul, abriga o Pantanal – não chove forte desde maio, logo, não há raios que pudessem inflamar os campos e matas secas, levando à conclusão de que se trata de incêndios irregulares. Isso apesar de o uso do fogo para limpeza e manejo de territórios ter sido proibido no estado entre 1º de julho e 30 de setembro.
Segundo decreto estadual, quem provocar queimadas pode ser punido com reclusão de dois a quatro anos e multa a partir de R$ 5 mil por hectare.
O secretário executivo do Comitê Estadual de Gestão do Fogo do governo de Mato Grosso, o coronel da Brigada Militar, Paulo André Barroso afirmou que as queimadas são “propositais” e por isso o governo do estado resolveu restringir a circulação de pessoas na região e prevenir novos incêndios. “Infelizmente não tivemos a oportunidade de fazer o flagrante, mas percebemos que, pelas condições que ocorrem os incêndios, algumas pessoas entram nesse ambiente e fazem fogo de forma criminosa. E esse também é um dos motivos que iremos fechar a Transpantaneira tão logo seja decretado o estado de calamidade para Mato Grosso”, afirmou o militar.