Uma verdadeira noite de consagração ocorreu na terça-feira (31) no Bixiga. A homenagem realizada pelo Centro Popular de Cultura da UMES-SP ao seu fundador, Denoy de Oliveira, emocionou a todos os presentes e marcou fundo àqueles que conheceram e aos que vivem o legado de um dos mais importantes cineastas do nosso país.
O público lotou o Cine-Teatro para a abertura da Mostra “Denoy de Oliveira: A Arte da Resistência”, que exibirá, até o próximo sábado (4), premiadas obras do artista, além de uma exposição imersiva sobre a sua vida e sua obra. A Mostra celebra os 90 anos de nascimento e os 25 de partida do cineasta.
As emocionadas palavras do presidente do CPC-UMES, Valério Bemfica, deram ideia ao público da dimensão do trabalho de Denoy na construção da entidade cultural, junto ao também fundador do CPC, Sérgio Rubens.
“Está é uma noite muito emocionante para todos nós do CPC. Todo nosso trabalho foi construído por dois gigantes. Ambos nos deixaram, mas é deles a semente de tudo isso. Sérgio Rubens e Denoy de Oliveira, construíram a base de todo nosso trabalho”, disse Valério.
“É muito difícil falar do Denoy, um dos mais completos artistas que o Brasil já possuiu. Ele foi um bamba em todas as áreas que atuou e, como ser humano, era uma pessoa das mais generosas que conhecemos. Tinha a disposição de passar adiante todo o seu conhecimento e se dispunha a ajudar a gente em todos os momentos com toda a sua energia”, destacou.
“Nossa homenagem é muito pequena perto do que ele merece”, considerou Valério ao dar início às primeiras exibições da Mostra.
Dois filmes foram exibidos neste primeiro dia: “Cristo procurado” e “Uma amante muito louca”. Após os filmes, uma emocionante conversa com os irmãos de Denoy, Xavier e Rui de Oliveira deu ao público a extensão da contribuição de Denoy para a arte brasileira.
CRISTO PROCURADO
O primeiro filme exibido não foi uma obra dirigida por Denoy, mas sim uma animação de um dos maiores artistas plásticos brasileiros, Rui de Oliveira, irmão mais novo do homenageado e que considera a figura de Denoy fundamental para a sua formação.
O premiado “Cristo procurado” faz uma crítica à captura de Jesus Cristo pelo poder dominante e a revolta destes elementos com a sua ida para junto do povo. Inspirado na “Teologia da Libertação”, ou segundo Rui, “Liberta Ação”, relata, de forma impactante, o dia em que Cristo será encontrado à frente de uma passeata. A repressão é violenta.
A animação, dirigida por Rui de Oliveira, foi dedicada por ele a Denoy, que fez a produção executiva do filme e criou as vozes da maioria dos personagens.
“Acho que as minhas primeiras palavras são para agradecer. Eu estou aqui, assim como o Xavier. É um grande prazer estar aqui. Mas, ao mesmo tempo, há sempre uma tristeza por trás desse encantamento. Pudemos ver essa trajetória rica que o Denoy teve e a importância que ele representou, inclusive para mim como artista-plástico”, relembrou Rui.
O artista confessou ao público que não assistia à animação “Cristo procurado” desde a morte de Denoy há 25 anos e que o fez agora na Mostra.
“Depois de 25 anos que eu estou assistindo esse filme. Essa é a primeira vez que estou assistindo o filme, e me comoveu muito ouvir a voz do meu irmão nas dublagens. Qualquer personagem que aparecesse, feminino, masculino, ele dublava. Foi o filme, certamente, o desenho animado que eu fiz mais exitoso e teve a participação decisiva do Denoy”, destacou Rui.
O cineasta Caio Plesman, que conduziu o debate com os irmãos Xavier e Rui, chamou atenção para os detalhes dos filmes apresentados.
Com relação ao “Cristo procurado”, Caio relembra que o filme não possui diálogos, o que possibilita que o público projete os temas. “Os diálogos que você queira e você tem que meio que recriar eles e ao mesmo tempo tem uma complexidade, pois você tem que mergulhar mais a fundo em cada um daqueles personagens. E aquele Cristo que é procurado, ele surge numa manifestação de rua, enfrentando praticamente aqueles fascistas, dogmáticos, um rol de personagens. É realmente um filme muito bonito, e com pouco tempo você sintetiza toda uma linha de ação, onde creio que todos os democratas vão dizer e até os religiosos se identificam, os autênticos se identificam”, destacou.
AMANTE MUITO LOUCA
O segundo filme exibido foi o de estreia de Denoy como diretor. “Uma amante muito louca”, de 1973, que retrata as férias de uma família de classe-média carioca em Cabo Frio. No entanto, Brigite, a louca, amante de Amâncio, o pai da família, chega à cidade e derruba por terra toda a hipocrisia daquela família aparentemente exemplar.
“Com relação à “Amante Muito Louca”, eu queria destacar um aspecto que me chamou a atenção. É impressionante, pois é o primeiro longa do Denoy, o filme de estreia, então é impressionante o domínio de linguagem que ele já apresenta. Dá pra ver que ele consegue fazer de momentos cômicos a momentos sublimes, em coisa de segundos, um domínio da dramaturgia total e também da técnica cinematográfica. É impressionante”, analisou Caio.
Xavier de Oliveira, também cineasta e autor dos premiados Marcelo Zona Sul, André a Cara e a Coragem, destacou as dificuldades para a produção do filme de Denoy. Ele explicou que o filme sofreu 17 cortes pela censura, justamente por criticar aquele modelo de família defendido pela ditadura.
“Naquela época, as forças de repressão achavam que a esquerda tinha perdido a batalha e que a alternativa da esquerda então era, já que não podia ganhar na força armada, era minar a família. No meu entendimento este filme questionava os valores morais daquela família e incomodou tanto que chegou aqui a um momento inclusive lá em Brasília que eu não tinha mais força para brigar. Eu já estava realmente esgotado aí eu chamei o Denoy para continuar a luta, mas ainda assim recebeu 17 cortes”, explicou Xavier.
Ele ainda respondeu a um questionamento sobre a suposta “felicidade” daquela família; “No final do filme, você pergunta se essa família vai ser feliz? Vai ser feliz realmente sobre uma sobre base muito hipócrita, falsa, na verdade. Vai ser uma felicidade um pouco de conveniência”, destacou.
“No final inclusive que ele mostra a mulher, nos últimos planos, quando a mulher está no carro, eles estão indo embora, depois de toda aquela brincadeira do Stepan… No final ela se vira e olha o vidro rachado. Aquele vidro mostra aquela rachadura, aquele buraco, mostra realmente que aquilo é indelével, que aquilo não tem mais como ser esquecido”, analisou o cineasta.
Xavier encerrou sua fala com um emocionante agradecimento pela homenagem. “Eu quero agradecer toda a manifestação que foi feita para o nosso irmão Denoy, a importância dele, o carinho com que foi tratada a obra dele. Eu realmente fiquei muito surpreso, eu achei que estava sendo feito aqui algo grandioso, um trabalho de muita emoção, mas eu não imaginei com tamanho impacto. Na verdade vocês, vocês fizeram um painel, uma fachada do teatro, agora fica com um painel, com um painel lindo, meus filhos tem que ver isso”, disse.
“Estou muito comovido com essa homenagem. Eu não me recordo de nenhum cineasta brasileiro que tenha tido tamanha homenagem, com tanto amor, com tanto carinho, com tanta dedicação e respeito, como foi feita essa homenagem do CPC da UMES”, concluiu o irmão de Denoy.
MOSTRA
A Mostra “Denoy de Oliveira – A arte da resistência” segue com sua programação de filmes, debates e exposições até o próximo sábado (4).
Mostra Denoy de Oliveira – A arte da resistência
Local: Cine-Teatro Denoy de Oliveira
Rua Rui Barbosa, 323 – Bela Vista – São Paulo – SP
ANDRÉ SANTANA