O relator da Medida Provisória (MP) 927 na Câmara dos Deputados, Celso Maldener (MDB-SC), voltou atrás e retirou do texto dispositivo que restringia o direito à pausa de 20 minutos aos trabalhadores de frigoríficos exposto a temperaturas de até 15º.
A proposta, apresentada pelo próprio relator, modificava o artigo 253 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). O artigo garante que, em condições de até 15º, “depois de 1 (uma) hora e 40 (quarenta) minutos de trabalho contínuo, será assegurado um período de 20 (vinte) minutos de repouso, computado esse intervalo como de trabalho efetivo”. Caso fosse aprovada, apenas trabalhadores que atuam em temperaturas inferiores a 4º poderiam fazer as pausas.
Não é a primeira vez que o deputado vem tentando acrescentar ao projeto medidas de redução de direitos trabalhistas. Em outra ação para ressuscitar ataques a direitos, Maldener tentou incluir no texto a redução da multa paga pelas empresas em caso de demissão sem justa causa de 40% para 20% sobre o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), assim como “flexibilizar” as folgas obrigatórias aos domingos. As propostas também foram retiradas após o repúdio de diversas entidades.
De acordo com a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), mais uma vez o deputado voltou atrás fruto da mobilização da sociedade civil contra a medida. Por se tratar de uma medida que teria caráter permanente, para além da pandemia, e por colocar em risco a saúde física e psicológica dos trabalhadores, diversos setores se manifestaram contra o retrocesso apresentado no relatório.
A médica Maria Maeno, especialista em saúde dos trabalhadores, afirma que “a restrição de pausas aumenta o tempo de exposição dos trabalhadores a condições penosas, aumentando as possibilidades de adoecimento”.
A pesquisadora alerta que os trabalhadores do setor estão entre os mais afetados por acidentes e adoecimento devido a atividade laboral dada a necessidade de movimentos repetitivos, pelo esforço físico e por estar em pé o tempo todo em posturas desconfortáveis num ambiente frio, fatores que provocam desgaste físico e emocional.
Segundo ela, “as pausas permitem que haja uma diminuição dessas condições penosas de trabalho. Com “a restrição de pausas para atender às necessidades psicofisiológicas, somente para temperaturas abaixo de 4º C, significará que a grande maioria dos trabalhadores de frigoríficos será excluída da realização das pausas preconizadas na Norma Regulamentadora 36, que foi publicada após discussão entre governo, trabalhadores e empregadores, em comum acordo.”
A Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA) e a Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores da Alimentação da CUT (CONTAC), em nota conjunta direcionada aos parlamentares também pediram a rejeição da mudança que, se aprovada, representaria um retrocesso nas medidas que garantem a saúde e segurança dos trabalhadores em seu ambiente de trabalho.
Na nota, as entidades apontaram que os prejuízos decorrentes da mudança aumentariam significativamente “o risco de adoecimento dos trabalhadores e trabalhadoras que trabalham em câmaras frigoríficas, especialmente aqueles que estão empregados em empresas de abate e processamento de carnes e derivas (frigoríficos), pois altera as condições básicas de pausa nestes estabelecimentos, o que irá ocasionar não só um retrocesso em relação à prevenção a LER [Lesão por Esforço Repetitivo], como também irá multiplicar as contaminações dos trabalhadores por COVID-19, devido aos ambientes frios, sem circulação de ar, aumento do desgaste físico e consequente baixa da imunidade, fatores que contribuirão para a disseminação do novo coronavírus.”, diz a nota.
Para advogado Mauro Menezes, membro da Comissão de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem do Advogados do Brasil (OAB) e advogado de sindicatos de trabalhadores da área da alimentação “a realidade nos frigoríficos, seja pelas condições de proximidade dos trabalhadores, seja pela dinâmica da produção, já facilita o contágio”.
“A proposta aumenta o risco de trabalhadores de frigoríficos de contraírem o coronavírus. Se deixam de ter esse intervalo, ficam mais vulneráveis não apenas à doença, mas a outras do trato respiratório”, denunciou.
A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, afirma que apesar dos frigoríficos exercerem uma atividade essencial, que é a do abastecimento alimentar, isso não pode se dar a custo da vida e da saúde dos trabalhadores.
“Nada disso tem a ver com as esperadas medidas legislativas destinadas a proteger, minimamente, o já fragmentado mercado de trabalho. Trata-se apenas do oportunismo para tentar reduzir direitos, o que é lamentável”, disse à coluna.
Para José Antônio Vieira de Freitas Filho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), se essa proposta de alteração na lei avançar e as pausas forem restritas, “a imensa maioria dos 500 mil empregados do setor frigorífico, um dos que mais geram doenças ocupacionais no Brasil, ficaria desprotegida”.