“Em quase nenhum outro país os empregos estão sendo destruídos tão depressa”
Enquanto a Europa tentava responder ao fechamento das atividades não essenciais para contenção da pandemia, através da ajuda direta às empresas para as folhas de pagamento e manutenção dos empregos, a opção do governo Trump de deixar desempregar em massa já custou 26,5 milhões de postos de trabalho nos EUA. Praticamente tudo o que havia sido gerado após o fim do crash de 2008-09.
Na semana passada, mais 4,4 milhões de norte-americanos pediram o seguro desemprego de acordo com o Departamento do Trabalho dos EUA.
Eles vêm se somar aos 22 milhões das quatro semanas anteriores já nessa condição.
Como observaram os economistas da Universidade da Califórnia, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, “em quase nenhum outro país os empregos estão sendo destruídos tão depressa”.
Sob a incompetência e obscurantismo do governo Trump – “é uma gripe comum”, “está sob controle” -, os EUA perderam um tempo precioso em encaminhar uma política efetiva de contenção e combate da covid-19, o que resultou em se tornarem recordista mundial com quase 870 mil casos de contágio e mais de 49 mil mortos.
À primeira vista, poderia parecer que Trump não tem nada a ver com tal tsunami de desemprego, seria apenas o ‘efeito colateral’ da instauração forçosa da quarentena, mas como assinalaram Saez e Zucman, enquanto os europeus optaram por subsidiar o pagamento da folha de salários e proteger os empregos em paralelo à quarentena, o presidente bilionário – que resistiu o quanto pôde ao distanciamento social – deixou o desemprego comer solto.
A modesta melhora no seguro-desemprego (+ US$ 600) e o cheque de US$ 1.200 foi quase o pedágio que Trump teve de pagar para conseguir a aprovação no Congresso do novo bailout de Wall Street que, depois de devidamente alavancado, vai a US$ 4 trilhões.
“PECULIARIDADE AMERICANA”
“Esse dramático salto nos pedidos de seguro-desemprego é uma peculiaridade americana”, enfatizaram Saez e Zucman.
“Mundo afora os governos estão protegendo o emprego”, destacaram os dois acadêmicos. “Os trabalhadores mantêm seus empregos, mesmo nas indústrias que estão fechadas, e o governo cobre a maior parte do salário através de pagamentos diretos aos empregadores”, destacaram.
“Salários, são, em efeito, socializados durante a duração da crise”, enfatizaram.
Para a deputada democrata Pramila Jayapal, “desemprego em massa é uma escolha política” do governo Trump.
Com apoio de sindicatos e associações de pequenas empresas, ela apresentou projeto para implantar nos EUA o esquema europeu, em que o governo subsidia às empresas no pagamento de salário, para que não demitam.
Pela proposta da deputada, o governo garantiria às empresas condição de cobrir os salários de seus empregados até o teto de US$ 100 mil anual, enquanto durar o distanciamento social.
DESEMPREGO DE DOIS DÍGITOS
“Não há nada de eficiente em deixar a taxa de desemprego subir para dois dígitos”, ressaltaram Saez e Zucman em artigo no New York Times.
Os dois, inclusive, compararam a situação de dois empregados em restaurante, digamos, dois garçons, um britânico e outro norte-americano, sob os dois enfoques – manter o emprego subsidiando a folha ou deixar desempregar e pagar o seguro-desemprego.
Sob o governo conservador de Boris Johnson, o garçom inglês foi para casa, como se estivesse numa licença por doença, paga pelo Estado, com seu vínculo de emprego mantido com o restaurante onde trabalha, e pronto a recomeçar. Até o valor de £2.500, o governo, isto é, o erário público, paga 80% do salário.
Já o garçom norte-americano fica desempregado e vai receber o seguro-desemprego, igualmente pago pelo erário público, conforme a norma do seu Estado, acrescido do reforço de US$ 600. Só aparece uma chance de outro emprego, quando a economia sair do buraco.
“KATRINA MAIS GRANDE DEPRESSÃO”
São números assombrosos, só vistos na Grande Depressão dos anos 1930.
Nas semanas precedentes, os pedidos de seguro-desemprego foram de, respectivamente, 5,2 milhões, 6,9 milhões, 6,6 milhões e 3,3 milhões.
De acordo com a Associated Press, o maior temor é que a taxa de desemprego chegue a 20% em abril, a mais alta desde a Grande Depressão.
A devastação em curso é como a catástrofe do Katrina misturada com a Grande Depressão. “Esta crise combina a escala de uma retração econômica nacional com o passo de um desastre natural”, disse o economista Daniel Zhao.
Esse total de pedidos de seguro-desemprego é “mais de cinco vezes maior do que em qualquer período de quatro semanas da Grande Recessão de 2008”, destacou a economista Heidi Shierholz, do Instituto de Política Econômica (IPE).
Ela considerou que o pacote de março aprovado pelo Congresso dos EUA “não é páreo para o dano que a economia está enfrentando” e aconselhou “fazer mais”.
Shierholz assinalou que embora o total de pedidos de seguro-desemprego das últimas cinco semanas seja “extraordinário”, esse número não expressa a totalidade do desemprego, por excluir os trabalhadores que se viram por conta própria e estão sem ter o que fazer.
Mesmo a extensão do sistema regulamentar de seguro-desemprego a vários desses setores em quase todos os estados ainda está em instalação – apontou – e a grande maioria dos elegíveis “não está ainda recebendo” auxílio.
“A economia está cavando um buraco tão profundo que ficará cada vez mais duro sair dele”, disse à Reuters Chris Rupkey, economista-chefe da MUFG, de Nova Iorque. “Neste ponto, precisaria de um milagre para evitar que esta recessão se transforme na Grande Depressão II”.
INCITAMENTO
Depois de ter deixado o tsunami de desemprego varrer o país e plenamente sabedor de que não há notícia de presidente reeleito com o país em recessão, Trump agora andou tuitando “liberte Michigan”, “liberte Minnesota”, “liberte a Virgínia”, na linha de “precisa reabrir” os negócios” e a quarentena está “dura demais”.
Sob esse incitamento de Trump aos fanáticos do Tea Party e outros grupos semelhantes para que sabotem o distanciamento social, torna-se maior o risco de que a suspensão apressada da quarentena precipite uma segunda onda de contágios ainda pior.
Cuja consequência inevitável seria levar a uma segunda quarentena, com danos ainda maiores à economia, como já advertiu o principal consultor de epidemiologia da força-tarefa antipandemia da Casa Branca, Dr. Anthony Fauci.
ANTONIO PIMENTA