Entre 1º de janeiro e 13 de agosto, a mineração desmatou 102,42 km² na Amazônia, o equivalente a mais de 10,2 mil campos de futebol, segundo dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). A área já é maior que o registrado nos 12 meses de 2020, quando a atividade devastou 100,26 km².
Também, os dados reunidos pelo Instituto Socioambiental (ISA) alertam para o crescimento do garimpo na região: os alertas de desmatamento causado por garimpo aumentaram 16% dentro de áreas protegidas da Amazônia entre agosto de 2020 e 2021. Fora dessas áreas, o aumento no período foi de 26%.
Para Antônio Oviedo, cientista ambiental e pesquisador do ISA, os fatores que explicam o aumento do garimpo são uma combinação entre falta de fiscalização do governo e os projetos de lei em discussão no Congresso que visam acabar com demarcação de terra indígena e liberar de mineração nesses território, como o PL 490 e o PL 191.
“A grande maioria dos alertas de garimpo está nas terras indígenas (22%) e unidades de Conservação (53%), e a fiscalização não está atuando ali. O aumento também é decorrente da expectativa de que o projeto de lei que visa abrir as TIs para a mineração seja aprovado, e aí esses criminosos apostam na política do fato consumado, ou seja, já estão lá explorando e acham que com a aprovação da lei eles serão legalizados”, diz Oviedo.
Ele ainda alerta que o desmatamento por mineração e garimpo nos próximos meses deverão aumentar até o final do ano, uma vez que entramos no principal período que ocorrem os desmatamentos e incêndios na Amazônia.
“A partir de agosto, as chuvas diminuem e isso facilita as atividades de desmatamento e garimpo nas margens dos rios. a tendência é que esta degradação aumente ao longo dos próximos meses, entre (setembro a novembro”, alerta Oviedo.
Mês de violência
O mês de maio de 2021 foi o mês em que a mineração mais desmatou a Amazônia em toda a série histórica do Deter/Inpe, com 37,94 km² de desmatamento em um único mês. Na sequência aparece maio de 2019, com 34,47 km² devastados pela atividade.
Em maio, garimpeiros entraram em confronto com a Polícia Federal (PF) em Jacareacanga, no Pará, enquanto ela realizava a Operação Mundurukânia para conter o garimpo na terra indígena Munduruku. Os manifestantes pró-garimpo tentaram invadir a base da PF e depredar patrimônio da União, aeronaves e equipamentos policiais.
As aldeias foram cercadas e uma estrada foi interditada, impedindo o andamento da operação, que durou apenas dois dias. No mesmo dia em que os policiais federais interromperam a operação, os garimpeiros invadiram e incendiaram uma aldeia.
O município de Jacareacanga, aliás, é o segundo mais desmatado por mineração no Brasil este ano, com 17,92 km². Em primeiro lugar está Itaituba, com 44,26 km². Ambos ficam no Pará e estão distantes cerca de 300 km.
93% do garimpo ilegal na Amazônia
A Amazônia concentra 93,7% dos garimpos no Brasil. O dado é da MapBiomas, que monitora as transformações na cobertura e no uso da terra no país. Segundo o órgão, entre os anos de 1985 e 2020, a área minerada em todo o Brasil cresceu seis vezes. Com um aumento absurdo nos últimos anos, somente em 2020, no governo Bolsonaro, três de cada quatro hectares minerados no Brasil estavam na Amazônia.
De acordo com o coordenador da equipe de zona costeira e mineração da MapBiomas, César Diniz, existem dois tipos distintos de mineração: a industrial e a garimpeira. Ambas estão em crescimento na região, mas o avanço de garimpos preocupa muito mais.
“O crescimento da mineração industrial tem forte ligação com o desenvolvimento humano. A sociedade humana como um todo, ao se tornar cada vez mais tecnológica, demanda cada vez mais extração mineral. Então é esperado que ela evolua gradativamente. O que assusta nessa evolução é a participação da área de garimpo. No começo da série tínhamos uma área menor que a industrial, mas nos últimos dez anos, de 2010 a 2020, o salto da área garimpada, especialmente na Amazônia, foi muito grande. E é isso, que tem nos assustado”.
A expansão dos garimpos é ainda maior em território indígena e em unidades de conservação. De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras destinadas aos índios cresceu 495%; no caso das unidades de conservação, o crescimento foi de 301%. As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território Kayapó (7602 ha) e Munduruku (1592 ha), no Pará, e Yanomami (414 ha), no Amazonas.
“A atividade garimpeira em terras indígenas e unidades de conservação constitui um crime que precisa ser combatido. Não existe no país nenhuma forma legal de fazer extração garimpeira dentro de terra indígena. Não há mecanismo que você consiga uma lavra garimpeira dentro de uma terra indígena. Todos os garimpos que ocupam terras indígenas o fazem de maneira ilegal. Há uma invasão territorial que já é um crime”.
“A atividade garimpeira em terras indígenas e unidades de conservação constitui um crime que precisa ser combatido. Não existe no país nenhuma forma legal de fazer extração garimpeira dentro de terra indígena. Não há mecanismo que você consiga uma lavra garimpeira dentro de uma terra indígena. Todos os garimpos que ocupam terras indígenas o fazem de maneira ilegal. Há uma invasão territorial que já é um crime”.
E além de causar danos ao ecossistema, a proliferação das áreas de mineração garimpeira dentro dos espaços causam problemas sociais: “Ao invadir terras indígenas você leva para lá todos os problemas que não existiam naquela comunidade. Tem o desrespeito cultural, proliferação de doenças, impacto ambiental na área de sustentação dos próprios índios, tem conflito de terra”.
O pesquisador também elenca os diversos problemas sociais, econômicos e ambientais que podem ocorrer para outras pessoas, sejam as que se dedicam à prática ou que são afetadas direta ou indiretamente pela atividade.
“O garimpo amazônico gera uma grande quantidade de sedimento que é enviado aos rios. E em geral a forma de fazer a recuperação do ouro é pelo uso de metilmercúrio, que é um absolutamente nocivo para os garimpeiros e também para a fauna, que está associada ao curso hídrico. Ou seja, o garimpo causa um problema para quem garimpa, para quem vive dos rios e até para quem nem próximo do garimpo esteve. Porque a contaminação do mercúrio pode afetar os peixes vendido em mercados”. Para o pesquisador, a falta de fiscalização por parte dos órgãos públicos é o principal fator que ajuda na proliferação de garimpos na Amazônia: “Fazer garimpo no país é, hoje, mais fácil e menos problemático do ponto de vista da ineficácia ou inexistência da fiscalização. É o esforço político que nos falta”, contou o pesquisador.