Em estudo sobre a reforma da Previdência do governo, lançado pelo Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle (Unacon Sindical), o autor, Bráulio Santiago Cerqueira, secretário executivo da entidade, diz que as propostas de desconstitucionalização, aumento da idade mínima e de tempo de contribuição, a capitalização, entre outras regras contidas na PEC 6/2019 representam “a implosão da Seguridade Social no Brasil” e que “é imperioso derrotar esta proposta”.
“O governo afirma que a reforma da Previdência atinge os privilégios, porém, na realidade, a PEC 6/2019 afetará duramente a parcela mais vulnerável do mercado de trabalho e da sociedade”.
“A conjugação de idades mínimas maiores, 65 e 62 anos para homens e mulheres, respectivamente, com a exigência de 20 anos de contribuição, reduzirá dramaticamente a cobertura previdenciária no país”, diz o documento.
Ele exemplifica que, de acordo com estudo publicado pela Consultoria Legislativa do Senado Federal, “19% dos homens e 39% das mulheres que se aposentaram em 2014 com 65 anos e 62 anos, respectivamente, não conseguiram acumular 20 anos de contribuição”.
“Enquanto isso, as contribuições patronais não são alteradas, as isenções previdenciárias são mantidas, o 1% mais rico que não depende da Previdência Social permanece intocado pela reforma e o setor financeiro, altamente lucrativo, vislumbra expansão de negócios com a capitalização e a abertura ao mercado da Previdência Complementar dos servidores”, afirma.
Bráulio Cerqueira argumenta que fazer ajustes na Previdência Social “é fato comum, visto que ela sofre influências políticas, do mercado de trabalho, das taxas de fecundidade e expectativa de vida da população, dentre outros fatores, e cita que “entre a promulgação da Constituição Federal (CF) em 1988 e 2015, seis Emendas Constitucionais alteraram diversos parâmetros do Sistema, introduzindo a contribuição de servidores públicos, incorporando microempreendedores individuais, equiparando o teto do setor público ao do setor privado, etc”. E que, nesse intervalo, “a cobertura previdenciária aumentou e a pobreza diminuiu, especialmente na população idosa”.
E argumenta que, “reformar a Previdência e a assistência não implica desproteger a parcela majoritária da população que vive dos rendimentos do trabalho ou à margem da economia formal”, como propõe a reforma do governo.
Segundo o estudo, o diagnóstico do governo sobre a Previdência “se apoia em ótica míope da questão fiscal, centrada, sobretudo, na redução de despesas advinda da retirada de direitos sociais”.
E que a suposta ‘economia’ de “R$ 1,1 trilhão em 10 anos prometida pela reforma decorre daí, da restrição do acesso à aposentadoria e do corte nos valores dos benefícios”.
Ele cobra que, nesses cálculos do governo, nada é dito sobre “a recessão do biênio 2015-16, (…) responsáveis pelo colapso das receitas da Previdência, pouca coisa sobre as renúncias federais de receitas que chegarão a R$ 305 bilhões em 2019, ou 4,17% do PIB, contra 3,60% em 2010; nada sobre a contribuição de empregadores; também nada sobre a taxação do 1% mais rico”.
E prossegue: “não são estimados custos fiscais associados à transição para a capitalização, que subtrai receitas da Seguridade Social e dos Regimes Próprios de Estados e municípios; não há avaliação do impacto da redução da cobertura previdenciária e da fragilização da assistência sobre a pobreza e a miséria na velhice; não se avaliam os efeitos do rebaixamento das aposentadorias sobre o consumo das famílias e sobre as economias locais num país onde as transferências da Previdência Social superam as receitas próprias e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) na maioria das localidades”.
Referindo-se à desconstitucionalização proposta, o documento afirma que “remeter à legislação infraconstitucional a regulamentação da Previdência significará que nenhum dos critérios básicos para obtenção de aposentadorias ou pensões será resguardado pela Carta Magna”.
“Instaurar-se-ia insegurança jurídica e social permanentes, uma vez que futuras alterações dependeriam da tramitação de Leis Complementares, que exigem maioria absoluta no Congresso (257 deputados e de 41 senadores), enquanto as PECs exigem quórum qualificado de 3/5 (308 deputados e 49 senadores, com duas votações em cada casa)”.
CAPITALIZAÇÃO
O estudo faz duras críticas ao sistema de capitalização em detrimento do atual regime de repartição, e cita exemplos de países que adotaram a capitalização e vêm passando por graves problemas fiscais e sociais.
Esses países “precisam lidar com enormes custos fiscais associados à transição de regimes e, por outro lado, em alguns casos condenaram milhões de aposentados e pensionistas à pobreza”.
Ele explica que “os custos de transição derivam da perda de receita do regime de repartição”.
“Se, por exemplo, 30% dos trabalhadores brasileiros migrarem para a capitalização, em 10 anos mais de R$ 1 trilhão em receitas deixarão de fluir para a Previdência Social indo para o sistema financeiro. Será o fim da Seguridade Social e a instauração de um círculo vicioso de queda de receitas, crise fiscal e mais cortes de benefícios”, afirma o auditor federal.
Bráulio Cerqueira exemplifica: “No Chile, exemplo de capitalização citado pelo governo como supostamente bem-sucedido, o benefício médio ao idoso caiu para 80% do salário mínimo, ampliando a pobreza, enquanto os recursos administrados pelos bancos são aplicados no exterior e não no desenvolvimento da economia”.
“De acordo com estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os bancos aparecem como os principais, senão os únicos, beneficiários da capitalização”.
POBRES CADA VEZ MAIS POBRES
Segundo o documento, toda a proposta do governo “revela o viés contra os trabalhadores e, principalmente, as trabalhadoras mais desfavorecidas que, ou não irão se aposentar, ou terão que trabalhar mais tempo do que o requerido pela idade mínima, isso se sobreviverem até lá”.
Além de citar as mudanças propostas ao acesso a benefícios de caráter assistencial, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e as aposentadorias rurais, e o aumento do tempo de contribuição para os trabalhadores rurais, “o que, na prática, tornará a aposentadoria rural inatingível, levando centenas de milhares de brasileiros do campo à pobreza extrema”, o estudo afirma que as mulheres serão as mais prejudicadas em todas as modalidades de benefícios.
“Se as desigualdades de gênero no mercado de trabalho brasileiro já redundam em dupla jornada e menores rendimentos para mulheres com a mesma qualificação que a dos homens, elas serão ainda mais prejudicadas pela reforma, tanto pela elevação da idade mínima quanto pelo aumento do tempo de contribuição, bem como pela combinação desses dois requisitos e pelas novas regras de cálculo dos benefícios”.
O estudo discorre ainda amplamente sobre a gravidade das mudanças propostas para professores e servidores públicos, e faz uma ampla defesa de como é possível crescer com inclusão social.
“Nossos problemas não estão na suposta benevolência da Seguridade Social que transfere cerca de um salário mínimo a mais de 60% dos beneficiários do Regime Geral; também não estão no Regime Próprio Civil Federal com teto igual ao do setor privado e ajustado financeiramente no longo prazo; tampouco residem em suposto descontrole da folha da União, de ativos e inativos, civis e militares, que em 2018 representou 4,3% do PIB contra 4,8% em 2002. Nossos problemas decorrem da longa desaceleração da economia”.
E questiona: “Como pode estar quebrado um governo que possui R$ 1,1 trilhão em caixa, com uma dívida pública denominada quase inteiramente na moeda que ele mesmo emite, e que, ademais, conta com mais de US$ 370 bilhões de reservas internacionais, sendo credor da maior economia do mundo? Evidentemente o Brasil (e seu governo) não está quebrado, mas as regras fiscais de asfixia, sobretudo, do gasto primário que injeta demanda e renda na economia, assim como as políticas de alta taxa de juros e restrição de crédito, empoçam a riqueza no Banco Central e no sistema financeiro impedindo que a economia real se recupere”.