O Congresso Nacional vota nesta semana a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186, a chamada “PEC Emergencial”, que acarreta grave arrocho sobre a saúde, a educação, a segurança pública e os serviços públicos em geral como justificativa para a volta do auxílio emergencial.
Em entrevista ao HP, o presidente do Fórum Nacional de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, afirma que “nesse momento o Estado precisa injetar dinheiro na economia para promover estímulo, pois houve uma retração devido à pandemia com um desaquecimento econômico muito grande. Então não é o momento de arrochar os salários para piorar ainda mais a situação”.
“O serviço público está operando a mil. O próprio Ministério da Economia reconheceu no ano passado que, mesmo no trabalho à distância, houve um incremento na produtividade, porque a gente sabe que nesse momento o país precisa mais do que nunca dos serviços públicos. Não faz sentido o governo ficar reiteradamente atacando o serviço público, promovendo ingerências como no caso do Ibama, ICMbio, da Receita Federal, da Polícia Federal, etc.”, defende Rudinei.
O presidente do Fonacate classificou a gestão Bolsonaro como “um desgoverno completo em várias áreas e, na relação com o funcionalismo, não tem sido diferente”. “Assim como o governo está completamente perdido na gestão da pandemia, na gestão da economia e em outros assuntos, na relação com o funcionalismo é um desastre”, ressaltou.
Inicialmente, a PEC Emergencial propunha como medida fiscal a redução de 25% da jornada de trabalho e dos salários dos servidores, ferindo o princípio assegurado no artigo 7, inciso VI, de irredutibilidade salarial. A base governista desistiu do dispositivo nos últimos dias, devido à pressão e repercussão negativa da medida.
Contudo, ainda há no relatório entregue pelo deputado Márcio Bittar (MDB-AC), no sábado (19), mecanismos para congelar salários dos servidores, bem como congelar os investimentos nos serviços públicos para a população quando os gastos atingirem 95% da arrecadação da União, Estados, Distrito Federal e/ou Municípios.
Para Rudinei, há uma paralisia nas ações do governo federal que pouco ou nada tem feito para combater os efeitos da pandemia sobre os serviços públicos e sobre a população de maneira geral. Ao contrário, “quando há uma interferência direta do presidente é para piorar as coisas”.
“Diversos órgãos públicos considerados de excelência como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que funcionava muito bem no Ministério da Economia, o governo decidiu mandá-lo para o Banco Central, justamente para piorar. Com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) também foi assim, com pesquisadores de excelência dando palestra na NASA. Mas um terraplanismo de gestão panfletária vem anulando todo esse trabalho”, assinalou Rudinei.
O relatório de Bittar prevê a criação de dispositivos que permitam que sempre que houver definições de estado de emergência fiscal e estado de calamidade, contrapartidas como o congelamento do salário de servidores passarão a valer automaticamente.
Rudinei afirma que a proposta vai na contramão do que o mundo tem feito e, mais ainda, no sentido contrário do que o país necessita nesse momento. “A gente está vendo o exemplo dos EUA que reajustaram o salário dos servidores”.
A PEC Emergencial tem sido usada pelo governo Bolsonaro como “moeda de troca”, como chantagem, para viabilizar a extensão do auxílio emergencial às pessoas que estão passando fome. E a proposta do governo é reduzir ainda mais a parcela do benefício que deve chegar a apenas R$ 250. Ainda há pressão no Senado para que o pagamento seja maior.
Além disso, Bolsonaro quer pagar o auxílio a pouco mais da metade dos que recebiam anteriormente. Com isso, cerca de 40 milhões de pessoas não receberão as novas parcelas.
“Saiu recentemente um estudo da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) sobre o aumento da pobreza extrema na América Latina no pós-pandemia. Nós vamos passar dos 50% de pessoas em situação de pobreza extrema e de pobreza. Estamos falando de uma população de 580 milhões de pessoas com 290 milhões que estarão na pobreza extrema ou na pobreza na América Latina”, disse Rudinei.
“Aqui no Brasil vivemos uma situação muito crítica com um índice de desigualdade quase que sem paralelos no mundo, uma concentração de renda muito grande, tanto é que hoje 70 milhões de brasileiros estão sem emprego, no desalento ou na informalidade. Isso tudo nos leva a uma percepção, tanto agora quanto no pós-pandemia, que nós vamos precisar de mais Estado, mais serviços públicos, mais assistência social, mais serviços na área de Saúde, da Educação”, afirmou.
Segundo o dirigente, a PEC Emergencial, por um lado, pretende deflagrar um imenso golpe na qualidade dos serviços públicos, e, por outro, a PEC da Reforma Administrativa termina com o desmonte e a entrega dos serviços públicos às mãos do setor privado.
Com a PEC Emergencial e a chamada PEC da Reforma Administrativa (PEC 32/2020), o governo “quer promover a paralisação do serviço público, a precarização das relações de trabalho, a entrega dos dispositivos públicos para a iniciativa privada em áreas centrais como é a saúde e a educação”, avalia Rudinei.
“É isso que está na PEC 32. O princípio da subsidiariedade não é nada mais nada menos do que a delegação dos serviços públicos para famílias, como no caso da Assistência Social ou para a iniciativa privada, como no caso da Saúde e Educação. Isso nós não podemos permitir”, sentenciou.
“Está mais que evidente que o país vai ter que fortalecer o serviço público. É mais que evidente que o país vai precisa aumentar e qualificar a prestação dos serviços públicos daqui para frente”, concluiu Rudinei.
RODRIGO LUCAS