Remuneração de entregadores por aplicativo é inferior ao salário mínimo, revela pesquisa da UFRJ, que denuncia “graves inconsistências” em estudo encomendado por empresas
Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) denunciou “graves inconsistências” em estudo divulgado pela entidade das empresas de entregas e transportes por aplicativos, divulgada no dia 12 de abril, em que afirma que as remunerações dos trabalhadores no setor “são superiores ao salário mínimo e à remuneração média do mercado para pessoas com a mesma escolaridade”.
Segundo o estudo, encomendado pela Amobitec – entidade que representa as principais empresas que recrutam trabalhadores para atuação em plataformas, como 99, iFood e Uber – os motoristas ganham entre R$ 2.925 e R$ 4.756, por mês, e os entregadores, entre R$ 1.980 e R$ 3.039, para uma jornada de 40 horas semanais, já abatendo os custos. A pesquisa foi realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Conforme a pesquisa Direito do Trabalho no Século XXI (TrabB21), associada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRJ, há, no entanto, “graves inconsistências metodológicas”, pois os resultados apresentam “a ‘renda líquida’ dos profissionais como se eles atuassem 40 horas semanais em corridas efetivas”.
“Contudo, os próprios dados fornecidos pelas empresas revelam que os motoristas realizam, em média, 22h semanais em corridas efetivas nos aplicativos, enquanto os entregadores, 12h semanais. Como a base de cálculo da remuneração na pesquisa é o tempo em efetivo atendimento aos clientes, na prática, a remuneração média é bem menor do que foi divulgada, chegando inclusive a ficar abaixo do salário mínimo”, continua.
“Com os dados do estudo, é possível fazer uma estimativa mais realista dos ganhos médios de motoristas e entregadores, levando-se em consideração as médias de horas ‘em corrida’ nos aplicativos. Se os motoristas conseguem realizar, em média, 22 horas semanais de corridas, a sua remuneração fica entre R$ 1.056 e R$ 1.672 por mês, dependendo do tempo em que os trabalhadores ficam logados no aplicativo sem realizar corridas”.
“Para os entregadores, a situação é ainda mais precária, pois além de uma remuneração menor, eles realizam menos horas em corridas por semana (12 horas, em média). Se considerada essa média, o rendimento mensal desses trabalhadores nos aplicativos fica entre R$ 480 e R$ 816, sempre abaixo do salário mínimo”, destaca o Trab21.
“Além disso, como o estudo divulga apenas as médias (e as empresas não disponibilizam suas bases de dados publicamente), não é possível estimar quantos profissionais atingem as 40 horas semanais em corrida divulgadas e quanto tempo eles têm que trabalhar para atingir esse número”.
Para os pesquisadores, o estudo inverte a lógica e, em vez de estimar o ganho pelo tempo “logado” na plataforma, ou seja, o tempo em que o trabalhador está à disposição da empresa, que é o tempo de trabalho na prática, observou o ganho somente no tempo de “corrida”, acrescentando faixas arbitrárias para o tempo total (0%, 10%, 20% e 30% sem corridas). “É curioso que o estudo apresente essas estimativas, quando as plataformas dispõem dos dados reais de horas logadas e horas em corrida dos trabalhadores, mas só disponibilizaram os dados de horas em corridas, como revelado na seção de metodologia”, denunciam os pesquisadores da UFRJ.
Não à toa, no último dia 15, os motoristas realizaram uma greve reivindicando aumento no valor das corridas. “As empresas, provavelmente, irão divulgar novamente os dados distorcidos, para tentar contrariar os argumentos de que pagam pouco. Também chama a atenção esses números serem divulgados em evento realizado com a presença de várias autoridades, no momento em que o governo federal inicia as discussões para regulamentar o trabalho em plataformas digitais”, diz o documento.
Os pesquisadores pedem, por fim, que as plataformas digitais, bem como o Cebrap, divulguem os dados e explicitem seus números para o devido controle científico da pesquisa divulgada.