14 entidades judaicas se somaram à Confederação Israelita do Brasil (Conib) no repúdio à recepção da deputada nazista alemã, Beatrix Von Storch, que teve encontros com a deputada federal Bia Kicis, com o deputado Eduardo Bolsonaro e com o presidente Bolsonaro (este último a recepcionou em encontro fora da agenda).
Duas das mais destacadas entidades judaicas norte-americanas, o American Jewish Committee (AJC) e a Anti-Defamation League (ADL) se uniram solidariamente à Conib no protesto.
Segundo a Conib, a recepção dada a representante do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) em Brasília é “lamentável”, pois “trata-se de partido extremista, xenófobo, cujos líderes minimizam as atrocidades nazistas e o Holocausto. O Brasil é um país diverso, pluralista, que tem tradição de acolhimento a imigrantes”.
A Conib esclarece também que “defende e busca representar a tolerância, a diversidade e a pluralidade que definem a nossa comunidade, valores estranhos a esse partido xenófobo e extremista”.
A deputada Beatrix já declarou que a polícia alemã deveria ir até a fronteira do país e atirar em refugiados da Síria sejam eles homens, mulheres ou crianças. Disse essa barbaridade seria uma defesa da cultura e da condição cristã da Alemanha.
Dito isso a deputada qualificou os sírios que chegam à Alemanha buscando abrigo da guerra causada pela invasão de seu país de como “hordas de homens bárbaros, muçulmanos e estupradores”.
“A recepção amistosa do Presidente Jair Bolsonaro e dos deputados federais do PSL, Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis, à deputada Beatrix Von Storch, do partido de extrema-direita Alternative fur Deutschland, representa o alinhamento do atual mandatário do país e sua base de apoio não com aquilo que eles chamam vagamente de “valores judaico-cristãos”, mas com um nacionalismo violento e excludente, que ignora minorias, o desenvolvimento sustentável e a democracia”.
“Esse encontro é mais um episódio lamentável dentre tantos que indicam que as associações entre o presidente e seus apoiadores com movimentos supremacistas e neonazistas não são mera coincidência, e sim concordância ideológica”, diz a nota que é assinada pelas seguintes entidades: Judeus Pela Democracia RJ (JPD); Judias e Judeus Pela Democracia SP (JPD-SP); Observatório Judaico de Direitos Humanos no Brasil; Instituto Brasil Israel (IBI); Centro Cultural Mordechai Anilevitch (CCMA); Associação Cultural Mordechai Anilevitch (ACMA); Movimento de Mulheres Judias Me Dê Sua Mão; Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos (NIEJ); Associação Scholem Aleichem (ASA-RJ); Habonim Dror-SP; Associação Cultural Moshe Sharett; Meretz Brasil; Avodá Brasil e Associação Janusz Korczak do Brasil AJKB
Na sua reportagem sobre o infame encontro, a rede alemã Deutsche Welle destaca algumas das declarações de Beatrix e alguns dos líderes de sua legenda a AfD:
- “Afinal, agora nós temos tantos estrangeiros no país que valeria a pena mais um Holocausto.”
- “Eu desejo tanto uma guerra civil e milhões de mortos, mulheres, crianças. Para mim, tanto faz. Seria tão bonito. Quero mijar nos cadáveres e dançar em cima dos túmulos. Sieg Heil!”
- “Esse tipo de gente [estrangeiros e esquerdistas], é claro que temos que eliminar.”
- “Quando a gente chegar, vai ter arrumação, vai ter purgação!”
- “Lares para refugiados em chamas não são um ato de agressão.”
- “Fuzilar a corja ou mandar de volta para a África debaixo de pancadas.”
Segue a íntegra da nota do Observatório Judaico dos Direitos Humanos
OBSERVATÓRIO JUDAICO DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL REPUDIA O ENCONTRO DE CONFRATERNIZAÇÃO ENTRE A CÚPULA DO GOVERNO BOLSONARO E A LÍDER NEONAZISTA ALEMÃ BEATRIX VON STORCH
Esta semana o governo Bolsonaro recepcionou e estreitou relações institucionais com a vice-presidente do partido alemão AfD, Alternativa para a Alemanha. Foram sucessivos encontros com sua vice-presidente Beatrix von Storch, começando pela presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Bia Kicis, seguida pelas honrarias feitas pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo Bolsonaro e, em palácio, pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, na qualidade de Chefe de Estado.
O AfD, como sintetiza a declaração da CONIB, é um “partido extremista, xenófobo, cujos líderes minimizam as atrocidades nazistas e o Holocausto”. É o único partido alemão declaradamente monitorado pelas autoridades de segurança por sua “ameaça aos valores constitucionais” do país. Alguns de seus membros são investigados pelo incitamento que resultou no ataque a à sinagoga de Halle, em pleno dia do perdão judaico, o Yom Kipur, o que resultou em duas mortes. Um dos líderes do AfD, Björn Höcke, disse que “70 anos depois de 1945 não devemos mais pedir desculpas pelo nosso passado”, acusou os “invasores da Alemanha” por “quebrarem o estilo de vida militar prussiano” considerando que isso foi “uma terrível catástrofe”.
A própria Beatrix von Storch sugeriu que seus seguidores deveriam ir até as fronteiras da Alemanha atirar em refugiados, incluindo mulheres, “em defesa da cultura alemã, em defesa da sua condição cristã”.
Não restam dúvidas de que Beatrix von Storch e seu partido representam a ideologia degenerada do nazismo. O avô da parlamentar alemã foi um dos mais aguerridos nazistas, tinha proximidade com Hitler e sua apodrecida trajetória de vida jamais recebeu qualquer comentário crítico da neta.
O encontro entre a parlamentar de um partido de ideologia nazista, que profere discursos de ódio contra valores humanos com seus congêneres brasileiros não foi um encontro casual. Foi uma reunião que confere apoio à campanha de Beatrix ao Parlamento Europeu e uma óbvia determinação de selar alianças com os herdeiros do nazismo alemão.
Criticada por organizar este encontro, Bia Kicis publicou uma carta resposta à crítica da Conib, na qual a parlamentar brasileira defende o AfD, nega a comprovada vertente racista e supremacista do partido de sua convidada e reitera a parceria ideológica com o que de mais pernicioso e ameaçador existe na política deste século.
Na mesma carta, a deputada Bia Kicis defende o AfD como um partido legitimado e reconhecido na Alemanha, contando com 90 parlamentares. Isto não o qualifica como democrata ou menos perigoso por sua condição sociopata. Como se sabe, o partido nacional socialista ascendeu ao poder na Alemanha igualmente pela via eleitoral.
Consideramos particularmente deplorável e ofensivo o recurso utilizado pela deputada brasileira de se apresentar como neta de judeu, como se isso a isentasse. Ser neta de judeu não justifica (talvez o contrário disso) um encontro com a mais deletéria expressão do antissemitismo como são os partidários do nazismo.
Do mesmo modo, vale esclarecer que não é o fato de Beatrix ser neta de nazista o que a incrimina, mas sim as ideias que ela defende contemporaneamente. Esse encontro deve colocar em alerta os judeus em particular e os democratas em geral, pois simbolizam as atitudes abertamente golpistas e antidemocráticas como é a notória história do nazismo, na qual os judeus não foram o alvo exclusivo.
No caso do AfD os alvos são os refugiados sírios, vítimas de uma tragédia sem precedentes, a que Beatrix von Storch se refere como “hordas de homens bárbaros, muçulmanos e estupradores”. No Brasil, são os negros, os quilombolas, os índios.
O Governo Bolsonaro já demarcou o terreno, já destilou sua visão de mundo. Deixou claro que compartilha das mesmas infâmias do AfD e este encontro demonstra que pretendem seguir juntos nesta trajetória que, longe de ser conservadora, é extremista, antissocial e antidemocrata. O dar de ombros pela Presidência da República às manifestações da Conib, do Museu do Holocausto, dos Judeus pela Democracia, do Instituto Brasil-Israel e de todos aqueles que se sentiram ofendidos pelo encontro, incluindo o Observatório Judaico de Direitos Humanos no Brasil, mostra seu desprezo pelos direitos humanos e pela diversidade.
Que nos sirva de alerta, que nos inspire à união em vigília contra as ameaças inspiradas na intolerância e no discurso de ódio racial e político, que nos mobilize à trincheira da resistência na defesa da nossa tão duramente conquistada democracia.
NATHANIEL BRAIA