O professor da UNB, especialista em Direito Internacional, avalia, neste artigo, que o Brasil está se isolando do mundo ao insistir na “repugnante submissão de Jair Bolsonaro e de Ernesto Araújo a Trump”. Esta posição “não representa o pensamento médio do corpo diplomático do Itamaraty e muito menos do conjunto dos brasileiros”
MAMEDE SAID MAIA (*)
Reino Unido, Austrália e Canadá se queixam que a ordem de Donald Trump determinando o assassinato do general iraniano ocorreu sem qualquer tipo de consulta aos aliados norte-americanos. Preocupados com a hostilidade às forças estrangeiras presentes na região, os australianos anunciaram o fechamento de sua embaixada em Bagdá, enquanto o Canadá também demonstrou preocupação com os soldados que mantém no país.
O governo do Iraque, tradicional aliado dos Estados Unidos, igualmente se queixa de que não foi consultado sobre o atentado ocorrido em seu território. A pedido do primeiro-ministro, o Parlamento local aprovou uma resolução para expulsar as forças norte-americanas do país. No Vaticano, o Papa Francisco fez um apelo pela manutenção do diálogo.
A União Europeia convidou o chanceler iraniano para um encontro em Bruxelas, na tentativa de manter canais de comunicação abertos com o governo do Irã. Uma iniciativa que contraria claramente Donald Trump, que gostaria de ver o regime dos aiatolás isolado e sem interlocutores.
Onde o Brasil se situa nesse xadrez? Ah, o Brasil vai sediar, nos próximos dias 5 e 6 de fevereiro, em Brasília, um encontro entre aliados militares dos EUA para debater a situação no Oriente Médio e no Golfo Pérsico. Nos bastidores, a ideia é uma só: criar uma aliança para isolar o Irã e fazer prevalecer a presença do Ocidente naquela região. Nem a Rússia, nem representantes da União Europeia estarão presentes. Alemanha e França também se recusaram a participar.
O primeiro encontro dessa natureza ocorreu na Polônia, em fevereiro de 2019, com a presença de representantes de Israel, Arábia Saudita, Emirados Árabes e outros aliados incondicionais dos Estados Unidos. Na ocasião, o governo do Irã convocou o embaixador polonês em Teerã para se explicar, enquanto o chanceler iraniano Javad Zarif fez um severo ataque contra a Polônia nas redes sociais, lembrando que o Irã recebeu mais de 100 mil refugiados poloneses durante a Segunda Guerra Mundial.
“O governo polonês não pode lavar a vergonha: enquanto o Irã salvou os poloneses na Segunda Guerra, ele vai agora sediar um circo anti-Irã”.
Como disseram vários generais brasileiros em declarações à imprensa, o Brasil não tem motivos para se envolver nesse imbróglio. O Irã é um dos maiores destinos das exportações agrícolas brasileiras, e não há sentido algum em atrair para nós um problema que não é nosso. A repugnante submissão de Jair Bolsonaro e de Ernesto Araújo a Trump não representa o pensamento médio do corpo diplomático do Itamaraty e muito menos do conjunto dos brasileiros.
Trata-se de uma política externa diametralmente oposta à tradicional posição brasileira – firmada no próprio texto da Constituição – em prol da autodeterminação dos povos, da defesa da paz, da não intervenção e da solução pacífica dos conflitos. Nessa como em outras questões, mais uma vez esse governo vai na contramão dos interesses nacionais.
O BRASIL PERDE
O Brasil tem algo a perder entrando em conflito com o Irã? Um dado curioso, divulgado pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia, nos traz a resposta: o país exportou 44,9 milhões de toneladas de milho em 2019, um aumento de 88% em relação a 2018. O primeiro comprador foi a China, seguida precisamente do Irã, que importou do Brasil, de janeiro a novembro de 2019, nada menos que 2,12 bilhões de dólares (principalmente milho e soja). O Brasil importou apenas 80 milhões de dólares do Irã, com nossa balança comercial tendo, pois, um saldo a favor de nada menos que 2,04 bilhões de dólares.
O Irã é o 5º principal destino das exportações agrícolas brasileiras. Para os empresários do setor, que apoiaram em peso Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, fica a constatação: o presidente põe a perder todos os resultados positivos que marcaram as exportações e o agronegócio brasileiro nos últimos tempos. E se constitui em um péssimo representante dos interesses nacionais mundo afora.
(*) Diretor da Faculdade de Direito da UNB