Em depoimento à Polícia Federal na quinta-feira (31), o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, confirmou que Jair Bolsonaro lhe pediu para receber um dos pastores acusados de pedir propina para intermediar a liberação de verbas do Ministério da Educação (MEC) para os prefeitos.
“O presidente Jair Bolsonaro realmente pediu para que o pastor Gilmar fosse recebido, porém isso não quer dizer que o mesmo gozasse de tratamento diferenciado ou privilegiado na gestão do FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação) ou MEC”, disse Ribeiro, esclarecendo que, como ministro, recebeu inúmeras autoridades, “pois ocupava cargo político”.
No depoimento, Ribeiro sés esforçou para livrar a cara de Bolsonaro dos trambiques praticados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura dentro do ministério. Disse no depoimento que, após a primeira reunião no MEC com os pastores, não recebeu nenhum questionamento de Bolsonaro a respeito do assunto tratado no encontro.
O inquérito foi aberto pela PF por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar a corrupção e tráfico de influência na gestão de Milton Ribeiro.
Milton Ribeiro não compareceu à audiência na Comissão de Educação do Senado para falar sobre o assunto no mesmo dia.
Questionado a respeito da atuação dos dois pastores na liberação de verbas para as prefeituras, o ministro disse desconhecer o fato e disse que “não autorizou” os religiosos a falar em nome do ministério. “Não tinha conhecimento que o pastor Gilmar ou o pastor Arilton supostamente cooptavam prefeitos para oferecer privilégios junto a recursos públicos sob a gestão do FNDE ou MEC”, disse.
Ribeiro pediu demissão do cargo de ministro na segunda-feira (28) com a vinda à tona da roubalheira em sua pasta, revelada atarvés de um áudio. No áudio, gravado em uma das reuniões com prefeitos no ministério, Milton Ribeiro diz que o atendimento aos pastores foi um “pedido especial” de Bolsonaro.
“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar. Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, disse Milton Ribeiro na conversa gravada.
Na PF, Milton Ribeiro procurou desacreditar as gravações, alegando que ela foi tirada de contexto e que a afirmação foi feita como forma de prestigiar o pastor Gilmar na “condição de líder religioso nacional”. O “líder religioso nacional” não tem cargo algum no governo federal. Existem outros vários líderes religiosos nacionais, com mais peso, inclusive, e nenhum deles tem tanto prestígio no ministério como têm Gilmar Santos e Arilton Moura. O atendimento “especial” deles junto ao ex-ministro só tinha uma explicação: a ordem de Bolsonaro para privilegiá-los.
PREFEITOS
A mamata dos pastores revelada pelos áudios foram confirmados por, pelo menos, dez prefeitos. Três deles confirmaram o pedido de propina pelos pastores de Bolsonaro. Outros sete disseram que os pastores intermediaram conversas dos prefeitos para liberar verbas do ministério.
Assessores do Ministério confirmaram que os pastores mandavam na agenda do então ministro da Educação, fazendo com que ele se reunisse apenas com os prefeitos que eles mandavam.
Para ter acesso ao Ministério da Educação e à verba do FNDE, os pastores cobravam propina. Prefeitos contaram que eles exigiam R$ 15 mil apenas para protocolar o pedido da Prefeitura. Segundo eles, R$ 15 mil era um desconto especial, pois o valor que cobravam era R$ 30 mil.
O prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, relatou que o pastor Arilton pediu um quilo de ouro (que vale mais de R$ 300 mil) para que o dinheiro da Educação chegasse ao município.
“Então, o negócio estava tão normal lá que ele não pediu segredo, ele falou no meio de todo mundo. Inclusive tinha outros prefeitos do Pará. Ele disse: ‘Olha, para esse daqui eu já mandei tantos milhões’. Os prefeitos ficavam todos calados, não diziam nem que sim, nem que não’”, continuou Braga. “E assim mesmo eu permaneci calado. Também não aceitei a proposta. Deixamos as demandas na mão dele e ele deu a conta pra gente. Os que transferissem os R$ 15 mil, ele ia protocolar”, concluiu.
Outros prefeitos contaram que os pastores queriam que a propina fosse paga através da compra de bíblias feitas por sua igreja, em uma tentativa de lavar o dinheiro assim que ele entrasse.
Kelton Pinheiro (Cidadania), prefeito da cidade de Bonfinópolis, disse que, apesar de precisar de uma escola nova, se negou a aceitar a proposta de pagamento de propina feita pelo pastor Arilton Moura. O prefeito afirmou que, por intermédio do pastor Gilmar, conseguiu ser recebido pelo ministro da Educação numa reunião com vários prefeitos. Assim como Gilberto Braga, Kelton disse que os prefeitos foram almoçar e que, nesse momento, o pastor Arilton, que também estava no encontro, fez o pedido de propina.
Segundo Kelton, o pastor disse: “‘Papo reto aqui. Eu tenho recurso para conseguir com você lá no ministério, mas eu preciso que você coloque na minha conta hoje R$ 15 mil. É hoje. E porque você está com o pastor Gilmar aqui, senão, pros outros, foi até mais’. Achei muito estranho, não tinha interesse”.
“Olha, eu precisava muito da construção de uma escola nova. Tem uma escola lá que é de placas de muro, escola antiga, que a gente precisava substituir lá no município. Então ele disse: ‘Olha, tudo bem, eu consigo isso para você, mas eu quero que você me dê hoje R$ 15 mil aqui na minha mão. Hoje, uma transferência, que você faça isso hoje’”, relatou o prefeito.
BÍBLIAS COMO PROPINAS
Kelton Pinheiro contou ao Estadão que Arilton Moura também propôs ainda uma contribuição para a igreja. “Se você quiser contribuir com a minha igreja, que eu estou construindo, faz uma oferta para mim, uma oferta para a igreja. Você vai comprar mil bíblias, no valor de R$ 50, e você vai distribuir essas bíblias lá na sua cidade. Esse recurso eu quero usar para a construção da igreja”, disse o pastor, segundo o prefeito. “Fazendo isso, você vai me ajudar também a conseguir um recurso para você no Ministério.”
Kelton prosseguiu: “ele sentou do meu lado, em um dos lados da mesa e falou: ‘olha prefeito, eu vou ser direto com você. Tem lá um recurso para liberar com ministro, mas eu preciso de R$15 mil hoje’”, afirmou Arilton Moura, segundo o prefeito. “O discurso dele que ainda me deixou mais chateado foi: ‘eu preciso desse pagamento hoje, porque vocês políticos não têm palavra, vocês não cumprem com o que prometem. Depois eu coloco o recurso para você lá e você nem me paga’.”
Também ao jornal “O Globo”, o prefeito José Manoel de Souza (PP), da cidade paulista de Boa Esperança do Sul, relatou outro pedido de propina de R$ 40 mil por parte de Arilton, para liberar verba para construção de escolas profissionalizantes no município. Ele disse que foi levado a um restaurante de um hotel em Brasília depois de um evento no MEC em 2021.
O pastor Arilton Moura perguntou se ele teria interesse em ter uma escola profissionalizante na cidade. “Eu disse que tinha outras demandas, como creche, terceirização de ônibus”. O prefeito conta que o pastor então complementou dizendo que, se ele quisesse, poderia ter a escola na hora. “Ele disse: Eu falo lá, já faz um ofício, mas você tem que fazer um depósito de R$ 40 mil para ajudar a igreja”. Souza afirma que se levantou e disse que não faria esse tipo de negócio. A cidade de Boa Esperança, segundo ele, não teve qualquer ajuda do MEC em seus projetos.
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