Na entrevista concedida à revista Veja, na última quinta-feira (22), o ex-secretário de Comunicação do governo pode ter atirado no que viu e ter atingido o que não viu. Foi nítido que o propósito foi proteger Bolsonaro, mas terá muito a dizer à CPI. Era da cozinha do presidente
Há um ditado popular que diz que, em circunstâncias normais, “cobras não se picam”. Este parece ser o caso da fala do ex-secretário de Comunicação do governo federal, Fábio Wajngarten quando disse, em entrevista à revista Veja, na última quinta-feira (22), que “houve incompetência e ineficiência” por parte do Ministério da Saúde no combate à pandemia da Covid-19.
O publicitário, que ocupou o posto até fevereiro, era da “cozinha” de Bolsonaro e vivia às turras com a pasta da Saúde. Durante meses, o ex-secretário travou intenso duelo com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
Wajngarten apontava o general e a equipe dele como responsáveis diretos pelo atraso da vacinação contra a Covid-19. No auge do conflito, circularam notícias de que o então chefe da Secom estaria se envolvendo em assuntos do ministério movido por interesses pessoais inconfessos.
INFORMAÇÕES VALIOSAS
Na semana passada, o Senado criou a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que vai investigar se o governo Bolsonaro se omitiu no enfrentamento da pandemia ou se praticou alguma ação que possa ter agravado o problema — e o ex-secretário deve ser um dos primeiros convocados a depor sobre isso.
Senadores acreditam que ele tem informações valiosas que podem comprometer gente graúda do governo federal. E ele tem. Em setembro do ano passado, quando a Covid-19 já tirava a vida de 750 brasileiros por dia, o publicitário soube que a farmacêutica Pfizer havia encaminhado carta ao governo oferecendo 70 milhões de doses de sua vacina, que se encontrava em fase adiantada de testes nos Estados Unidos.
O Ministério da Saúde, entretanto, não se interessou pela proposta nem sequer respondeu à carta. Wajngarten levou o caso ao conhecimento do presidente Bolsonaro, que o teria autorizado a negociar pessoalmente as bases de contrato com a empresa para aquisição do imunizante. O secretário se reuniu com diretores da Pfizer, discutiu cláusulas, conseguiu reduzir preços, obteve compromissos de antecipação da entrega de volumosos lotes do imunizante, mas o acordo não prosperou. Bolsonaro simplesmente não autorizou a compra.
A partir daí todos conhecem o que aconteceu. Alegando discordâncias com “cláusulas abusivas”, que o mundo todo não questionou, o governo não adquiriu lote com 70 milhões de doses do imunizante da farmacêutica.
ATIROU NO QUE VIU E ACERTOU NO QUE NÃO VIU
A fala do ex-secretário, em entrevista à revista Veja, tem nitidamente o objetivo de proteger Bolsonaro. Mas foi recepcionada no Planalto por ministros, que, de um lado, pode ter atirado o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, aos leões. De outro, se expôs (o ex-secretário) e ao presidente também, já que se defende sem sequer ainda ter sido alvejado por alguma acusação.
Wajngarten já estava nas listas de convocação a serem apresentadas pela oposição, mas agora, após entrevista, senadores querem que ele seja um dos primeiros a serem ouvidos.
Embora Wajngarten afirme mais de uma vez na entrevista que o presidente não foi o responsável pelo fracasso da primeira negociação de compras de vacinas com a Pfizer, para aliados do senador Renan Calheiros (MDB-AL) e integrantes da oposição, há trechos em que o ex-secretário acaba implicando diretamente o presidente.
O MINISTRO É O PRESIDENTE
À Veja o publicitário diz que a compra de vacinas oferecidas pela Pfizer, ainda no ano passado, não ocorreu por “incompetência e ineficiência” por parte do Ministério da Saúde. Ele afirma que o contrato com a empresa poderia ter sido assinado em setembro ou outubro, com as primeiras doses chegando ainda no fim de 2020, revela-se na entrevista.
Na entrevista, ele disse que se for convocado a depor na CPI vai repetir o que disse à revista.
Sinais de desespero surgiram no Planalto diante da entrevista do ex-secretário: alguns acusaram-no de “covardia” e “canalhice”. As palavras foram usadas por um dos ministros do governo, que afirma que, ao atirar no ex-ministro Eduardo Pazuello, Wajngarten fatalmente atinge Bolsonaro, ainda que pareça poupá-lo.
Mas todos sabem, até as pedras, que depois de demitir dois ministros, Bolsonaro nomeou um que poderia manipular, mandar e desmandar. Isso ficou evidente nos episódios da compra superfaturada 167% mais alta dos insumos para fabricação da cloroquina, em junho de 2020. Não se pode esquecer, ainda, que Bolsonaro desautorizou Pazuello e suspendeu a compra da vacina CoronaVac, em outubro.
A decisão foi tomada um dia após o Ministério da Saúde anunciar que estava negociando a compra de 46 milhões de doses da vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, com o Instituto Butantan, de São Paulo. Estes são apenas dois exemplos que quem tomava as decisões relevantes no Ministério da Saúde não era Pazuello, mas Bolsonaro. Os fatos sobejam, pululam.
TROCA DE BIOGRAFIAS
A CPI vai ser instalada na próxima terça-feira (27), pela manhã. O fato vai ser um frenesi e não tem como ser diferente, pois o Brasil está diante duma tragédia sanitária, cujo responsável direto pode ser (tudo indica) o presidente da República.
Então, na CPI vai haver uma troca de biografias. Se o colegiado fizer o trabalho para o qual foi designado entrará para a história, já que as evidências, inclusive com legislação infralegal aprovada, que o governo sob Bolsonaro, permitiu a expansão do vírus, a fim de que houvesse o contágio em massa e o governo não precisasse gastar recursos com imunizantes.
Ou o colegiado pode tentar livrar o presidente e seu governo e ser atirado à lata do lixo da história. São dois caminhos distintos. Não há meio termo. Se tentarem conciliar o inconciliável serão todos dragados para o cadafalso da história. Diante da tragédia sanitária, com consequências gravíssimas para a saúde pública e a economia, os senadores não têm porque trocar suas respectivas biografias, com a de Bolsonaro.
Até porque o presidente da República não oferece nada em troca, a não ser inglórias.
MARCOS VERLAINE (colaborador)