250 milhões fizeram a maior greve geral da história no dia 26 de novembro, para exigir ajuda emergencial e repelir corte de direitos
Os agricultores indianos vão fazer uma greve nacional na terça-feira (8), para exigir a revogação das três leis que escravizam os pequenos produtores rurais às múltis do agronegócio e abrem caminho para a eliminação do preço mínimo garantido pelo governo.
Há dez dias duzentos mil agricultores estão acampados na entrada da capital, Nova Déli, desde que o país viveu a maior greve geral da história, no dia 26 de novembro, com a participação de 250 milhões de trabalhadores, que exigiram ajuda emergencial frente à pandemia e repudiaram a famigerada ‘reforma trabalhista’ do governo Modi, que corta direitos e facilita demissões.
Pelo menos as cinco principais estradas de acesso à capital indiana estão bloqueadas pelos manifestantes, cuja concentração em uma área se estende por 30 quilômetros. Quase 60% da população indiana – que é a segunda maior do mundo – depende da agricultura para sua subsistência.
A greve nacional dos agricultores, a ‘Bharat Bandh’, que recebeu o apoio das centrais sindicais e dos partidos de oposição, foi decretada após o fracasso de cinco rodadas de negociação, em que o governo se recusa a recuar, e só admite pequenos e inócuos remendos.
A Delhi Chalo – marcha a Delhi – e a greve nacional estão sendo encabeçadas pela coordenação da Associação de Agricultores de Toda a Índia (AIKSCC), com mais de 500 entidades filiadas.
O governo Modi decretou em setembro as duas ‘reformas’, a agrícola e a ‘trabalhista’, quando o país já estava em marcha batida para se tornar o segundo maior do mundo em contágios de Covid-19, só atrás dos Estados Unidos.
As leis da “reforma agrícola” de Modi atendem às exigências das grandes multinacionais que controlam o agronegócio – e do FMI – para reforçar seu poder à custa dos pequenos agricultores e dos consumidores.
Os manifestantes também exigem que o governo recue do corte ou redução do subsídio da energia para os pequenos agricultores – outra imposição do FMI/Banco Mundial.
Um representante dos agricultores indianos resumiu a questão: se o governo quer ser escravizado pelas corporações do agronegócio, que seja. “Mas nós não seremos escravizados”, como registrou a Al Jazeerah.
O líder de um sindicato de agricultores do estado de Uttar Pradesh disse à CNN que “estamos com medo da Covid, mas não temos opção. É uma questão de vida ou de morte. Fomos nós que fornecemos comida, leite, legumes quando todo o país estava trancado”, se referindo ao lockdown nacional de 10 semanas.
“Foi o governo que nos pôs em risco ao introduzir estas leis durante a Covid”, denunciou.
Sobre a oferta do governo de ajustes cosméticos, a AIKSCC exigiu que as três leis sejam revogadas e se novas leis forem feitas, que “as associações de agricultores sejam consultadas”.
Outro dirigente da mobilização, Harinder Singh Lakhowal, afirmou que os agricultores “só se moverão quando as leis forem revogadas”. Após prometer queimar efígies do primeiro-ministro Modi no país inteiro se o governo se mantiver intransigente, Lakhowal assinalou que uma sessão especial do parlamento “deveria ser convocada para descartar essas leis”.
Em seu programa de rádio mensal, o primeiro-ministro Modi insistiu em que o objetivo da sua reforma agrícola é livrar os agricultores da “tirania dos intermediários”.
Foi acusado, pelo líder do oposicionista Partido do Congresso, Rahul Gandhi, no sábado, de tentar enganar os agricultores sobre a ‘reforma agrícola’. Lembrando como o governo do estado de Bihar havia deixado os pequenos agricultores sem a garantia de aquisição da produção pelo preço mínimo, Gandhi apontou que o primeiro-ministro agora “empurrou o país inteiro para esta confusão”. “Em tal situação, é nosso dever apoiar os agricultores do país”, enfatizou.
Uma estatística ilustra a situação extrema vivida pelos pequenos agricultores na Índia: em apenas dois anos, 2018 e 2019, mais de 20 mil agricultores se suicidaram. Segundo o jornalista P. Sainath, novos estudos mostram que 76% da população rural indiana não auferem o suficiente para pagar uma refeição nutritiva.
O Colégio dos Advogados de Delhi – a ‘OAB’ da capital indiana – endereçou carta ao presidente da Índia – Modi é o primeiro-ministro – chamando a atenção para parágrafo da lei anti-agricultores que, no entender da entidade, virtualmente cassa o direito de defesa de quem quer que se sinta lesado em contrato assinado sob a lei, desde que o infrator alegue ter agido de “boa fé”. “Isto é uma coisa extremamente perigosa que está acontecendo. Estão retirando os direitos fundamentais do cidadão para mover os tribunais quando se encontra em perigo”, adverte a carta.
250 MILHÕES EM AÇÃO
A maior greve geral de todos os tempos, de 26 de novembro, exigiu, antes de tudo, uma ajuda mensal de emergência de 7.500 rúpias (US$ 100) para as centenas de milhões de pessoas cujos magros rendimentos foram cortados do dia para a noite em decorrência da desastrada gestão da pandemia pelo governo Modi.
Também a retirada das leis antiagricultores e antitrabalhadores; salário mínimo mensal de 21.000 rúpias; fim das aposentadorias forçadas antecipadas dos servidores e fim das privatizações; Previdência Social universal; 6% do PIB para a Saúde Pública e 5% para a educação pública.
Dez centrais sindicais lideraram a mobilização, as principais o Congresso dos Sindicatos de Toda a Índia (AITUC), o Centro dos Sindicatos Indianos (CITU), o Congresso Nacional Sindical Indiano (INTUC) e a Frente Progressista Trabalhista. Só ficou de fora a central próxima ao partido de Modi.
No momento em que o país está sob um governo que promove incessantemente o chauvinismo hindu contra os muçulmanos e outras minorias, e incita divisões étnicas, comunais e de casta, a greve demonstrou uma enorme amplitude e unidade, capaz de superar todos esses obstáculos.
Em janeiro, antes da pandemia, havia sido desencadeada uma greve geral, em repúdio à política neoliberal e à lei que discriminava os muçulmanos.
Com o desemprego agora na casa dos 27% – o que é sem precedentes no país -, a promessa de campanha de Modi de criar “10 milhões de empregos” soa com cínico engodo. E enquanto a Índia está em quinto lugar no placar mundial de bilionários [em dólares], se arrasta na 129ª posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).