Desde quarta-feira, sob grande aparato policial, está acontecendo em Brasília a 15º edição do Acampamento Terra Livre, que reúne 150 etnias indígenas brasileiras e cerca de 4 mil índios, que assentaram acampamento na Esplanada dos Ministérios e na Praça da Cidadania, pela defesa de seus direitos.
Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que organiza o acampamento, o evento desde ano ocorre em um momento de graves ataques aos direitos dos povos tradicionais, já que no último período, o conflito entre indígenas e grileiros de terras tem se acirrado, por conta da medida provisória (MP 870) de Jair Bolsonaro, que passou para o Ministério da Agricultura a função de demarcação de terras e licenciamento ambiental das terras indígenas, que antes era da FUNAI, sob responsabilidade do Ministério da Justiça. Após a publicação da medida, em 1° de janeiro, ao menos oito áreas indígenas foram atacadas por grileiros de terras e ruralistas.
“Querem nos negar o direito de existir. Em 1500 éramos mais de 8 milhões e hoje somos pouco mais de um milhão. Mas queremos dizer ao mundo que não vamos recuar. Lutaremos para defender nossos territórios, nossa cultura e nossa forma de existir, pois compreendemos que, assim, estamos defendendo a vida. Quero lembrar ao governo brasileiro que a Constituição de 1988 nos garantiu direitos e deveres iguais aos de qualquer cidadão brasileiro. Na Carta Constitucional está contido um pacto pela cidadania e diversidade brasileira. Não vamos arredar pé. Por nosso país, não abriremos mão de nossos direitos. Porque eu sou Guajajara e sou brasileira”, afirma a coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara.
A MP também retirou a Fundação Nacional do Índio (Funai) da estrutura do Ministério da Justiça e a colocou na pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O órgão responsável pela política indigenista do Estado brasileiro está sob o controle da pastora evangélica Damares Alves, fundadora da ONG Atini, que é alvo de duas investigações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), uma no Rio de Janeiro por sequestro e tráfico de crianças, e a outra em Rondônia, por incitação ao ódio contra indígenas. A ministra está envolvida em escândalo no qual, índios da aldeia kamayurás, no Xingu, relataram que a filha adotiva de Damares foi levada irregularmente da reserva indígena no norte de Mato Grosso.
Os indígenas também criticam as mudanças anunciadas pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no atendimento à saúde indígena. Pela proposta do ministro, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), responsável pela coordenação da saúde dos índios em todo o país, deixaria de existir e em seu lugar entrariam as prefeituras municipais ou Organizações Sociais (OSs), entidades privadas, na assistência à saúde indígena.
Na quarta-feira, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, receberam representantes do movimento indígena.
Na audiência, os indígenas entregaram com um pedido para que o Congresso Nacional não aprove a MP 870. Segundo um dos líderes indígenas que participou da reunião, Lindomar Terena, “o presidente do Senado vai ajudar a viabilizar o retorno. Se prevalecer o que diz a Constituição, a Funai volta para a o Ministério da Justiça”, disse Lindomar.
Na quinta-feira foi a vez do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, receber o movimento. A reunião com Maia foi feita a pedido da Frente Parlamentar Pró-Indígena na Câmara, coordenada pela deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), a primeira parlamentar federal indígena eleita no país.
Os indígenas também pediram apoio a Maia pela não aprovação da MP 870. Maia disse às lideranças que não concorda com a transferência do poder de demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura e que a alteração “divide” o país e não promove “a segurança” dos povos indígenas.
“A Câmara dos Deputados é de todos aqui, nós não trabalhamos a favor de uma parte da sociedade, trabalhamos a favor do nosso Brasil, então vocês podem contar comigo. O que pudermos fazer sobre a medida provisória como primeiro passo, vamos fazer”, disse Maia.
Nesta sexta, os indígenas ainda cumprem uma ampla agenda em Brasília, com apresentação de rituais, marcha, plenária de encerramento com aprovação de agenda de lutas e documentos e, ao final, antes do retorno das delegações no sábado, uma noite cultural com apresentações indígenas e não indígenas.