
Frases xenofóbicas presentes em um livro didático utilizado em uma escola alemã ao abordar o Brasil geraram uma onda de indignação entre a comunidade brasileira em Berlim. O caso ganhou repercussão nas redes sociais nesta quinta-feira (13), depois que uma família brasileira que mora capital alemã denunciou o episódio.
O Itamaraty também se manifestou contra a forma estereotipada com que a publicação retrata o Brasil. Através da Embaixada brasileira em Berlim, o Ministério de Relações Exteriores (MRE) repudiou a menção ao personagem fictício do livro que perpetua uma “imagem distorcida e preconceituosa” sobre as crianças que vivem no Rio de Janeiro e no Brasil.
“A Embaixada do Brasil em Berlim lamenta a abordagem insensível e pouco informada da editora Mildenberger no livro em questão. Para além da dificuldade em entender como texto dessa natureza possa ter a pretensão de ser didático, preocupa, o impacto em crianças de sua exposição a estereótipos e preconceitos sobre outros países”, enfatizou o Itamaraty.
“Às vezes, pela manhã, procuro nas latas de lixo restos de comida. Na hora do almoço limpo os para-brisas dos carros. Meu sonho é me tornar um jogador de futebol profissional”, foi a frase atribuída a uma criança do Rio de Janeiro, no livro “ABC der Tiere” (ABC dos Animais).
Após a reação negativa, a editora Mildenberger Verlag, responsável pela obra, revisou o texto. Olá, meu nome é Marco. Eu moro no Rio de Janeiro e sou brasileiro. Meu assunto preferido é esportes. Eu gosto de jogar futebol com outras crianças. No futuro eu gostaria de ser jogador de futebol ou um arquiteto”. Em vez de catar lixo, na obra atualizada, Marco agora gosta de esportes e mantém o desejo de ser jogador de futebol.
No mesmo livro, uma garota japonesa estuda o dia inteiro para ser a melhor aluna e sonha em ser advogada. Um menino do Quênia tem o pai cozinheiro, a quem ajuda no trabalho depois da aula, e quer ter a mesma profissão que ele quando crescer. Na mesma lição, uma garota alemã diz gostar de tocar violão depois da aula e querer ser educadora.
Na atualização, a menina alemã continua tocando violão e sonhando em ser educadora, enquanto a japonesa permanece dedicada ao seu objetivo de um dia se tornar advogada. O menino do Quênia não ajuda mais seu pai no trabalho após a escola – agora, “a família toda come junta”.
Após a divulgação de influenciadores nas redes sociais, os brasileiros foram até a página da editora criticar o livro. “Ótimo que assumiram o erro e estão procurando resolver, mas ainda me choca a irresponsabilidade de quem fez e de quem aprovou o livro”, diz uma brasileira. “Ainda mais sendo direcionado a crianças […]”. Que absurdo”, escreveu na página da editora no Instagram.
Outra brasileira escreveu na rede social que é “vergonhoso!”. “Vocês deviam recolher todos os livros. Respeitem todas as outras culturas”. “Sou médico e nasci pobre no Rio de Janeiro. Meus primeiros oito anos de estudo foram na Escola Municipal Friendereich, localizada no Complexo do Estádio do Maracanã. O nome da escola homenageia o jogador Arthur Friendereich, filho de um alemão com uma afro-brasileira”, explica. “Ser uma criança brasileira pobre pode levar a muitos outros caminhos além daqueles descritos no estereótipo do livro didático dessa editora”, completa o médico.
Em seu posicionamento, o Governo brasileiro também destacou que há políticas públicas de longo para garantir que crianças tenham acesso à educação e saúde de qualidade, reduzindo, assim as desigualdades. Citou programas como “Bolsa Família”, “Criança Alfabetizada”, “Escola em Tempo Integral” e “Proinfância”, que, segundo o PNAD de 2023, mostra uma taxa de escolarização de crianças entre 6 a 14 anos de 99,4%.
Renato Galisteu, pai de um estudante de 11 anos e natural da cidade de São Paulo, contou ao G1 que o filho relatou que um colega da escola, na Alemanha, perguntou se ele foi procurar comida no lixo. No entanto, acredita que a criança não tenha sofrido bullying dos colegas.
“Meu filho chegou em casa e comentou com a gente, estarrecido, que em uma lição na escola foi falado de uma criança brasileira que não ia para a escola, pois tinha que procurar comida no lixo”, explica. Meu filho não viu como um ataque a ele, mas, sim, como algo que as pessoas questionariam, tendo em vista que estava no livro da escola”, reiterou.