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Neste 27 de maio completam-se 18 anos desde que João Amazonas se despediu da vida. Seus ensinamentos continuam cada vez mais válidos e necessários
JOSÉ CARLOS RUY
Um camarada que assistiu aos últimos momentos de João Amazonas, no quarto de hospital, há 18 anos, relata que uma enfermeira tentava acalmá-lo dizendo algo como “já já o senhor terá alta e vai pra casa, onde terá tudo o que o senhor gosta”. “Eu gosto mesmo é da Ediria” – teria respondido nestas que talvez tenham sido suas últimas palavras, antes de entrar na crise final que o levou da vida. Esta era a face afável de João Amazonas – a artista plástica Edíria Carneiro foi sua companheira por 56 anos, que esteve a seu lado no enfrentamento das grandes batalhas do Partido Comunista do Brasil desde 1946.
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Em seus últimos dias, no hospital, deixou com este mesmo camarada um bilhete onde dizia que seu corpo devia ser cremado e as cinzas lançadas às margens do rio Araguaia, para se juntar aos companheiros que tombaram na Guerrilha do Araguaia. Esta é a face ardente do revolucionário que, vendo a proximidade da despedida deste mundo, fazia do destino de suas cinzas um ato político acenando para as mudanças políticas e sociais a que dedicou sua vida desde a filiação ao Partido, em 1935, quando tinha 23 anos de idade, até final, em 2002, aos 90 anos. Foram 67 anos de atividade cotidiana pela construção e reconstrução do Partido que ele comparava à mitológica Fênix, a ave que renasce de suas cinzas.
Este era João Amazonas, um homem simples e sensível, um pensador sofisticado, um dirigente partidário atento. Era muito afável nas relações pessoais, mas ficava muito bravo – e duro – quando enfrentava ataques ao Partido, que via como a grande ferramenta para dirigir e orientar a luta do povo pelo socialismo, pelo progresso social.
Sua preocupação fundamental em suas quase sete décadas de atividade comunista foi, primeiro, manter firme e em pé a bandeira da foice e do martelo e, depois, que o Partido tivesse uma direção – um estado maior – estável, maduro e de sólida formação marxista leninista. Tanto que, em minha opinião, permitiu-se despedir da vida depois de dirigir a primeira transferência tranquila e sem contestações da direção do mais alto cargo do Partido, no 10º Congresso, em dezembro de 2001, quando passou a direção para Renato Rabelo sob aplausos gerais e grande unidade. Foi a primeira vez, ao longo de quase oitenta anos de história partidária, que a alta direção era transmitida de forma tranquila – e regimental – sinalizando a grande maturidade política e organizativa alcançada pelo PCdoB. A tarefa de sua vida estava concluída!
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Marxista-leninista inflexível, cuja atividade revolucionária e política sempre foi ligada ao povo de forma radical, João Amazonas foi um político refinado que defendia sempre a mais ampla aliança de democratas, progressistas e patriotas em torno de um programa capaz de fazer avançar o progresso social. Amplitude que, conta Victor Márcio Konder no livro “Militância”, se manifestou por exemplo na década de 1950. Havia então alguns problemas no Partido em Pernambuco, e o conselho dado por João Amazonas aos enviados pela direção nacional para ajudar os camaradas pernambucanos foi: antes de agir, é preciso encontrar por lá as personalidades e forças democráticas, progressistas e avançadas com as quais possamos trabalhar juntos. Sempre defendeu a necessidade de unir os democratas, os progressistas e os patriotas – o último grande exemplo dessa ação foi a criação da Frente Brasil Popular, em 1989, que lançou, com o PT, a primeira candidatura de Lula à presidência da República.
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João Amazonas foi também um grande, e permanente, formador de quadros partidários. Sempre insistiu na necessidade do completo domínio da teoria marxista, do leninismo, da dialética materialista, que sempre encarou como fundamental para a atividade partidária madura e consequente. Isso fez dele uma das grandes lideranças comunistas do século 20, reconhecido no Brasil e no movimento comunista internacional.
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Foi um dirigente surpreendente. Sabia ouvir as opiniões dos demais e exprimia-se sempre de forma calma, mas com muita firmeza.
Teve papel central no enfrentamento da maior crise da causa comunista no século 20, marcada pelo fim da União Soviética e a triunfante propaganda ideológica capitalista que pregava o fim do socialismo e o enterro do pensamento marxista.
João Amazonas compreendeu que só havia um rumo para enfrentar as ameaças daquela conjuntura: a defesa e reafirmação do pensamento marxista, de um lado, e a análise profunda das condições que levaram à desagregação. Indicou o papel nocivo do engessamento da teoria, ocorrido na URSS desde a década de 1930, como o cerne da crise do marxismo. E enfatizou que só havia um caminho para enfrentá-la: o rompimento radical com o dogmatismo, o domínio cada vez maior da dialética materialista, o abandono do modelo único de revolução e socialismo, o estudo da realidade nacional e das condições de transição para o socialismo (que decorre entre outras coisas das diferentes realidades nacionais e do amadurecimento das contradições anticapitalistas). Com isso, já no último período de sua vida, Amazonas armou o partido das condições teóricas que para fortalecer sua organização e coesão e avançar num momento em que tudo parecia desmoronar, em que outras organizações baixavam a bandeira da revolução e do socialismo. João Amazonas indicou o caminho oposto que manteve alta e ereta a bandeira vermelha do Partido, da foice e do martelo, da luta pelo socialismo.
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João Amazonas tinha a simplicidade dos homens do povo. Falava a linguagem da gente comum, com a profundidade dos grandes pensadores, em busca do objetivo de sua vida, a construção e fortalecimento do Partido Comunista do Brasil. Esta foi sua maior contribuição à luta revolucionária: o legado de um partido avançado e moderno, que mantém o marxismo-leninismo como orientação para o programa comprometido com a conquista do socialismo e com os desafios contemporâneos.
AUTOR
José Carlos Ruy
Jornalista, escritor, estudioso de história e do pensamento marxista e colunista do Portal Vermelho
Artigo reproduzido do Portal Vermelho