Um julgamento em que uma vítima de estupro é humilhada e desrespeitada e a sentença inaugura um termo para designar um “crime” não previsto em lei causou revolta nesta terça-feira (3), e explodiu nas redes sociais, no parlamento e até entre juristas, como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.
O caso remete ao julgamento do empresário André de Camargo Aranha, de 43 anos, acusado de estuprar Mariana Ferrer, de 23 anos, durante uma festa em Florianópolis, em 2018. O julgamento aconteceu em setembro, mas o vídeo com trechos do julgamento foi divulgado hoje pelo site The Intercept Brasil. Veja abaixo:
Os trechos do vídeo em que o advogado do estuprador, Cláudio Gastão da Rosa Filho, humilha e constrange a jovem seguidamente, sem que nenhuma intervenção do juiz do caso, Rudson Marcos, aconteça, causa indignação.
Mas todo o julgamento é “estarrecedor”, como afirmou o ministro Gilmar Mendes em seu Twitter.
Além da total inversão, onde a vítima é tratada como ré – pois, ali, quem devia estar sendo constrangido era o acusado de estuprar uma jovem e, segundo os relatos, virgem -, o resultado do julgamento (“estupro culposo”) revela uma espécie de conluio entre covardes retrógrados e doentios, desse tempo de atraso e falta de empatia em que bolsonaristas querem transformar o nosso país.
Não à toa, Cláudio Gastão, um dos advogados mais caros de Santa Catarina, é o mesmo que já defendeu figuras como Olavo de Carvalho e a também bolsonarista fanática Sara Winter, quando ela participou de ataques ao STF e foi presa pela Polícia Federal.
Enquanto o advogado vociferava que a jovem posou em “posições ginecológicas”, enquanto exibia fotos de Mariana vestida, dizer que “graças a Deus” não tem uma filha do “nível” dela; “e também peço a deus que meu filho não encontre uma mulher como você”, entre outros impropérios, a única manifestação do juiz diante da vítima em prantos foi suspender a sessão para ela se “recompor”.
Nesse momento Mariana clama por respeito: “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados de assassinato são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”.
Ao final do julgamento, diante do absurdo argumento do advogado, também aceito pelo Ministério Público, de que não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo, portanto, “intenção” de estuprar, o juiz proferiu a natureza do ato como “estupro culposo”, um “crime” não previsto por lei. Sendo assim, se o crime não é previsto em lei, não há condenação e o empresário foi absolvido.
Como afirmou a deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ) em seu pronunciamento hoje na Câmara, “um caso de estupro de vulnerável virou um caso inédito no Código Penal, um crime que não existe, que é o ‘estupro culposo’”.
“Estupro sem a intenção de estuprar… Não sei quem conhece esse crime, mas ele foi inocentado. Dupla indignação, nojo ao brutal retrocesso secular depois de tanta luta, de tanta conquista da sociedade brasileira”, afirmou a deputada. Quero prestar minha mais absoluta solidariedade à jovem Mariana Ferrer”, afirmou.