A Justiça Federal condenou a mineradora Samarco e suas acionistas Vale e BHP a pagar R$ 47,6 bilhões para reparar os danos morais coletivos causados pelo rompimento da barragem ocorrido em novembro de 2015, em Mariana (MG). Conforme a decisão, publicada nesta quinta-feira (25), o montante deverá utilizado exclusivamente nas áreas impactadas.
O rompimento da barragem da mineradora Samarco, localizada na zona rural de Mariana (MG), liberou no ambiente uma avalanche de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Dezenove pessoas morreram. A lama devastou comunidades ao longo da bacia do Rio Doce, chegando até a foz no Espírito Santo.
Para reparar os danos causados na tragédia, um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) foi firmado em 2016 entre o governo federal, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Samarco e as acionistas Vale e BHP Billiton. Com base nele, foi criada a Fundação Renova, entidade responsável pela gestão de mais de 40 programas. Todas as medidas previstas devem ser custeadas pelas três mineradoras.
Passados mais de oito anos, existem negociações em andamento para repactuar o processo reparatório. O objetivo é selar um novo acordo que solucione mais de 80 mil processos judiciais acumulados. Há questionamentos sobre a falta de autonomia da Fundação Renova perante as mineradoras, os atrasos na reconstrução das comunidades destruídas, os valores indenizatórios, o não reconhecimentos de parcela dos atingidos, entre outros tópicos.
Por discordar dos termos do TTAC, o MPF moveu, também em 2016, uma ação civil pública. Nela, todos os prejuízos foram estimados em R$ 155 bilhões. Embora participe das negociações que visam a repactuação do processo reparatório, a dificuldade em alcançar um consenso de valores junto à mineradora levou o MPF a pedir ao juiz a antecipação parcial da análise do mérito da sua ação.
A expectativa era obter uma condenação das mineradoras referente às indenizações por dano moral coletivo, por dano social e por danos individuais homogêneos. O pleito foi apresentando também em conjunto com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública de Minas Gerais e a Defensoria Pública do Espírito Santo.
Foi em resposta a esse pedido que o juiz federal Vinícius Cobucci condenou as mineradoras. Ele avaliou que houve, na tragédia, “ofensa sistêmica a direitos fundamentais da coletividade, o que inclui, evidentemente, a fruição do bem ambiental”. Dessa forma, considerou que o processo está maduro para fixar indenização por danos morais coletivos.
“O estado de coisas anterior ao desastre não retornará. As perspectivas de desenvolvimento das comunidades e seus integrantes que então existiam à época do rompimento não mais subsistem. Além do sofrimento individual de cada vítima o ideal de coletividade, enquanto elemento que une as pessoas das comunidades atingidas e o ambiente em que viviam, foi impactado negativamente”, acrescentou.
O MPF e as demais instituições de Justiça signatárias do pedido divulgaram uma nota coletiva considerando que a decisão garante a reparação de direitos humanos violados. “Já foi suficientemente comprovada nos autos a lesão à coletividade causada pelo desastre”, registra o texto.
Em resposta à Agência Brasil, a Samarco informou que não faria comentários e a BHP Billiton disse que não foi intimada sobre a decisão. Em nota, a Vale também afirmou não ter sido notificada, mas observou que cabe recurso e afirmou que se manifestará no processo. A mineradora também disse estar comprometida em apoiar a reparação integral e que mantém os aportes feitos à Fundação Renova, em cumprimento às disposições do TTAC.
“Até dezembro de 2023, foram destinados R$ 34,7 bilhões às ações de reparação e compensação a cargo da Renova. Desse valor, R$ 14,4 bilhões foram para o pagamento de indenizações individuais e R$ 2,7 bilhões em Auxílios Financeiros Emergenciais, totalizando R$ 17,1 bilhões que beneficiaram pelo menos 438 mil pessoas”, acrescenta o texto divulgado pela Vale.
Na sentença, Cobucci refutou argumentos das mineradoras que alegaram que a questão já estava sendo equacionada no âmbito do TTAC. Segundo o magistrado, os programas do acordo respondem em parte a reparação material. Ele observou que as mineradoras fizeram constar no TTAC que elas não admitem qualquer responsabilidade pela tragédia.
Como o dano moral coletivo pressupõe o reconhecimento expresso do nexo causal, ele só deve ser indenizado em caso de admissão de responsabilidade ou de condenação judicial. Dessa forma, esse dano sequer existiria para o TTAC.
Para calcular o valor da condenação, Cobucci usou precedentes judiciais do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que equipararam a indenização pelo dano moral coletivo à indenização pelo dano material. Assim, ele considerou dados divulgados pelas próprias mineradoras nos autos do processo: teriam sido destinados R$ 31,7 bilhões para programas de reparação e compensação e cerca de R$ 16 bilhões para indenizações individuais, somando o montante de R$ 47,6 bilhões.
O montante deverá ser destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), instituído por lei e regulamentado pelo Decreto 1306/1994. Ele é administrado por um conselho gestor que conta com a presença de representantes do executivo e da sociedade civil. O MPF também tem um assento. Os recursos não poderão ser destinados para projetos fora dos municípios atingidos.
O juiz pontuou que a condenação também tem o propósito atuar como garantia de não repetição e lembrou a tragédia ocorrida em Brumadinho (MG). No episódio, que completa exatos cinco anos nesta quinta-feira (25), o rompimento de uma barragem da Vale custou a vida de 270 pessoas e impactos nas comunidades da bacia do Rio Paraopeba. “A ausência de resposta jurídica adequada, no momento oportuno, possivelmente contribuiu para o rompimento da barragem em Brumadinho em 2019”, escreveu.
Os demais pedidos apresentados pelo MPF e pelas demais instituições de Justiça não foram acolhidos. Cobucci considerou que o dano social não é uma categoria autônoma e está inserido dentro do dano moral coletivo.
Sobre o pedido de indenização dos danos individuais homogêneos, o juiz considerou que se o pleito fosse atendido conduziria a uma condenação extremamente genérica. Segundo ele, o MPF não indicou categorias de grupos atingidos e também deveria apresentar provas que atestam a relação entre a tragédia e o dano de cada uma dessas categorias.
Além disso, caberia também indicar parâmetros e procedimentos para posterior identificação das vítimas e fixação de um método para o cálculo indenizatório. O magistrado sinalizou, no entanto, que a questão pode ser reanalisada em um novo pedido que atenda aos requisitos mínimos.
Ao analisar a questão, Cobucci também apresentou críticas à conduta das mineradoras e da Fundação Renova no processo reparatório. Ele observou que as despesas administrativas da entidade, da ordem de R$ 31,2 bilhões, equiparam-se aos R$ 31,7 bilhões gastos em programas de reparação e compensação. “Este dinheiro não se converteu em ações em favor dos atingidos e há gastos muito questionáveis como os milhões de reais gastos em publicidade que, na verdade, aparentava contornos de uma campanha de marketing”, escreveu.
O juiz também observou que a Fundação Renova promoveu acordos sem levar em conta preceitos de direito público. Ele cita o exemplo do sistema indenizatório simplificado, chamado de Novel, pelo qual foram pagas parte das indenizações. Esse sistema foi posteriormente considerado nulo em decisão judicial.
“Houve a privatização do direito da coletividade ao permitir que uma comissão apócrifa de atingidos pudesse atuar em nome de todos, sem a participação necessária do MP. Acordos foram levados à homologação, sem a prévia manifestação dos atores envolvidos no TTAC e sem a observância de seus ritos, técnica bastante utilizada pela Renova”, apontou.