As licitações e pregões eletrônicos feitos pelo governo Bolsonaro para a construção de poços no Nordeste e em Minas Gerais têm sobrepreços que resultam em R$ 131 milhões gastos a mais.
A Controladoria-Geral da União (CGU) apontou irregularidades. Diversos poços anunciados por Bolsonaro estão lacrados ou não têm condições de servir as famílias.
A Fundação Nacional de Saúde (Funasa), ligada ao Ministério da Saúde e entregue ao PSD, abriu, em março, um pregão para a contratação do serviço de teste de qualidade da água e instalação de 5,8 mil poços ociosos em todos os Estados do Nordeste e no Norte de Minas. Foram reservados R$ 498 milhões.
O valor ofertado pelas empresas foi de R$ 454,6 milhões, tendo sido empenhados R$ 69 milhões em julho.
Alguns itens que foram contratados, no entanto, estão superfaturados. É o caso de um componente do sistema de ligação dos poços, cujo valor médio no mercado é de R$ 850. A Funasa aceitou pagar R$ 1,2 mil, o que resulta em uma diferença de R$ 13 milhões com o montante comprado.
Outro caso é o de tubos de PVC. A Funasa colocou no pregão que pretende comprar tubos de 100 mm, mas outras licitações parecidas usaram tubos de 75 mm. No preço final, a diferença é de R$ 24 milhões.
O governo federal não deu nenhum detalhe sobre as obras que pretende realizar com esses materiais, o que não permite dizer se a compra é adequada ou não. Não diz sequer onde que os poços serão furados, informando apenas que são 5,8 mil.
A Controladoria-Geral da União (CGU) realizou uma análise técnica e apontou os sobrepreços e “detectou inconsistências nos quantitativos dos serviços, inexistência de justificativas técnicas para itens exigidos, deficiência nas pesquisas de preços de mercado e ‘superficialidade’ em especificações”, segundo o Estadão.
A Funasa também não mostrou os detalhes dos terrenos em que os poços devem ser furados, o que é importante para traçar o projeto. Diferentes terrenos exigem diferentes tamanhos de tubos e potência das bombas, o que muda o custo total para a obra. A não especificação ainda pode fazer com que empresas desistam da licitação.
A licitação foi feita no modelo de registro de preços, na qual as empresas dizem que venderá o produto ou serviço pelo preço informado.
Uma mesma licitação aberta pela Funasa contempla obras em Alagoas, Bahia, Ceará, Sergipe, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Minas Gerais.
CEMITÉRIO DE POÇOS
Assim como fez com escolas, lançando obras e as abandonando pela metade, Jair Bolsonaro está criando um “cemitério de poços abandonados”.
No interior do Piauí, na cidade de Oeiras, os moradores do assentamento rural Faveira do Horácio ouviram do governo que receberiam um poço, mas a obra está lacrada até hoje.
Um poço de 212 metros de profundidade começou a ser cavado pelo Dnocs, em junho de 2020, próximo à comunidade. Porém, ainda em 2020, o poço foi lacrado.
As 24 famílias do local planejavam fazer uma plantação de 24 hectares de caju por conta do poço, mas o plano foi adiado. “O poço tem uma vazão bastante forte, potente, daria conta”, disse Francimário Borges de Moura, de 47 anos.
Na mesma região, no povoado de Mata Fria, o governo Bolsonaro abriu um outro poço, também pela metade. “Eles abriram, mas não encanaram a água para nós. A gente fica triste, porque tem água doce perto, mas não pode usar”, contou Valmira Fernandes de Araújo, de 37 anos.
A água que chega à casa das pessoas é considerada, pelos próprios moradores, inadequada. Para conseguir água potável, Valmira e sua família precisam andar cerca de um quilômetro até a nascente.
Em Alagoinha, em Pernambuco, o governo cavou um poço, mas instalou uma bomba que não tem potência para abastecer as casas que ficam em lugares mais altos. Além disso, a água “tem gosto de sal”.
“Em vez de espumar (com sabão), ela vira um material diferente. A gente põe a água no corpo quando está tomando banho e pode passar o sabão dez vezes: todas as dez vezes sai sujo”, segundo Antônio Francisco da Silva Costa, o Antônio Marçal, de 54 anos, morador da cidade.