O murchamento das manifestações bolsonaristas, no último domingo, parece um plano inclinado (para baixo) que, se não é ainda irreversível, pelo menos é muito difícil de reverter.
Também, depois que Bolsonaro declarou, sobre os 39 kg de cocaína apreendidos em sua comitiva no exterior, que “acontece em qualquer lugar do mundo, em qualquer instituição”, era preciso um grau extra de maluquice para ir a essas manifestações.
Se é normal (pois, acontece em qualquer lugar do mundo, em qualquer instituição) encontrar 39 kg de cocaína no avião ou na escolta presidencial, imagine só o leitor em uma manifestação para apoiar quem acha isso normal!
Não é que tenha cocaína lá – mas quem está dizendo que isso acontece em qualquer lugar é o Bolsonaro.
Nem vamos falar de todo o barril de coisas reacionárias pelas quais a manifestação foi convocada, porque é inútil. É difícil alguém apoiar tudo aquilo, mesmo o mais tapado dos seres, digamos, alguém com a inteligência e a sensibilidade de um gambá.
Mas, segundo uma das organizadoras das manifestações, o objetivo era apoiar qualquer medida que Bolsonaro propôs ou proponha – acabar com a previdência pública, liberar armas para os latifundiários e suas milícias, qualquer coisa. Supõe-se que se ele quiser deportar negros, mulatos e nordestinos (para onde? Sei lá, leitora), esse pessoal vai ser a favor.
Mas, diria alguém mais ou menos normal: isso não passa nem pelo Congresso nem pela Justiça.
Daí, a inclusão, por alguns grupos, entre suas reivindicações, do fechamento do Congresso e do STF, porque “nós percebemos que hoje há uma tendência muito grande de combate a qualquer medida que o presidente Bolsonaro proponha”.
É verdade. Principalmente porque ele só propõe coisas contra o povo, contra a democracia e contra o país – e quer implantá-las na marra, passando por cima da lei, do Legislativo e do Judiciário.
Como disse até mesmo um jornal que não pode ser acusado de tendências comunistas, depois das manifestações de domingo:
“Quando um governo comete agressões sistemáticas à Constituição, que o presidente da República jura respeitar quando toma posse, deve-se deixar claro que se trata de uma atitude inaceitável. A qualidade da democracia sofre considerável degradação quando um presidente, por exemplo, se julga no direito de editar medidas provisórias e decretos que desrespeitam de maneira cristalina diversos dispositivos constitucionais. Ademais, tal atitude inconsequente tende a causar natural reação dos demais Poderes, com vista a restabelecer a normalidade institucional ferida pelo voluntarismo presidencial, e isso consome precioso tempo e esforço de autoridades que deveriam estar totalmente dedicadas a resolver os gravíssimos problemas nacionais.
“(…) Tal quadro agrava-se quando se alega articular supostos pactos entre os Poderes, mas, na verdade, o que de fato se pretende é submeter as instituições às veleidades de um grupo. Não é assim que a democracia representativa funciona.
“(…) Além disso, não se pode fechar os olhos quando a necessária impessoalidade no exercício do poder, demanda de qualquer democracia digna do nome, perde espaço para as relações familiares e de amizade, tornando as decisões emanadas desse núcleo tão imprevisíveis como desastradas. Esses obscuros critérios de governança acabam por permitir que o governo seja tomado por tipos exóticos e aduladores ansiosos para dar sentido a decisões destrambelhadas e desimportantes, tomadas ao sabor de conveniências inalcançáveis para os cidadãos” (O Estado de S. Paulo, 01/07/2019).
A última manifestação bolsonarista, em outro domingo, 26/05, já fora algo crepuscular (v. HP 27/05/2019, Bolsonaro perde de 7 X 1 dos atos em defesa da Educação).
A de agora foi minguante. Em São Paulo, nem o truque de aproveitar o pessoal que faz lazer na avenida Paulista, para aumentar a massa nas fotografias, funcionou. No Rio, foi uma manifestação no Posto 5. Em Belo Horizonte, o ato na praça da Liberdade também foi menor que o último – segundo um dos nossos repórteres, bem menor. Porém, o mais interessante foi o fracasso delas na maioria (e maioria esmagadora) das cidades do interior de Minas Gerais.
Aliás, nas poucas cidades do interior onde houve, a manifestação bolsonarista foi ridícula.
Havia, em todos os atos, um excesso de bandeiras e faixas – e pouca gente para segurá-las, o que ocasionou um sério problema logístico.
Dessa vez, é bom lembrar, grupos que foram contra a outra manifestação bolsonarista (MBL, Vem Pra Rua), convocaram os atos. Teria sido melhor para eles se continuassem fora. Não conseguiram reunir grande coisa e ainda tiveram que sair no pau (desculpe, leitor, pela chula expressão) com facções bolsonaristas mais ortodoxas – isto é, mais fanáticas ou mais imbecis.
O auge da fossa bolsonarista de domingo foi o discurso do sr. Augusto Heleno, em um dos atos. Segundo ele, “as previsões dos esquerdopatas, dos derrotistas, fracassaram. O presidente do Brasil volta de Osaka devidamente homenageado pelos grandes chefes de Estado do mundo”.
O que será que ele estava esperando? Que a Merkel e o Macron colocassem o Bolsonaro de joelhos em cima de um grão de milho? Porque, fora isso, Bolsonaro apanhou mais que boi ladrão – e de gente que não é lá essas coisas (mas, se misturar com Bolsonaro, alto lá! Aí também já é demais). A imagem do encontro no Japão, em que Bolsonaro quase cai da foto, é ilustrativa de seu sucesso no G-20.
Na viagem, Augusto Heleno colaborou bastante com a performance de Bolsonaro. Primeiro, declarou que a detecção, pela polícia espanhola, de 39 kg de cocaína na bagagem de um membro da escolta presidencial foi “falta de sorte” (HP 27/06/2019, Heleno disse que flagrante da droga no avião oficial foi “falta de sorte”).
A sorte, portanto, era se a cocaína não fosse descoberta…
Heleno é o responsável pela segurança, nas viagens presidenciais (um jornalista comentou, sobre sua declaração: “e se, em vez de 39 kg de cocaína, fosse uma bomba?”).
Além de diagnosticar a “falta de sorte” no tráfico de cocaína, Heleno coadjuvou Bolsonaro na oligofrênica exposição do plano de vender bijuterias de nióbio, um dos minerais mais estratégicos do Planeta, do qual o Brasil tem 95% das reservas mundiais (v. Bolsonaro quer vender pulseirinhas de nióbio no Japão).
De volta ao Brasil, foi discursar numa manifestação cujo objetivo é fazer Bolsonaro passar por cima das leis e das instituições.
O sujeito é ministro do Gabinete de Segurança Institucional… Como preza muito a segurança das instituições, resolveu falar em um ato voltado contra o Congresso, contra a Justiça, contra as universidades, contra as escolas, contra a Previdência e contra qualquer instituição que não se submeta completamente, absolutamente, ao grupo de alucinados que estão no governo.
O mesmo governo que tem um chefe cujo prazer maior é infernizar, e depois demitir, generais que, ao contrário dele, fizeram alguma coisa pelo país – Santos Cruz, Franklimberg, Paula Cunha.
Para completar, Augusto Heleno usou, em seu discurso, uma linguagem própria do que William Shirer chamou “rufião hitlerista” (v. o seu Ascensão e Queda do Terceiro Reich).
Sabe o sr. Augusto Heleno que a Constituição garante a liberdade de pensamento?
Deve saber, mas não deve gostar.
Aliás, indagado, no 14º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), sobre os alucinados no governo, o general Santos Cruz preferiu não tecer comentários: “teria de baixar muito o nível do palavreado ao falar destas pessoas”.
Mas fez um comentário sobre a seriedade do governo: “Nestes meus seis meses de governo, o que vi de dinheiro desperdiçado e dinheiro jogado no ralo é impressionante”.
C.L.