O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o julgamento sobre o marco temporal da demarcação das terras indígenas e irá retomar o caso na quinta-feira. O ministro André Mendonça concluiu seu voto, sendo favorável à tese de que os indígenas só têm direito às terras que já estivessem ocupando na data de promulgação da Constituição de 1988. Com seu voto, há um empate na votação.
Edson Fachin e Alexandre de Moraes foram contrários à tese, enquanto Nunes Marques e Mendonça são favoráveis.
“(Com o marco temporal) Configura-se a solução que, a meu ver, melhor equilibra os múltiplos interesses em disputa, na medida em que, pela carga de objetivação que imprime, permite-se que se construa cenário de plena confiabilidade para todos os indivíduos”, afirmou Mendonça.
Em um longo discurso, André Mendonça retomou o histórico de ocupação das terras brasileiras, desde 1500, e fez declarações consideradas polêmicas, como a de que “[…] as terras brasileiras foram passadas dos povos originários à coroa portuguesa pelo Direito de Conquista”.
“Sumarizando o voto do ministro André Mendonça: a mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia […] André Mendonça pinça o que há de pior nos votos já proferidos pelo STF sobre demarcação de terras indígenas e faz um voto pra ruralista radical nenhum botar defeito”, disse Juliana Batista, advogada do Instituto Socioambiental.
O conceito se refere à reivindicação de territórios, recursos e poder por meio de força militar e da vitória em conflitos armados.
A tese foi usada por diversas culturas no passado para justificar a expansão de território através de conquistas militares e traz embutida uma suposta superioridade religiosa, cultural ou étnica.
No Brasil, a Justiça do Maranhão já se valeu dele para despejar o povo indígena da aldeia Gamela, em 2016. Em sua decisão, o juiz determinou que “pelo direito de conquista das referidas terras passaram a pertencer ao homem branco”.
O voto preliminar de Mendonça levou a manifestações contrárias de diferentes juristas e organizações indígenas e ambientalistas. Maurício Terena, Coordenador Jurídico na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), lembra que o direito internacional não reconhece o Marco Temporal.
“A CNDH [Conselho Nacional de Direitos Humanos] e a ONU reiteradamente já se manifestaram preocupadas com as violações de DH [Direitos Humanos] que essa tese pode causar. O Ministro André Mendonça representa um bolsonarismo jurídico fake que trabalha com interpretações deturpadas”, disse, em sua conta no Twitter.
Já a deputada Célia Xakriabá questionou se Mendonça defende uma nova colonização dos terrritórios. “Matar e roubar para conquistar: em seu voto no julgamento do Marco Temporal no STF, o Ministro André Mendonça acaba de inventar o “direito à conquista” dos colonizadores que assassinaram e tomaram as terras dos povos indígenas. São os Pedro Álvares Cabral do século 21 de toga?”, disse a parlamentar.
MARCO TEMPORAL
O julgamento foi iniciado em 2021. Na época, Fachin, que é o relator, afirmou que os direitos territoriais dos indígenas existem antes da promulgação da Constituição e que, portanto, os indígenas teriam o direito pedir o reconhecimento do território, ainda que não estivessem nele em 1988.
Em seguida, Nunes Marques votou no sentido contrário. Para o ministro, sem o marco temporal a expansão das terras indígenas poderia ocorrer “infinitamente”.
Alexandre de Moraes pediu vista, e o julgamento só foi retomado em junho deste ano. No reinício, o ministro também se posicionou contra a tese, mas defendeu que quem comprou de “boa-fé” uma terra originalmente indígena deve receber uma indenização. André Mendonça, então, pediu vista.
Há dúvida sobre qual será o posicionamento de Cristiano Zanin, que na sequência de votação vem logo após Mendonça. Na última terça-feira (29), véspera do julgamento, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, se reuniu com Zanin em seu gabinete. Após o encontro, a pasta divulgou uma nota oficial em que afirmou que a ministra demonstrou preocupação com o julgamento na Corte. No comunicado, Guajajara defendeu que o STF é “fundamental para a defesa e garantia dos direitos constitucionais dos povos indígenas”. A ministra não se manifestou sobre os posicionamentos de Zanin.
PROTESTOS
Indígenas de todo o país se mobilizam contra a tese que trata da demarcação de terras. A Corte analisa a tese de que indígenas só têm direito às terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), eram esperados cerca de 6500 pessoas de cerca de 20 povos indígenas, de oito estados, em Brasília.
De acordo com STF, houve espaço para que 60 lideranças acompanhem o julgamento de dentro do plenário. Em frente ao prédio, que fica na Praça dos Três Poderes, uma tenda com telão e sonorização foi montada para a transmissão do julgamento.
O processo no STF é de repercussão geral e trata de uma reintegração de posse movida pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra o povo Xokleng da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ.