O Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) abriu apuração contra o ministro do governo Bolsonaro, Augusto Heleno, para investigar a licença concedida por ele que autoriza o garimpo em áreas intocadas da Amazônia. Entre abril e dezembro deste ano, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) assinou autorizações para sete projetos de exploração de ouro em uma das áreas mais preservadas do Estado.
A região, conhecida como Cabeça do Cachorro, ocupa 12,7 mil hectares e equivale a 13 mil campos de futebol. Localizada no extremo noroeste do Amazonas, na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, inclui São Gabriel da Cachoeira, considerada a cidade “mais indígena” do Brasil. Lá vivem 23 etnias.
Em imagens de satélites das áreas divulgadas por Heleno – reproduzidas em documentos do GSI – revelam que, pelos menos duas delas localizam-se entre terras indígenas, inclusive uma está bem próxima do Parque Nacional do Pico da Neblina.
Enquanto aguardavam manifestações por parte de parlamentares do Amazonas, deputados federais de outros estados criticaram a ação do GSI e anunciaram providências.
O líder da Minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ) acionou o MPF para que Augusto Heleno, seja investigado por liberar o garimpo em áreas preservadas da Amazônia.
“Augusto Heleno autorizou o garimpo em áreas intocadas da Amazônia, estimulando a devastação da floresta e colocando em risco os povos indígenas. É um crime contra o Brasil”, denunciou Freixo.
Para o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), a decisão é grave e demonstra a falta de compromisso do governo com a preservação do meio ambiente.
“Grave! No momento em que o mundo debate com afinco sobre as questões ambientais, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência segue a linha do ecocídio”, criticou.
VERGONHA! Augusto Heleno autoriza avanço de garimpo em áreas preservadas na Amazônia. Áreas praticamente intocadas. É o governo da destruição nacional”, reagiu o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) vai apresentar requerimento de informação para investigar o avanço do garimpo em áreas preservadas da Amazônia.
Integrante da bancada do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Teixeira (SP), criticou as consequências para o meio ambiente dessa decisão do governo e anunciou que vai propor medida judicial. “Augusto Heleno libera garimpo em áreas preservadas da Amazônia”, criticou.
O líder da legenda, Bohn Gass, destacou que o governo que libera o garimpo em áreas preservadas da Amazônia é o mesmo que mentiu ao mundo na Conferência Mundial do Clima (COP-26), quando deu dados falsos sobre o desmatamento. “Ou seja, a devastação é a política oficial deste governo para a Amazônia”, disse.
A entrega de áreas preservadas para a exploração de ouro também gerou revolta em outros setores da sociedade. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) – que representa os 23 povos indígenas da região – divulgou nota pública na qual manifesta “indignação” total em relação aos atos – que considera “autoritários” – e à postura do Augusto.
A entidade afirmou ainda que está avaliando os processos citados na reportagem da Folha para adoção das medidas legais cabíveis e “não permitir que a região mais preservada da Amazônia seja ameaçada pela política predatória do atual governo“.
Reportagem da “Folha de S. Paulo” apurou ainda que os beneficiados com a autorização do GSI têm projetos embargados pelo Ibama devido a irregularidades. Entre os pedidos autorizados por Augusto Heleno, estão os de um membro de uma cooperativa de garimpeiros que mantém dragas de sucção em leitos de rios da Amazônia e de um advogado que chefia o gabinete de um senador de Mato Grosso.
Uma das empresas autuadas pelo Ibama é S.F.Paim, de São Gabriel da Cachoeira, em agosto deste ano, segundo encaminhamento de processo da Agência Nacional e Mineração (ANM), numa área em Tapauá (AM). O sistema público de consulta de áreas embargadas do Ibama indica que, em 31 de julho, essa empresa teve uma área interditada por fiscais e que o embargo foi incluído na lista em 2 de setembro.
A reportagem da FSP apontou também que Heleno, na realidade, está atuando em favor da mineração na Amazônia desde o início do governo Bolsonaro.
Até agora, ele concedeu 81 autorizações, que variam entre permissões de pesquisa e de lavra de minérios. Segundo a AMN, uma autorização de pesquisa permite “atividades de análise e estudo da área em que se pretende lavrar”. Sem isso é impossível definir a jazida de um minério.
A maior parte das autorizações assinadas pelo ministro do GSI foi em 2021: “45, conforme atos publicados até o último dia 2, sendo a maior quantidade desde 2013”. Isso não ocorria há 10 anos.
Para chegar a essas informações, a reportagem analisou extratos de 2.004 atos de assentimento prévio, assinados desde 2011, e utilizou a base de dados mantida pelo próprio GSI, cujos extratos são publicados pelo Diário Oficial da União.
A questão envolvendo a ação do garimpo em terras indígenas na Amazônia é um problema que vem de longa data, passando por sucessivos governos. No entanto, no atual, chegou a patamares escandalosos.
A gestão Bolsonaro não só faz vistas grossas para a ação ilegal do garimpo, como até estimula. No início do mês, centenas de balsas se instalaram às margens do rio Madeira, em Autazes, distante 111 quilômetros de Manaus em busca de ouro. O Ibama confirmou a ilegalidade da ação, informando que os garimpeiros não tinham licença para operar no local.
As embarcações, compostas de dragas (equipamento utilizado para extração do minério) permaneceram por duas semanas na região. A retirada só aconteceu após pressão de diversos setores, em uma operação conjunta da Polícia Federal com outros órgãos.
Enquanto o garimpo ilegal atua na Amazônia, traficantes recebem autorização do governo para explorar o ouro na região. Alvos recentes de operações da PF, apontados como chefes de organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas receberam permissão para explorar ouro como “garimpeiros artesenais” em áreas correspondentes a 800 campos de futebol.
Entre eles, Sílvio Berri Júnior, piloto do traficante Fernadinho Beira-Mar, nos anos 2000. A licença se deu por meio da AMN, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
Além da presença do crime organizado na região, o incentivo do governo Bolsonaro nos últimos anos à exploração do ouro provocou uma enxurrada de mercúrio nas águas amazônicas. Um volume estimado em 100 toneladas do metal neurotóxico foi utilizado em 2019 e 2020 para extrair ouro ilegalmente da região, de acordo com estimativas oficiais. Esse ouro foi mandado para o fora pelo Brasil para países como Canadá, Reino Unido e Suíça, conforme reportagem do El País em julho deste ano.
“Em levantamento produzido em conjunto com a Universidade Federal de Minas Gerais, o Ministério Público Federal (MPF) detectou uma quantidade de 49 toneladas de ouro lavado (extraído ilegalmente, mas documentado para parecer legalizado) com agentes comerciais que atuam na Amazônia obtido em colaboração com facções criminosas que invadem áreas protegidas em busca do metal precioso. A falsificação é feita com base em declarações fraudulentas de origem”, denunciou o jornal. Na ocasião, o MPF responsabilizou o governo brasileiro pela falta de fiscalização e ações para impedir a atuação dos criminosos, recomendando um série de medidas aos órgãos legais de controle. Entre essas, a adoção pela Agência Nacional e Mineração de um sistema de certificação e rastreabilidade do ouro brasileiro.