Governador de São Paulo chamou mortes cometidas por PMs de “efeito colateral” de uma suposta “retomada de território”
Subiu para 14 o número oficialmente confirmado de pessoas mortas na Baixada Santista durante a chacina policial que se sucedeu após o assassinato de um soldado da Rota na última quinta-feira (27) no Guarujá (SP). Moradores denunciaram casos de tortura e ameaças por parte dos policiais.
O Governo de SP voltou atrás na afirmação que foram 8 mortos, mas voltou a afirmar que suspeitos morreram após “entrarem em confronto com as forças de segurança”. A atualização foi divulgada no começo da tarde de hoje. Mais cedo, a SSP havia informado que o total eram de 12 mortes.
Em coletiva nesta terça-feira (1), o governador chamou as mortes cometidas por PMs de “efeito colateral” de uma área “dominada pelo crime organizado”. As declarações de Tarcísio contradizem a fala oficial da Polícia de São Paulo de que não há território ocupado pelo crime organizado no Estado.
Segundo Tarcísio “nós temos uma situação de conflagração, nós temos uma situação de crime organizado que está tentando manter seu território, que está agonizando porque está recebendo uma grande asfixia, está retaliando e não existe esse combate ao crime sem efeito colateral. Me desculpa, não tem”.
NÃO PARAM DE CHEGAR DENÚNCIAS
A Ouvidoria da Polícia Militar de São Paulo apura denúncias de que o total de mortes chegou a 19 mortes apenas no Guarujá, ainda sem confirmação. Apesar da quantidade de mortes, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, disseram que não houve “excesso” da força policial na operação da PM.
Segundo a Ouvidoria “não param de chegar denúncias de mortes” durante a operação. “Nós percebemos que os boletins de ocorrência estão muito mal redigidos, gerando realmente espaço para dúvidas em relação aos números de vítimas. Mas vamos nos debruçar sobre os registros. Não param de chegar denúncias de mortes, mas estamos tomando todo cuidado possível para divulgar qualquer informação”, afirmou o ouvidor Claudio Aparecido da Silva à TV Globo.
Moradores do Guarujá, litoral de São Paulo, relataram nas redes sociais que a cidade vive “clima de terror”. “Tocaram o terror aqui no Guarujá e mataram um monte de inocentes. Mataram eles e depois perguntaram”, relatou um morador.
“Minha mãe mora no Guarujá e disse que lá está um terror com helicópteros, carros de polícia. Os caras lá na quebrada, onde moram conhecidos dela, estão andando armados deixando os moradores assustados”, escreveu uma internauta no Twitter.
“Um policial da Rota foi morto no Guarujá. Antes de investigar para encontrar o criminoso e levá-lo à Justiça, um PM invade a favela Canta Galo para se vingar. Ameaça matar ao menos 60 moradores e consumir o terror ao assassinar 10 pessoas”, disse um morador.
Por volta das 17h de ontem, um comboio da Polícia Militar subiu pela rua Argentina, via de acesso para a Vila Baiana. A simples presença das viaturas foi como um gatilho para um morador com mochila nas costas, que havia acabado de voltar do trabalho. Ele sentou no banco em frente a uma parada de ônibus por alguns minutos, ao lado da esposa. E disse estar com medo de voltar para a própria casa.
Marcas de sangue ainda estavam na parede de uma das vielas da favela. Ali, havia ao menos dez perfurações de tiros nas paredes e uma cápsula de bala no chão. Eram os vestígios da morte do vendedor ambulante Felipe Vieira Nunes, 30. Ele foi torturado e assassinado por policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) na noite de sexta-feira (28), após sair de casa para comprar cigarro, segundo o relato de parentes e vizinhos.
Uma catadora de recicláveis de 51 anos contou que policiais militares invadiram a sua casa horas antes da morte de Felipe e ameaçaram matar os seus dois filhos. Ela disse ter procurado a Polícia Civil para registrar ocorrência, mas informou ter sido desaconselhada pelos investigadores, que teriam se comprometido a “advertir” os PMs.
“Eles iriam matar os meus filhos na minha frente. Nós estamos abrindo as portas para eles. Mas eles estão vindo para nos matar”, disse.
A moradora é mãe de um ajudante de pedreiro de 34 anos. Ele disse ter permitido a entrada dos PMs na sua casa, mas passou a ser hostilizado após ter dito que já tinha sido condenado por uma tentativa de roubo em 2011.
“Ele [policial] se alterou e disse que daria um tiro na minha cara na frente da minha filha. A situação só não piorou porque a minha mãe estava ali. Eles estão subindo o morro com ódio”, disse o ajudante de pedreiro.
REAÇÃO NÃO PARECE PROPORCIONAL, DIZ DINO
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que “houve uma reação imediata que não parece, neste momento, ser proporcional em relação ao crime que foi cometido”. A operação envolveu 600 agentes da PM e da Polícia Civil de São Paulo.
“Neste momento o fundamental é garantir que haja essa investigação independente no estado. As imagens das câmeras são fundamentais para o esclarecimento do fato. Essa providência com certeza as autoridades de São Paulo vão tomar, e nós, do governo federal, estamos acompanhamento. Não podemos neste momento fazer nenhum tipo de intervenção no estado de São Paulo ou qualquer tipo de presunção. Temos que respeitar as autoridades estaduais, tanto do Poder Executivo, mas sobretudo agora do Poder Judiciário e do Ministério Público, aguardar o que eles vão apurar. E aí sim, a luz do resultado da apuração tomar um posicionamento do governo federal”, afirmou.
“Não gosto de especular sobre caminhos. O governo federal tem atitude de prudência, de respeito as autoridades do estado, qualquer que seja ele. Depois que esse estado emitir as suas conclusões, com base nas imagens das câmeras dos policiais, com base na corregedoria, na ouvidoria do MP, depois o Ministério da Justiça, o MPF, o Ministério dos Direitos Humanos pode, eventualmente, intervir. Mas não agora. Agora seria uma atitude imprudente, seria uma atitude desrespeitosa ao princípio federativo. Neste momento, o governo federal não pode atropelar, passar por cima das autoridades do governo de São Paulo”, completou Dino.