“Ao entardecer da jornada transbordada, Maradona encontrou seu lugar de descanso definitivo no cemitério Jardim da Bella Vista, onde estão também seus pais Don Diego e Dona Tota”, relata Fernando Cibeira em artigo publicado pelo jornal Página 12, no dia 27, intitulado “O último ato de amor a Diego Maradona”, do qual publicamos os principais trechos.
FERNANDO CIBEIRA*
‘Obrigado Diego”, “Te amamos”, “Não vamos te esquecer, Diego”, as frases retumbavam entre as altas paredes do hall da Casa Rosada e se repetiam como uma litania. Havia momentos que entrava um grupo de torcedores e durante alguns segundos entoavam o “Olê, Olê, Diego, Diego”.
Atiravam camisetas, bandeiras e flores ao pé do féretro do maior ídolo desportivo da história, já definitivamente lenda. Mais o mais significativo acontecia quando não havia gritos, nem súplicas, nos momentos de silêncio, denso, diante do inevitável.
O traslado do corpo desde o bairro La Paternal até a Casa Rosada se deu à meia-noite da quarta-feira e, durante as primeiras horas da quinta-feira realizaram a cerimônia íntima para familiares, amigos e ex-companheiros. Colocaram o caixão aberto no Salão dos Patriotas Latino-Americanos – o mesmo lugar onde foi velado Néstor Kirchner dez anos atrás – e sobre o corpo colocaram uma bandeira argentina e uma camiseta do Boca Juniors, as cores que mais o representavam.
Por ali passaram várias das glórias dos plantéis de 1986 e 1990 como Oscar Ruggeri, Jorge Burruchaga, Sergio Goycochea, Ricardo Giusti, Checho Batista e Luis Islas. Também jogadores como Martín Palermo, Maxi Rodríguez, Carlos Tévez e Javier Mascherano.
FERVOR E EMOÇÃO
Ingressavam pela porta principal da rua Balcarce, 50, passavam diante do féretro e saíam pela Balcarce, 24. Se demoravam um pouco serem, a seguir, apressados pelos agentes de segurança. Era notória a mudança de ânimo. Na fila para ingressar que se estendia ao longo da avenida de Mayo e entrava em direção à Casa Rosada pela Hipólito Yrigoyen havia fervor. Cantavam: “O que não pula é um inglês” ou o imperecível “Maradoooo”, mas os segundos diante do féretro os desarmavam e saiam cabisbaixos ou, muitas vezes, chorando.
O ataúde, já fechado, foi colocado no hall central para permitir a passagem rápida. A bandeira argentina e a camiseta do Boca e outra da seleção por cima. E uma réplica da taça da Copa do Mundo de 1986, a da gesta inesquecível, em uma mesa a um lado.
Passavam com camisetas das equipes nas quais jogou e dirigiu Diego, mas também de suas rivais, como River ou Rosário Central. “Decidimos viajar desde Rosário, ontem às 6 da tarde. É como se tivesse morrido meu velho”, comentava o torcedor da Central junto a seus filhos e um amigo, este torcedor do Newells.
As pessoas deixavam oferendas: foi se formando uma montanha de camisetas, bandeiras, flores e até bolas de futebol, para que Diego siga jogando como ninguém onde quer que esteja.
ALBERTO E CRISTINA
Claudia (ex-mulher), Dalma e Gianinna (filhas do jogador) ficaram todo o tempo recebendo condolências. Miguel Cuberos, o funcionário que trabalhou na organização, saudou a chegada do chefe do gabinete presidencial, Santiago Cafiero, um dos que chegou mais cedo, ao lado ministro da Saúde, Ginés González García, e o do Turismo e Esportes, Matías Lammens, que ficou em um dos lados do caixa, muito emocionado.
Às 11 da manhã, aterrissou o helicóptero que trazia o presidente Alberto Fernández, sua esposa, Fabiola Yáñez, o secretário-geral da Presidência, Julio Vitobello, e o porta-voz, Juan Pablo Biondi. O presidente abraçou com força Claudia e as filhas e logo juntou – ao lado presidente do clube Argentinos Juniors, Cristian Malaspina – a camiseta do clube de seus amores ao ataúde. Nas entrevistas que concedeu durante estes dias, o presidente do clube apelidado de “Bicho”, deu detalhes do duradouro vínculo que o unia a Maradona que ali iniciou sua trajetória.
“Claudia estava muito mal, chorava muito. Eu a conheço muito. Ela e suas filhas tinham um amor por Diego que era enorme”, comentou Fernandez que logo também se emocionou.
LENÇOS DAS MÃES E AVÓS DA PRAÇA DE MAYO CUJA LUTA TEVE O APOIO DE DIEGO
Depois de colocar a camiseta, também pôs à cabeceira do féretro os lenços brancos das Mães e das Avós da Praça Mayo, das protagonistas de uma luta que o ‘Dez’ sempre acompanhou. Fabiola deixou um buquê de rosas. As pessoas que passavam neste momento aplaudiam ao presidente e seus olhos se enchiam de lágrimas. Ele permaneceu ali por cerca de 20 minutos e depois voltou ao trabalho.
Mais tarde chegou a vice-presidente, Cristina Kirchner, que também foi direto saudar às mulheres. Ela levou a camiseta do Gimnasia y Esgrima, seu clube e o que era dirigido por Maradona quando faleceu e dois rosários. Ficou por um tempo acariciando o caixão.
Cafiero e o ministro do Interior, Wado de Pedro, se aproximaram de Claudia para voltar a perguntar pelo horário de encerramento do velório. Naquele momento, a fila das pessoas para entrar subia a avenida de Mayo até a 9 de Julio e daí até San Juan. Mas Claudia insistiu em sua postura de terminar a cerimônia às 16. A decisão, então foi cortar a fila na 9 de Julio, o que gerou a reação de todos que repentinamente ficavam sem a possibilidade de se despedir de seu ídolo. Ao primeiro rechaço, a Polícia da Cidade reprimiu ferozmente com balas de borracha e gás. “Exigimos a Horacio Rodríguez Larreta e a Diego Santilli que freiem já está loucura que está fazendo a Polícia da Cidade”, protestou nas redes de Pedro [ministro do Interior, referindo-se ao fato de que tanto a Polícia da Cidade, como a administração da capital, estão a cargo de um governo macrista e não do governo federal].
Essa ação gerou correria, que parou em minutos, com o retorno da tranquilidade de antes. O efeito destes acontecimentos foi que muita gente começou a saltar os obstáculos e ingressar à Casa Rosada, transbordando todos os controles. Diante da situação, o pessoal de segurança optou por retirar o féretro e levá-lo a outra localidade, o que marcou o fim do velório.
O ÚLTIMO ATO DE AMOR
Mas restaria um último ato da devoção do povo ao Dez. Resolveram que haveria um cortejo, saindo da Casa Rosada até a estrada e dali até a Bella Vista [localidade do cemitério]. À medida que as pessoas foram tomando conhecimento do trajeto, começaram a lotar cada vez mais a estrada levando bandeiras e entoando cânticos e, em minutos, se armou uma caravana multitudinária.
Sem organização, bagunçadas e, às vezes, excessivos, mas com fervor e um amor incondicional, as pessoas buscaram uma maneira de acompanhar a seu ídolo até a porta de sua última morada. A cerimônia final seria para a família, mas as pessoas ficaram ali, assim como outros tantos na praça de Mayo e alguns mais se esparramaram pelo centro portenho, cantando uma vez mais à lembrança de quem os fez felizes e que sempre esteve a seu lado, sem lhes pedir nada em troca. “Diego, Diego da minha vida, você é a alegria de meu coração”, entoavam convictos.
*Jornalista político argentino, com artigos publicados nos jornais Página 12, Clarín e na revista Somos
HOMENAGEM DO HP
Como nossa singela homenagem, publicamos o vídeo em que Maradona canta um tango, ao lado de Luciano Pereyra. O tango fala de sua própria história e dos sonhos que gerou em tantas crianças argentinas e se chama “El Sueño del Pibe” (O Sonho do Garoto)