Os três tiveram que fazer meia volta no obscurantismo e no desprezo pela sorte do povo e obedecer às ordens da ciência médica: interromper a progressão da pandemia
O estudo do Imperial College de Londres, divulgado recentemente e que deitou por terra as teses tipo “laissez faire” neoliberal na saúde pública, aplicadas em alguns países na epidemia de novo coronavírus, conhecidas como estratégias de “inação” e “mitigação”, ou seja, “deixe a coisa rolar que tudo se resolve”, colocou três governantes em situação extremamente desconfortável.
NÃO FAZER NADA OU QUASE NADA
Boris Johnson, do Reino Unido, havia adotado oficialmente a estratégia da mitigação [não impedir a ampla infecção da população]. Outros dois, Donald Trump e Jair Bolsonaro, ensaiavam adotá-las em seus países, mas foram impedidos pela opinião pública e por seus próprios sistemas de saúde. Mesmo a contragosto, tiveram que mudar suas mentalidades tacanhas e se adaptar à realidade. Bolsonaro já estava ouvindo as panelas baterem cada dia mais fortes nas janelas brasileiras.
Estas formas de conduzir o problema numa pandemia grave como esta [inação ou mitigação], totalmente desconectadas das consequências nefastas para milhões de pessoas, principalmente para os mais vulneráveis, é semelhante à forma como os neoliberais, como Guedes, conduzem as coisas na economia. Cada um por si, muito dinheiro para os mais ricos e que sobreviva o melhor. É a lei da selva, na economia e, agora, também na saúde do povo.
Mas, quando o Imperial College tornou público – com seus cálculos matemáticos – as consequências dramáticas para a população inglesa e americana se essa estratégia persistisse, foi um deus-nos-acuda na Inglaterra, nos EUA e também no Brasil. As populações desses países adquiriram em poucas semanas uma consciência bem mais ampla do que representa o obscurantismo desses senhores.
DESASTRE NA INGLATERRA E EUA
Com a “inação” [não fazer absolutamente nada], seriam 500 mil mortes no Reino Unido e 2,2 milhões nos EUA. Com a mitigação, 250 mil morreriam no Reino Unido e 1,1 milhão nos EUA. Esses governos pró-banqueiros não estão nem aí para os idosos, consideram-nos um peso morto. Mas, esses números tão altos assim, geraram pânico, porque eles podem provocar revoltas difíceis de se conter. Por isso eles tiveram que dar meia volta.
O estudo do centro de pesquisas britânico partiu de um cenário similar ao que a Humanidade enfrentou com um vírus sem uma vacina disponível: a pandemia da gripe H1N1 de 1918, a chamada “gripe espanhola”, quando cerca de 50 milhões de pessoas [há quem fale em 100 milhões] morreram ao redor do mundo. Vários testes vêm sendo realizados em diversas partes do mundo, mas não há ainda uma vacina eficaz contra o Covid-19.
A única estratégia possível para enfrentar a atual pandemia do Covid-19 é a estratégia conhecida como “supressão”. Não há também nenhuma medicação comprovadamente eficaz contra o novo coronavírus. O método, que propõe o isolamento social, é recomendado pela Organização Mundial da Saúde e foi baseado nas experiências de epidemias anteriores e, principalmente, na experiência dos países asiáticos, os primeiros a sofrerem as consequências da epidemia do novo coronavírus.
Ela se baseia na ruptura das cadeias de transmissão para reduzir os casos ao menor número possível, como fez a China, Singapura e a Coreia do Sul. Esse objetivo pode ser alcançado com medidas de isolamento social e testagem em massa de todos os pacientes suspeitos ou sintomáticos e seus comunicantes. Esses três países adotaram esse método e os resultados foram favoráveis.
ISOLAR E TESTAR
Como disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, as duas coisas têm que ser feitas, isolamento e testagem. “A forma mais eficaz de salvar vidas é quebrar a cadeia de transmissão. E para fazer isso precisa testar e isolar. Não se pode apagar a fogo cego. Não conseguiremos parar a pandemia se não soubermos quem está infectado. Temos uma simples mensagem: testem, testem, testem. Todos os casos suspeitos. Se eles derem positivo, isolem”, declarou. “A testagem deve abranger tanto pessoas que apresentem sintomas quanto aquelas que tiveram contato com casos confirmados”, explicou.
O primeiro a correr atrás do prejuízo foi Boris Johnson, que tinha explicitado a sua preferência pela mitigação. Assim que saiu o resultado do estudo, ele correu esbaforido para a televisão e anunciou as novas medidas. “Avôs não devem ir ao almoço de domingo com a família e britânicos só devem fazer viagens estritamente necessárias”, disse ele. Com isso, ele desautorizava seu auxiliar, Patrick Vallance, que defendia a estratégia da mitigação, que ele chamava de “imunidade de rebanho”.
A ideia de Patrick Vallance era que, se o vírus puder circular entre a população e uma parcela grande dela adquirir imunidade (entre 60% e 70%, segundo epidemiologistas), a transmissão seria bloqueada, porque a chance de encontrar alguém imune seria muito maior que a de cruzar com um doente e ser contagiado. Isso ocorreria, segundo o Imperial College de Londres, ao custo de 250 mil mortes. O pico de infecções levaria ao colapso do já subfinanciado sistema público de saúde inglês e a situação se agravaria mais ainda.
MEIA VOLTA
O outro que teve que fazer meia volta urgente foi Donald Trump. Este foi mais desastroso. A notícia de que de 1 a 2 milhões de americanos morreriam caiu como uma bomba em seu colo exatamente no ano da eleição nos EUA. O estudo obrigou Trump a mudar o discurso. Fez também ele parar de ficar só atacando os chineses. Teve que anunciar algumas medidas concretas. E o fez com muito atraso.
Os EUA já apresentam mais de 11 mil casos e 154 mortes pelo coronavírus e o governo não tinha viabilizado praticamente nenhum esquema público de diagnostico. Mas, antes de iniciar as mudanças, ele foi desmoralizado pela comunidade científica do país por cobrar a criação “urgente” de uma vacina. Ficou claro o tamanho da ignorância. Uma vacina leva no mínimo um ano para ser testada.
Em carta dirigida a ele, o editor da Revista Science, H. Holden Thorp, respondeu, em nome da comunidade científica, ao pedido para “apressar” a criação de uma vacina contra o coronavírus. Holden disse, entre outras coisas, o seguinte. “Você atacou a ciência nos últimos 4 anos, cortou verbas, chamou os cientistas de mentirosos e agora quer velocidade? Ciência não se faz da noite para o dia, precisa de investimento e, sobretudo para uma vacina, precisa-se de tempo e investimento. Você não pode atacar os cientistas quando não gosta da ciência e cobrá-los quando resolve que precisa deles”.
VEXAME DE TRUMP
Outro fato que deixou os americanos alarmados foi o episódio do Dr. Jerome Adams, o US Surgeon General e anestesista. Ele instou os americanos a obterem uma vacinação contra a gripe sazonal, ainda que isso não tivesse efeito sobre o coronavírus. Isso fez Trump dar um vexame e perguntar a especialistas médicos e funcionários de empresas farmacêuticas se a vacina comum contra a gripe não poderia ser usada para prevenir o coronavírus. Os líderes das instituições médicas e da Big Pharma mal conseguiram acreditar no que ouviam, pois Trump fazia uma série de perguntas e pontificava sobre assuntos que estavam dentro dos padrões normais de um aluno do terceiro ano da escola.
INSISTÊNCIA NA INAÇÃO
Vendo os seus gurus de fora mudando de posição, Jair Bolsonaro resolveu usar máscara. É certo que ele teve muita dificuldade para ajustá-la, mas, de qualquer maneira, ele passou a prestar um pouco mais e atenção no que já vinha fazendo o Ministério da Saúde de seu país. Mesmo assim, ele resistiu o quanto pode às recomendações.
Continuou desdenhando da Pandemia que já estava com cerca de mil casos confirmados e 11 mortos. Disse que ela era uma fantasia da mídia para prejudicá-lo. Em plena expansão dos casos, e com a população já tendo que se submeter ao isolamento social, o presidente ainda estimulava aglomerações e participava delas, como fez na frente do Palácio do Planalto no último dia 15 de março.
BOLSONARO AGE ATRAPALHANDO O MINISTÉRIO
O Brasil está tomando algumas medidas corretas no sentido de praticar o método da supressão, mas essas medidas ainda são insuficientes. O fato do presidente ainda considerar a pandemia como uma “gripezinha”, como fez na sexta-feira (20), e continuar atrapalhando as ações dos governadores e do Ministério da Saúde, impedem a tomada de decisões mais ágeis e eficientes.
Uma delas é o investimento maciço, que não está sendo feito, em aquisição de kits de diagnóstico para ampliar a testagem da população. Atualmente só estão sendo testados os pacientes sintomáticos graves. Isso é insuficiente para conter a epidemia. É necessário e urgente a ampliação da produção e, se preciso, a importação desses materiais. Para isso a área econômica do governo tem que atender aos reclamos do Congresso Nacional e abolir todas as limitações aos gastos públicos.
SÉRGIO CRUZ
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