Audiência pública debateu privatização dos Correios com representantes dos trabalhadores ex-funcionários e parlamentares na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, 28
Em audiência pública, nesta quarta-feira (28), na Câmara dos Deputados, as entidades representativas dos trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT-Correios), ex-funcionários e parlamentares denunciaram as mazelas de uma possível privatização do setor postal brasileiro.
Marcos César Silva, vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (ADCAP), afirmou que o Correio é público nos maiores países do mundo, em termos de extensão territorial, e que a Constituição Federal brasileira determina em seu art.21, inciso X, que compete à União manter os serviços postais.
“A Constituição é muito clara ao tratar os serviços postais como serviço público em essência, separando de outros serviços. O serviço postal está na Constituição junto com a segurança nacional e outros serviços deste nível”, disse Marcos. “Nós entendemos que o governo não pode se desobrigar à prestação dos serviços postais aos brasileiros, como está querendo fazer com esses projetos de lei”, completou.
José Gandara, presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores da ECT (Findect), defendeu que “os Correios prestam serviço essencial para o conjunto da população, sendo responsável pelo transporte de livro didáticos, das urnas eletrônicas e provas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), além de ter papel central na distribuição de medicamentos e vacinas, hoje tão importantes para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus”.
Veja abaixo o vídeo da audiência:
Defendendo a privatização, Guilherme Theo Sampaio, representante da Confederação Nacional do Transporte (CNT), argumentou que a medida levaria ao “enxugamento da máquina pública”. Mesmo argumento utilizado por aqueles que defendem a redução do papel do estado nas funções essenciais para o país, o ataque ao funcionalismo e a entrega ao capital privado dos serviços fundamentais para a população. Consequência disso é a queda na qualidade dos serviços, aumento das tarifas e desassistência às áreas em que não há “previsão de lucro”.
O ex-presidente do Conselho de Administração dos Correios, Adroaldo Portal, relatou o caso de Portugal, onde a privatização dos serviços postais provocou um aumento vertiginoso nos preços de postagens, sendo que as empresas privadas continuam a pressionar o governo português para permitir uma maior elevação das tarifas.
“As empresas dizem que não têm condições de manter a universalização dos serviços postais. Portugal tem um terço do território do estado do Rio Grande do Sul e não estão garantindo a universalização porque, segundo as empresas, não é lucrativo”, disse Adroaldo.
Adroaldo lembrou ainda do caso dos Estados Unidos, cuja empresa estatal de serviços de postagem não é cotada para privatização, mesmo após anos de prejuízo e com a concorrência da Fedex e da UPS.
“Já nos EUA, os correios dão prejuízos há mais de 10 anos, mas não é cotado para ser privatizado. É visto como um interesse de soberania e segurança nacional. A Fedex e a UPS exploram apenas o filé do mercado de postagens norte-americano, sendo que Trump chegou a dizer que a Fedex vive nas costas do USPS [estatal do setor] e economiza até 4 vezes postando nos correios para entregas nos lugares mais distantes”, disse Adroaldo.
Os EUA não são o único país a manter suas empresas estatais do serviço postal, a França também conta com uma estatal forte que atua em vários países no mundo, sendo a Jadlog seu braço no Brasil. “A França optou por parcerias público privadas, mas mantém o seu capital 100% estatal”, disse Portal.
“No Brasil são 5.200 municípios que não dão lucro, além de bairros na periferia das grandes cidades. As empresas privadas usam dos serviços dos Correios para fazer suas entregas nessas regiões”. Sem os Correios, essas regiões ficarão desamparadas, rebateu também Gandara, destacando o papel dos Correios no atendimento das regiões mais longínquas do país.
Para José Rivaldo da Silva, presidente da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da ECT (Fentect), é evidente que “os Correios são uma empresa voltada para integração nacional. Empresa que, ao longo de seus mais de 300 anos de história, ajudou o país a se desenvolver”.
Além disso, a estatal tem um papel fundamental para o aumento da competitividade no país. “Os Correios criaram um serviço que possibilitou que mais de 15 mil pequenas empresas no país, que nunca tinham exportado, acessassem mercados internacionais, o Exporta Fácil. 60% dos exportadores brasileiros usam esse serviço com mais de 400 mil operações realizadas”, afirmou Marcos César.
O presidente da Fintect também rebateu os argumentos de que o serviço privado seria “melhor, com mais tecnologia e por isso, mais eficiente”, defendido por Sampaio. “É evidente que é preciso melhorar. Contudo, não é por falta de tecnologia, mas por falta de mão-de-obra: em 2014 a estatal possuía 128 mil trabalhadores, hoje possui apenas 38 mil funcionários. Uma redução que se deu através de inúmeros PDV [Plano de Demissão Voluntária] e PDI [Plano de Desligamento Incentivado]. Estamos trabalhando de domingo a domingo, mas ainda assim há cidades com encomendas paradas por falta de mão de obra”.
Em sua conclusão, Guilherme Sampaio defendeu, na prática, que o processo de privatizações seja gradual, fatiando a empresa para que o setor privado possa usufruir do sucesso logístico da empresa e “menos impactante com a abertura pontual, mantendo o monopólio nas correspondências, porém abrindo a questão privada dos serviços de entrega”.
E se queixou afirmando que o fato dos caminhões dos Correios não serem parados por fiscalizações nas estradas, justamente por sua credibilidade enquanto empresa estatal consolidada, “é uma injustiça” com o setor privado. “Tem a questão da imunidade tributária que fazem uso os Correios e tem também a questão da ausência em parada de fiscalizações rodoviárias”, reclamou.
É o que falou também a representante do governo, secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos, do Ministério da Economia, Martha Seillier. Segundo ela, os Correios “é uma empresa que ainda tem lucro porque não paga imposto. Isso gera uma série de distorções no mercado, porque a sua concorrência está pagando imposto”, disse, ao defender os interesses das empresas privadas.