Para Marco Aurélio Sáfadi, professor doutor da Escola de Ciências Médicas da Santa Casa (SP), estudo é falho e não permite concluir que crianças sejam mais contagiosas de Covid-19 do que os adultos
O infectologista pediátrico Marco Aurélio Sáfadi, do Hospital Infantil Sabará, de São Paulo, afirmou em entrevista ao site francês RFI, que “é incompreensível abrir bares, shoppings e igrejas, e manter as escolas fechadas.”
Para Marco Aurélio Sáfadi, a provável baixa contagiosidade das crianças, demonstrada por diferentes estudos na França, na Itália, na Coreia do Sul e no Reino Unido, é um fator que deve ser considerado na adoção da medida. Desde maio, essas pesquisas indicavam que as crianças, sobretudo as menores de 10 anos, transmitiam muito pouco a doença tanto para outras crianças, quanto para os adultos – uma conclusão que embasou governos a reabrir creches e escolas de ensino fundamental.
A opinião do pediatra coincide com o que pensa o epidemiologista da Fiocruz, Eduardo Costa, que enfatizou, entrevista ao HP, que a discussão deve se concentrar não apenas na volta ou não das aulas, mas, principalmente, em como montar uma vigilância epidemiológica adequada nas escolas. O epidemiologista insiste que, além de proteger os alunos e servidores, esta vigilância nas escolas deve ensinar a s cuidarem, assim como cuidar também de seus familiares.
“A grande maioria dos adultos infectados terá sintomas. Mas entre as crianças é o inverso: a grande maioria não terá sintoma algum. Tossir, espirrar, ter coriza são manifestações que já trazem maior expectativa de facilidade de transmissão do vírus em uma comunidade”, explica o pediatra. “Creio que evoluir de uma forma assintomática minimiza os mecanismos de transmissão do vírus para seus contactantes e esse aspecto não pode ser negligenciado nessas análises”, acrescentou.
Sobre os trabalhos recentes, entre eles um Escola Médica da Universidade de Harvard, publicado nesta semana, concluiu que as crianças poderiam até ser mais contagiosas do que os adultos, Sáfadi também criticou, assim como Eduardo Costa já tinha feito, e disse que, em sua opinião, “esse estudo não tem poder de concluir que as crianças têm maior contagiosidade”.
“O que o estudo apontou é que, naquela população específica de crianças – e foram menos de 20 no grupo de crianças infectadas com menos de 10 anos, ou seja, um número muito pequeno – a carga viral detectada era maior do que num grupo de adultos, que estavam numa fase diferente da doença”, frisa. “Isso não nos permite concluir que as crianças sejam, de fato, mais contagiosas. Na prática, não é o que temos visto.”
Outra falha da pesquisa de Harvard, sublinha o infectologista pediátrico, é que não estabelece até que ponto as crianças assintomáticas para a Covid-19 – a maioria – também seriam igualmente contagiosas. “Há ainda muitas incertezas e esse é um dos temas mais controversos hoje. Entretanto, há algumas convicções, e uma delas é que, quando infectadas, as crianças desenvolvem não só formas leves, mas assintomáticas da doença, que sequer são detectadas pelas famílias”, destaca.
“A experiência europeia mostrou, de uma maneira muito contundente, que o retorno às escolas, especialmente nos primeiros anos da escolaridade, não foi acompanhado de resultados preocupantes – pelo contrário”, ressalta o professor doutor da Escola de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, onde dirige o departamento de Pediatria.
Sáfadi ressalta que é preciso que as taxas de transmissão estejam sob controle, como ocorreu nos países europeus, que voltaram progressivamente às aulas quando o número de casos diários passou a cair. “Pode até ter um ou outro caso, eventualmente algum surto, mas aconteceu de uma forma muito tímida, irrelevante”, afirma. “É incompreensível abrir bares, shoppings centers e igrejas, que têm seguramente um risco muito maior, e manter as escolas fechadas.”
Leia mais