Ao lado de Collor de Mello, Bolsonaro criticou a “velha política”. O “novo” para ele, são os pastores pedindo propina, as rachadinhas da família, a orgia com o orçamento secreto e a despudorada queima das estatais
Cada dia fica mais evidente a farsa que foi o discurso pseudomoralista de Bolsonaro na campanha de 2018. Combatia o que ele chamava de “velha política”. Disse que no seu governo acabaria o toma-lá-dá-cá da política brasileira. Agora, aparece ao lado do grande “aliado”, Fernando Collor de Mello (PTB-AL), ex-presidente afastado por corrupção e formação de quadrilha.
PALADINOS DA MORALIDADE
O evento reunindo os dois “paladinos da moralidade” foi em Propriá, no Sergipe, nesta terça-feira (17). Bolsonaro disse que o encontro “mostra que o país está se libertando da velha política”. “Vejo cada vez mais o interesse de vocês pelo destino da nação e se libertando cada vez mais da velha política brasileira”, disse ele. A “novíssima política”, anunciada ali por Bolsonaro, foi regada com verbas milionárias do “orçamento secreto”, marca registrada dos “novos tempos”.
Sim, porque o que há de “novíssimo” na política de Bolsonaro é que os crimes agora são praticados com a maior naturalidade, como se fossem legais. O orçamento secreto é um exemplo disso. O Planalto manipulou só este ano, secreta e ilegalmente, R$ 16 bilhões do orçamento. Fez o maior toma-lá-dá-cá da história, Ou seja, comprou votos e apoio político com dinheiro público. Foi tão descarado que a ministra Rosa Weber, do STF, mandou suspender a liberação das verbas secretas.
Na cerimônia, a “nova política” estava também representada por beneficiários do orçamento secreto de outras siglas partidárias além do PTB de Collor, como PL e PP. Durante o discurso de Bolsonaro, os presentes se dividiram entre vaias e aplausos. Os deputados federais Fábio Reis (PSD-SE), Bosco Costa (PL-SE) e Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE) foram vaiados, além do prefeito de Propriá, dr. Valberto (MDB).
Collor de Mello, expert em corrupção, rasgou elogios a Bolsonaro. O senador alagoano disse que ele tem demonstrado o “seu tino de administrador”. O “tino” de Bolsonaro a que ele se refere, seguramente foi adquirido nas famosas operações de rachadinha, onde o dinheiro era lavado através de funcionários fantasmas, lojas de chocolate, negociatas com imóveis e até com pessoas ligadas às milícias. Este foi o caso da mãe e da ex-mulher de Adriano da Nóbrega, que chefiava a milícia de Rio das Pedras. Elas foram “contratadas” no gabinete de Flávio Bolsonaro.
“NOVA POLÍTICA” COMEÇOU PERSEGUINDO COAF
A “nova política” de Bolsonaro começou com a perseguição ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). O órgão de fiscalização denunciou o assalto de R$ 7 milhões de Flavio Bolsonaro e Fabrício Queiroz à Assembleia Legislativa do Rio. Bolsonaro não sossegou enquanto não eliminou a atuação do Coaf, colocando-o no terceiro escalão do Banco Central. O Conselho havia descoberto as movimentações milionárias suspeitas na conta de Queiroz, ex-PM que era o “faz-tudo” da família Bolsonaro.
Depois ela prosseguiu na tumultuada tentativa de aparelhar a Polícia Federal. Para atingir o propósito, Bolsonaro precisou atropelar até o seu ministro da Justiça, que, à época, era Sérgio Moro. O plano era colocar seu ex-segurança Alexadre Ramagem, na diretoria-geral da corporação. Ficou tão evidente que o objetivo era manipular a PF que o STF impediu a nomeação. Seu alvo mais urgente era a Superintendência do Rio de Janeiro, onde ocorriam as investigações de seus filhos. Esta mudança ele conseguiu emplacar.
Mais adiante, Bolsonaro escolheu a dedo um Procurador Geral da República que lhe fosse subserviente. A ideia era impedir ou abafar ao máximo as investigações de corrupção no governo para que Bolsonaro pudesse dizer que em sua administração não haveria corrupção. Esse plano também andou e o que parou no governo não foi a corrupção, foram as investigações de corrupção. Quem denunciava era perseguido, delegados da PF foram afastados e, quando as denuncias avançavam, a PGR era acionada para arquivá-las.
É só ver o que aconteceu com o servidor da Saúde, Luiz Ricardo Miranda, que denunciou ao próprio Bolsonaro, numa visita junto com o irmão, o deputado Luiz Miranda (União Brasil-DF), ao Palácio da Alvorada. Ele avisou Bolsonaro que estava sendo pressionado a assinar uma compra ilegal de vacinas da Índia, a Covaxin, durante a pandemia. Depois descobriu-se que aliados de Bolsonaro estavam cobrando um dólar por dose de cada vacina comprada. O servidor deu depoimento ao MP e à CPI da Pandemia. Resultado: foi exonerado, passou a sofrer ameaças e hoje está escondido num programa de proteção à testemunhas.
CAÇA ÀS BRUXAS NA RECEITA FEDERAL
Mas, um dos casos mais graves da “nova política” de Bolsonaro foi a perseguição sofrida por servidores da Receita Federal no episódio da lavagem de dinheiro levada à cabo por Flávio Bolsonaro. O órgão apresentou relatório mostrando movimentações financeiras e bens imóveis incompatíveis com a renda tanto de Flávio quanto de sua mulher. Os dirigentes da Receita foram acusados de cometerem crime por terem descoberto as falcatruas do filho do presidente. Até a Abin foi acionada nesta perseguição.
A Corregedoria do órgão desmentiu que tivesse havido ilegalidades por parte dos servidores e elaborou relatório em sua defesa. Iniciou-se então uma violenta pressão do Planalto para que o corregedor da Receita fosse substituído, o que acabou acontecendo. Foi denunciado à época uma reunião dos defensores de Flávio dentro do Palácio do Planalto, com a presença do diretor da Abin, para preparar acusações contra a direção da Receita. Ao mesmo tempo, o governo trabalhou para anular todas as provas conseguidas pelo MP-RJ contra o filho do presidente.
Perto de todas essas “novíssimas técnicas” usadas pelo Planalto para esconder o mar de lama em que se transformou a atual administração, o ex-auxiliar de Collor, PC Farias, não passou de um mero aprendiz.
Além do ex-presidente impeachimado por corrupção ter elogiado o “tino” de Bolsonaro, este retribuiu dizendo que Collor de Mello “é um grande aliado nosso no parlamento brasileiro”. Certamente os dois estão vislumbrando grandes negociatas pela frente com essa “união”.
Só para se ter uma ideia do tamanho do rombo que o país está sofrendo, a mãe do chefe da Casa Civil do governo, só ela, destinou R$ 400 milhões do “orçamento secreto” para os currais eleitorais da família. O deputado Arthur Lira (PP-AL) destinou sozinho mais de 300 milhões do dinheiro desviado ilegalmente para seu estado. Este último, mesmo com toda essa roubalheira de verbas, acabou de perder a eleição extraordinária para o governo de Alagoas, ocorrida no último domingo. Ganhou um candidato aliado de Renan Calheiros e de Lula.
“ELIMINAR” ADVERSÁRIOS
Por falar em Lula, o discurso de Bolsonaro em Sergipe não centrou em propostas para os problemas da população do estado. Ele apenas atacou a oposição, que tem um candidato liderando as pesquisas. Natural que Bolsonaro fique nervoso, já no aeroporto ele teve que ouvir coros de pessoas gritando o nome do adversário. Aí achou importante atacar. “O PT [Partido dos Trabalhadores] não desviou a água para o Nordeste, mas para o próprio bolso. O endividamento da Petrobras, na época do governo anterior, chegou a R$ 900 bilhões, que dariam para fazer 60 vezes a transposição do rio São Francisco”, discursou.
“Também demos fim no movimento do MST quando passamos a titular as terras. O antigo assentado é proprietário da sua terra e não pratica mais atos de invasão”, acrescentou. Além de mentir sobre uma suposta dívida da Petrobrás, que agora ele quer vender para o capital estrangeiro, o chefe do Executivo mostrou que só pensa em “eliminar” e “dar fim” aos setores da sociedade que não aceitam passar fome no país que é o celeiro do mundo. Assim também agia Washington Luís, da Velha República, para quem os problemas sociais eram caso de polícia. Acabou caindo.