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Trinta cientistas assinam uma “Nota Técnica” onde afirmam que “sem o rastreamento de contatos e a busca ativa de casos, a pandemia se manterá por muito tempo com muitas mortes e grandes perdas econômicas”
Trinta pesquisadores do setor de saúde pública e de diversas outras áreas do conhecimento, ligados a 12 instituições governamentais, acadêmicas e da sociedade civil, se uniram para analisar a situação atual da pandemia do novo coronavírus no Brasil e no Distrito Federal – com sua Região Integrada de Desenvolvimento Econômico (RIDE) – e apontar medidas de vigilância epidemiológicas, consideradas por eles como fundamentais, para a interrupção da propagação do vírus no país.
Em sua nota técnica (que pode ser acessada aqui), intitulada “Inteligências epidemiológica e geográfica aplicadas ao isolamento social seletivo para viabilizar estratégia de supressão de transmissão do SARS – COV – 2”, que é a segunda do grupo, divulgada no sábado (25), os pesquisadores propõem uma metodologia sustentável de enfrentamento da disseminação do SARS – COV – 2, baseada nas inteligências epidemiológica e geográfica e direcionamentos para as ações de enfrentamento da pandemia no Distrito Federal, com ênfase na vigilância epidemiológica.
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“As inteligências epidemiológica e geográfica, no âmbito da vigilância epidemiológica, devem orientar o processo de enfrentamento do SARS – COV – 2 em base territorial, para se evitar um longo e arrastado período de surtos do coronavírus, tanto nas capitais como no interior do país, evidentemente, observadas as peculiaridades de cada ambiente analisado. O isolamento social indiscriminado, aplicado nas condições do Brasil, não levou à supressão da epidemia após três meses”, diz um trecho do documento.
“Isso ocorreu porque, entre outros fatores, não foi instituído e coordenado pelo Ministério da Saúde o estímulo a uma rotina de rastreamento de contatos de casos, de busca ativa naqueles segmentos que potencialmente mais transmitem a infecção e de isolamento seletivo dos casos confirmados, diferentemente do que fizeram os países bem sucedidos no ataque inicial à disseminação do vírus”, acrescentam.
“Como objetivo e método, propomos descrever, analisar e propor modelo alternativo ao enfrentamento à pandemia do coronavírus em curso no país”, prossegue e nota técnica.
O estudo indica como resultado que “a aplicação da estratégia de supressão da transmissão, fortemente ancorada nas diretrizes da vigilância epidemiológica, é a única capaz de interromper a atual pandemia, minimizando, assim, as perdas humanas e econômicas”.
“A aplicação da estratégia de supressão da transmissão, fortemente ancorada nas diretrizes da vigilância epidemiológica, é a única capaz de interromper a atual pandemia, minimizando, assim, as perdas humanas e econômicas”
Depois de concluírem um panorama epidemiológico nacional da pandemia, os pesquisadores apontam como funcionam em conjunto a Inteligência epidemiológica e a inteligência geográfica e revelam os três caminhos para a implementação da estratégia proposta.
PANORAMA DA PANDEMIA ATÉ A SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 26 (21 – 27 DE JUNHO)
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INTELIGÊNCIA EPIDEMIOLÓGICA E INTELIGÊNCIA GEOGRÁFICA
“Cereda Jr (2019) descreve, em sua plataforma “Geografia das Coisas”, um trabalho que antecedeu os estudos e a organização das aplicações dos Sistemas de Informação Geográfica, desenvolvidos por Roger Tomlison e que, nos dias atuais, sustentam toda uma temática de abordagem vinculada à geografia da saúde.
A importância do trabalho de John Snow no combate à cólera, que levou a morte de mais de 600 pessoas, em poucos dias do ano de 1854, na cidade de Londres, abriu um importantíssimo leque para a análise e ações de intervenção no território, as quais permitiram a abertura de novos caminhos para a interpretação da forma de como se pensar a organização dos espaços e serviços públicos, como a distribuição de água e coleta de esgoto. A experiência de John Snow é assim descrita por Cereda Jr. (2019).
Naquele momento, em que a teoria miasmática era a vigente nos meios médicos, Snow ainda sem o suporte da teoria microbiana, desenvolvida alguns anos mais tarde, não conseguia sustentar evidências que as mortes em Londres, por seguidos surtos de cólera, eram causadas por poluentes no ar. Munindo-se de observações de campo (com o apoio do antes defensor da ‘contaminação por odores fétidos’, o Rev. Henry Whitehead), técnicas estatísticas e análises espaciais (com diagramas de Voronoi), pôde correlacionar o maior número de mortes em uma região específica do distrito de Soho pelo uso de água contaminada, servida pela bomba d’água da Broad Street (antiga Broadwick)
As tecnologias mudaram, mas a essência metodológica permanece a mesma. A inteligência epidemiológica e a inteligência geográfica são estruturadas para fazer frente a situações de ameaças aos Estados Nacionais, em especial, à saúde pública.
“As tecnologias mudaram, mas a essência metodológica permanece a mesma”
As ameaças são geradas por epidemias, intoxicações, eventos climáticos, acidentes nucleares e escassez alimentar ou de água potável inesperados, que põem em risco a vida, a dignidade humana, os direitos humanos, as liberdades constitucionais e a universalidade das ações de saúde.
A inteligência epidemiológica e a inteligência geográfica, na sua abordagem estratégica, levam em conta a lógica da geografia política, do fluxo migratório das populações, a forma de organização espacial, a estruturação dos núcleos subnormais e, principalmente, as emergências epidemiológicas, quando são identificados riscos iminentes da propagação de doenças transmissíveis, entre Estados Nacionais ou em países que exigirão respostas mundialmente ou/e nacionalmente coordenadas.
Os objetivos das inteligências epidemiológica e geográfica são: (1) rearranjar políticas e planejamento de saúde; (2) compartilhar recursos de toda a ordem; (3) formar recursos humanos, com apoio das universidades; (4) direcionar os serviços de saúde, com ênfase na atenção básica; (5) enfrentar e superar emergências sanitárias; (6) definir e conhecer modelos de análise espacial – nacional, regional e local; (7) estabelecer as relações da evolução de surtos e epidemias com estruturas urbanos do tipo transporte público, feiras, shoppings, e outras; (8) integrar as informações epidemiológicas com elementos de ordem socioeconômica, infraestrutura urbana e equipamentos de saúde.
As atividades típicas das inteligências epidemiológica e geográfica são: (a) avaliação de riscos e ameaças em saúde pública; (b) estratégias de prevenção e proteção; (c) organização do subsistema de informação como parte da estrutura da vigilância epidemiológica; (d) organização de salas de situação; (e) análise territorial geoprocessada, com base em modelagem espacial e instrumentos de colaboração geográfica de informações, (f) construção de plataformas de coleta de dados disponibilizados em painéis interativos e atualizados em tempo real.
Para esta última atividade das inteligências epidemiológica e geográfica, a internet móvel tipo 5G para rastreamento de contatos dos casos infectados, guardando as devidas precauções relacionadas ao sigilo das informações, também tem sido vastamente utilizada na estratégia da supressão da pandemia pelo coronavírus”.
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ESTRATÉGIA DE SUPRESSÃO DA PANDEMIA
“(1) As Unidades Básicas de Saúde (UBS), as Equipes de Saúde da Família (ESF), com ênfase nos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e nos Agentes de Controle a Endemias (ACE) articulados nas comunidades e nos municípios, a fim de identificar os casos, rastrear seus contatos, testá-los (rt-PCR) e monitorá-los em condições de isolamento seletivo para interromper a transmissão do vírus;
(2) Os hospitais e os serviços de emergência hospitalar, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e Serviço Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) que atendam casos suspeitos de COVID-19, para poder, complementarmente, ativar a rede de agentes sanitários de campo, para testar seus familiares e colegas de trabalho, determinando o isolamento daqueles positivados ou aguardando resultado de seus exames;
(3) As plataformas de geoprocessamento, disponíveis amplamente em Secretarias Estaduais de Saúde ou Municipais de grandes cidades, para poder identificar os principais focos, por região, bairros e por CEP, assim como, verificar os fluxos de contágio e mapear as zonas mais atingidas para concentrar suas atividades de rastreamento, busca ativa e isolamento comunitário seletivo. Conclui-se que o foco das ações de caráter preventivo compõe a essência das atividades da Atenção Básica de Saúde. Agir na lógica da vigilância epidemiológica em um gravíssimo contexto pandêmico é rigorosamente indispensável, pois permite ações efetivas, eficientes, sustentadas e perenes”.
DIRETRIZES PAR AS ATIVIDADES DE CONTENÇÃO DA DOENÇA
O rastreamento parte de casos conhecidos que procuram atenção médico – hospitalar. Na situação dos países como o Brasil, que concentraram seus esforços na Atenção Hospitalar e desmobilizaram, em parte, a Atenção Básica de Saúde, é da maior importância organizar uma unidade de ação mínima e prioritária de integração pronta com a rede de emergência que inclui o SAMU local e o centro estadual ou municipal da atividade de vigilância epidemiológica para a pronta ação do pessoal de campo.
Para o rastreamento, a equipe de visitação domiciliar, composta por Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Controle de Endemias (ACE), cujo contingente é, hoje, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) 26b, de 285.668 e 94.774, respectivamente, é comunicada imediatamente nos pontos de atendimento para visitar a residência e o trabalho (se estiver ativo) de quem adoeceu, e testar todos os membros da família do infectado e seus amigos mais próximos nas comunidades, para verificar a presença do vírus na garganta (infectantes). Projeta-se para essas ações uma janela de tempo ótimo, em até 48 horas.
Todos o que tiverem febre e outros sintomas compatíveis com o diagnóstico inicial de SRAG serão postos em isolamento, se tiverem condições favoráveis em casa, com recomendações e, a partir daí, terão contato diário com os agentes para saber da evolução das pessoas. Ainda, se necessário for, poderão ser encaminhados para um local de isolamento comunitário qualificado. Note-se que o uso de telefonia celular e internet viabiliza maior rapidez para essa ação, preceito fundamental para a eficiência do modelo de supressão examinado por Hellewell e cols.
A busca ativa, que é a busca e identificação do cidadão antes que ele adoeça, deve ser implantada os grupos profissionais que não podem parar, como saúde, frigoríficos, indústria de alimentos, transportes coletivos, motoristas de carga, entre outros, faz-se ‘swab’ indiscriminado nos trabalhadores, o que se repete periodicamente, para a coleta de material naso-faríngeo.
Nesses casos especiais, deve-se realizar ações de monitoramento avançado, utilizando-se de cadastramento apropriado.
Neste processo, os casos positivos são isolados e postos em observação com o mesmo trabalho de rastreamento já descrito anteriormente. A busca ativa na entrada e saída de pessoas em cidades menores deve ter consequências práticas do ponto de vista sanitário. Além de desestimular a movimentação desnecessária, serve para localizar e informar os casos positivos para rastreamento. O complemento dos testes para diagnóstico, nas ações de busca ativa e de rastreamento, são os estudos sorológicos (IGG) sequenciais em painéis da população por amostragem, conforme iniciativa da Universidade Federal de Pelotas.
Por meio dos estudos sorológicos pode-se agregar segurança para o acompanhamento nacional, regional ou local da epidemia. Um parâmetro simples a ser testado no campo para isso é a cada caso confirmado ou em observação demanda o exame de, no máximo 10 contatos, no seu local de residência e trabalho em até 24 horas da notificação em um dia de trabalho do agente de saúde pública. Um agente poderá fazer dois rastreamentos por dia, coletando material naso-faríngeo e preenchendo ficha de contatos. Esse parâmetro aplicado ao número de casos novos de cada local demonstrará a factibilidade da ação e da quantidade de material para coleta e de realização de testes no laboratório. A prática do rastreamento dos contatos é empregada largamente em nível mundial, como revela o painel representado pela Figura 7.
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Nas considerações finais, o trabalho destaca a importância da Atenção Básica da Saúde para o sucesso no controle da pandemia.
“As ações de caráter preventivo compõem a essência das atividades das Equipes de Saúde da Família / Unidades Básicas de Saúde. Agir na lógica da vigilância epidemiológica em um gravíssimo contexto pandêmico é rigorosamente indispensável. Qual seja, identificar o caso positivo, rastrear e buscar os contatos, isolar seletivamente e suprimir a transmissão do vírus. A professora Márcia de Castro, demógrafa brasileira da Universidade de Harvard, alertou que perdemos um tempo precioso em função de não termos adotado medidas de vigilância epidemiológica, por meio da Atenção Básica de Saúde.
“As ações de caráter preventivo compõem a essência das atividades das Equipes de Saúde da Família / Unidades Básicas de Saúde. Agir na lógica da vigilância epidemiológica em um gravíssimo contexto pandêmico é rigorosamente indispensável.
O Ministério da Saúde definiu pelo isolamento social indiscriminado 36, ainda em março de 2020, como estratégia para achatar a curva de crescimento da transmissão do coronavírus e, assim, permitir que o sistema de saúde se adaptasse a grande pressão de demanda, em especial, leitos de terapia intensiva. Essa decisão foi tomada, apesar dessa ação não diferenciar em nada das ações de Isolamento social adotadas no enfrentamento da pandemia do vírus da influenza, a “gripe espanhola”, há mais de 100 anos atrás.
Nesse momento, também, deveriam ter sido lançadas ações de identificação, rastreio, isolamento seletivo dos casos assintomáticos e supressão da transmissão. O tempo que ganhamos à época deveria ter sido utilizado para andarmos com as duas pernas: aumentar a capacidade assistencial da atenção hospitalar e direcionar a atenção básica para ações de supressão do contágio, que, gradativamente, iriam diminuir os casos de pacientes necessitando de assistência hospitalar.
Os governadores de Estado e prefeitos, que até aquele momento sustentaram tal estratégia, iniciaram o processo de flexibilização do isolamento social horizontal, trazendo no seu bojo, mais incertezas do que segurança nas políticas de enfrentamento ao coronavírus e nos possíveis cenários imediatos na saúde dos brasileiros.
Os governadores de Estado e prefeitos, que até aquele momento sustentaram tal estratégia, iniciaram o processo de flexibilização do isolamento social horizontal, trazendo no seu bojo, mais incertezas do que segurança nas políticas de enfrentamento ao coronavírus e nos possíveis cenários imediatos na saúde dos brasileiros.
Os países que não conseguiram aplicar corretamente as medidas de isolamento social irrestrito, especialmente EUA e Brasil, como medidas de curto prazo, por alguma dificuldade de coordenação nacional ou de concepção, estão, agora, correndo o risco de não atingirem diferenças entre ondas de infecção e permanecerem transmitindo o vírus ciclicamente. Diante da realidade brasileira, com mais de 110 dias de evolução da pandemia, percebe-se que tanto as concepções idealistas, que ainda sustentam a necessidade de manter o isolamento social horizontal irrestrito ou até mesmo o lockdown, inviável nessa altura do processo e injusto socialmente para as populações vulneráveis 38, quanto às concepções negacionistas, que se ausentam das intransferíveis responsabilidades de coordenação sanitária, abonam a população a trágica política de imunização de rebanho ou de grupo 1,12, de maneira não declarada.
A Nota Técnica em tela advoga que o momento é o da vigilância epidemiológica e controle organizado em base comunitária, orientação clássica e comprovada no enfrentamento das grandes epidemias que atingiram a humanidade. Portanto, não cabe mais afirmar que somente existe uma “arma” para enfrentar o coronavírus.
A Nota Técnica em tela advoga que o momento é o da vigilância epidemiológica e controle organizado em base comunitária, orientação clássica e comprovada no enfrentamento das grandes epidemias que atingiram a humanidade. Portanto, não cabe mais afirmar que somente existe uma “arma” para enfrentar o coronavírus.
Dentro do escopo apresentado neste estudo são duas as intervenções complementares e sinérgicas capazes de interromper a transmissão da SARS-COV-2 e suas consequências dramáticas: isolamento social modulado pela intensidade da transmissão virótica e ações de inteligência epidemiológica e geográfica; ou seja, o resgate intenso das intervenções de vigilância epidemiológica, nos territórios.
Como disse Tomas Pueyo em artigo intitulado “Coronavirus: The Hammer and the Dance”, amplamente lido nesses tempos: medidas duras combinadas com medidas mais flexíveis serão a tônica. Ou seja, não há solução simples para esse complexo cenário pandêmico”.
Leia aqui a íntegra da nota técnica
SÉRGIO CRUZ
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