Enquanto dezenas de pessoas morriam por falta de oxigênio, o ministro lançava um aplicativo ensinando como receitar cloroquina para os pacientes com Covid-19
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), acatou, nesta segunda-feira (15), o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e autorizou que a Polícia Federal realize diligências no inquérito que investiga a omissão do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, na crise sanitária no Amazonas.
“Defiro os pedidos formulados pelo PGR [Augusto Aras] e determino o encaminhamento destes autos à Polícia Federal para a realização das diligências requeridas”, escreveu Lewandowski num trecho da decisão.
A PF vai investigar e-mails institucionais trocados entre o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do Amazonas, além de depoimentos de representantes da empresa White Martins, responsável pelo fornecimento de cilindros de oxigênio para o estado.
Eduardo Pazuello, que agora, sabe-se, não tem especialização em logística, como era apregoado, tinha conhecimento do colapso iminente no fornecimento de oxigênio para Manaus pelo menos oito dias antes de ocorrerem as mortes.
Documentos comprovam que enquanto dezenas de pacientes morreram literalmente asfixiados, o ministro e seu chefe, Bolsonaro, estavam empenhados em distribuir cloroquina, droga sem eficácia nenhuma contra a Covid-19.
“Há possibilidade iminente de colapso do sistema de saúde, em 10 dias”, afirma um documento do ministro Eduardo Pazuello sobre o sistema de saúde de Manaus. O diagnóstico foi a principal conclusão de uma comitiva do Ministério da Saúde que visitou a capital do Amazonas mais de uma semana antes do colapso no sistema de saúde local. Exatos 10 dias depois, hospitais de Manaus esgotaram suas reservas de oxigênio com pacientes morrendo por asfixia.
O próprio ministro Pacuello admitiu que no dia 8 de janeiro, ele já esta a par de que faltaria o oxigênio e nenhuma providência foi tomada. “No dia 8 de janeiro, nós tivemos a compreensão, a partir de uma carta da White Martins, de que poderia haver falta de oxigênio se não houvesse ações para que a gente mitigasse este problema”, disse Pazuello em uma entrevista coletiva em que respondeu aos jornalistas.
“Mas aquela foi uma surpresa tanto para o governo do estado como para nós. Até então, o assunto oxigênio estava equilibrado pela própria empresa”, acrescentou o general. As informações eram de antes do Natal. No dia 14 de janeiro as manchetes dos jornais já revelavam a tragédia.
Em plena crise do oxigênio, com pessoas morrendo com falta de ar, Pazuello estava envolvido na criação de uma força-tarefa para percorrer as unidades de Saúde de Manaus com o objetivo, não de levar oxigênio, mas sim de fiscalizar se a cloroquina estava sendo usada. Alguns dias antes da tragédia, um ofício do MS indicava a obrigatoriedade do uso dessas medicações nos casos de Covid-19.
Em sua viagem à Manaus, onde deveria coordenar ações para reverter a situação dramática da falta de oxigênio, Eduardo Pazuello fez o lançamento de um aplicativo do Ministério da Saúde que orienta os médicos a receitar hidroxicloroquina para os infectados por coronavírus. A substância, como dissemos, não tem nenhum efeito comprovado cientificamente contra a Covid-19.
A PF está autorizada a analisar os gastos com a compra e distribuição desses medicamentos no estado. Funcionários do Ministério da Saúde e das secretarias da Saúde do Amazonas e de Manaus devem ser ouvidos, mesmo os eventualmente exonerados.
No último dia 4, o ministro da Saúde prestou depoimento à PF , tendo os documentos e uma cronologia das ações do órgão na crise do Amazonas.
O Ministério já sabia que o Sistema de Saúde de Manaus iria colapsar ainda antes do Natal, mas esperou mudar de ano para começar a tomar uma medida. Segundo o procurador da República no Amazonas, Igor Spindola, o Ministério da Saúde suspendeu por um dia a entrega de oxigênio medicinal para o estado, enquanto “decidia o que fazer”. “Eles não poderiam ter parado de mandar oxigênio, porque quando eles pararam, o oxigênio acabou”, afirmou o procurador.
Além disso, Eduardo Pazuello demorou até o dia 15 de janeiro para organizar a transferência de pacientes de Manaus para outros municípios e estados. Segundo a Procuradoria-Geral da União (PGR), que pediu a abertura do inquérito, “apesar dessa recomendação e da informação de que os estados disponibilizaram 345 leitos do SUS para apoio aos pacientes provenientes de Manaus, os primeiros deslocamentos ocorreram apenas em 15/1/2021 e, até o dia 16/1/2021, somente 32 pacientes haviam sido removidos, ou seja, menos de 10% da capacidade disponibilizada”.
Confirmando que sua atuação, ou falta dela, era respaldada pelo Planalto, Pazuello recebeu apoio e elogios de seu chefe, Jair Bolsonaro, assim que foi chamado para depor. “Trabalho excepcional do Pazuello, tremendo gestor”, disse Bolsonaro, sobre o comportamento bizarro do ministro na crise que resultou nas dezenas de mortes por falta de oxigênio.
Bolsonaro chegou a afirmar que o governo federal não tinha obrigação nenhuma de garantir o envio de oxigênio para a cidade de Manaus durante o caos que acometeu a cidade. “Não é competência nossa e nem atribuição levar o oxigênio para lá, demos os meios”, disse ele, acrescentando que “o governo federal enviou R$ 9 bilhões para o estado do Amazonas em 2020”.
“Pode investigar o Pazuello, não tem problema nenhum, não tem omissão. Ele trabalha de domingo a domingo, vira noite. Eu duvido que outra pessoa, né, teria tido a resposta que ele está dando”, disse o presidente. É o que a PF está fazendo. Investigando a omissão de Pazuello.