“Isto teve como base principal o trumpismo. Atrapalhado com o controle da pandemia, lá nos Estados Unidos, desorganização total, a Casa Branca veio com um discurso político”, acrescentou o epidemiologista
Em entrevista à Hora do Povo, o epidemiologista Eduardo Costa, professor da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), ex-secretário de Estado da Saúde do Rio de Janeiro, no governo Leonel Brizola, comentou a reportagem do Fantástico de domingo (6) na qual se requenta a hipótese de origem do novo coronavírus através de escape de laboratório em Wuham. “O que vimos foi um país, os EUA, que queria usar isso como ferramenta política e de confusão”, diz o professor.
Segue a entrevista:
HP – No domingo, o programa Fantástico fez longa reportagem para recolocar a questão do vírus em laboratório chinês como resposta à origem da Covid-19. O que você acha?
Eduardo Costa – Essa questão do escape de laboratório surgiu desde o primeiro momento em que os chineses notificaram a OMS, no último dia do ano de 2019, que tinham identificado um novo coronavirus uma doença respiratória que estava circulando em Wuhan. Essa Síndrome Respiratória Severa Aguda (SARS) não era causada por vírus circulantes conhecidos. Naquele momento, todos podem procurar na imprensa ou através das redes sociais, surgiram rapidamente, duas hipóteses de escape de laboratório. Quer dizer, alguma coisa sendo manipulada em laboratório, não necessariamente a criação de um novo vírus através de alteração genética realizada intencionalmente. Na verdade – é bom lembrar – que não houve apenas a suspeita que pudesse ser a partir de um laboratório dos chineses: lá na região existe um laboratório ligado a atividades do governo norte-americano inclusive porque existem trocas de informações dos chineses com eles, várias empresas que atuam e se relacionam com eles. E poderia ter sido de lá também. Até se questionava que pudesse até ter sido proposital eles largarem alguma coisa lá na região onde o vírus surgiu.
HP – Estamos trabalhando com hipóteses, correto?
Eduardo – É isso. É preciso ressaltar que estamos tratando de hipóteses. Só que essa coisa de hipótese, pode-se formular qualquer uma. E, até o momento, a bem mais provável, no entanto, porque foi bem pesquisada já que a OMS mandou não uma, mas duas missões, é a da infecção com o vírus saltando do animal para o ser humano.
Houve uma primeira missão que foi estudar o que havia sido feito lá numa região bem próxima da descoberta da doença, eu acho que foi fevereiro, por aí, que concluiu que o mais plausível é de que tenha vindo através de infecção com material de animais silvestres, mas poderia ser de animais domésticos, como aconteceu por exemplo em outros episódios de gripes que a gente conhece, a gripe aviária, proveniente de aves, pode ser tanto de aves migratórias como pode ser de aves de criação.
O que surgiu depois teve como base principal o trumpismo. Atrapalhado com o controle da pandemia, lá nos Estados Unidos, desorganização total, a Casa Branca veio com um discurso político.
Mas aí, na verdade com base em interesses desse tipo ou de viés ideológico começaram a insistir que seria necessária uma nova expedição para detalhar mais. Até que essa nova expedição foi realizada e de novo não encontrou evidências de que tivesse ocorrido escape de laboratório.
E mais exatamente, para questionar essa hipótese há o fato de que se teria encontrado material genético desse vírus em amostras de esgotos anteriores ao início da pandemia, na Itália, Espanha e até aqui no Brasil. Só que são estruturas residuais, não viáveis para replicação, ao que me consta. Este resíduos genéticos podem provir de estruturas semelhantes que podem estar presentes porque alguns coronavirus são circulantes, produzem algumas formas de resfriado comum, hipótese que levou a pesquisadores a pensar que a população podia ter imunidade cruzada e assim já estar protegida contra a COVID-19. Estamos na fase das pesquisas, dos estudos.
Então esse tipo da matéria vem na contramão, vem confundir. Porque está claro que tudo isso é com o intuito de algum modo atingir a China, até porque a China está se portando tão bem que traz essa necessidade nascida nos EUA de tentar desmerecer ou desfigurar a participação da China.
HP – E essa questão que levantaram das relações entre Peter Daszak, da delegação da OMS e a diretora do Instituto de Virologia de Wuhan?
Eduardo – Eu acho que fazer uma discussão entre pessoas, não vai adiantar muito, claro que se sabe que há alinhamentos ideológicos, tem colaboração também, a questão é a seguinte, vejo que se traz argumentos contraditórios, porque se já havia coronavírus antes em esgotos e tais em diversos pontos do planeta… Então não se verifica nenhuma relação com o desenvolvimento de novos germens ou coisa que o valha laboratorialmente.
Essas descoberta de vírus similares diversos antigos enfraquece ainda mais a tese do Instituto de Wuhan. Aí vem a mídia hoje e difunde essas versões. Sabemos que pesa para eles aquilo que acham que vendem mais, um pouco dessa história de teoria conspiratória, é um prato cheio…
HP – Alguns embarcam nessa…
Eduardo – Você veja, o próprio Bolsonaro, naquela piada, tentou de forma mal dissimulada agredir novamente a China. Dizer que “é fácil saber quem podia estar interessado na disseminação do vírus”, foi mais ou menos isso que ele disse, era “só ver quem mais teria ganho, o seu PIB mais crescido durante a pandemia”. Ora o PIB da China vem crescendo mais do que o dos outros há muito tempo. Aí não há nenhuma novidade.
E mais. O que se sabe, de fato, sobre a China nessa questão? Eles conseguiram controlar de uma maneira muito mais eficiente na verdade do que os outros países que fizeram só bobagem. Na China não fizeram o que eu chamo de isolamento social indiscriminado; eles foram nos locais fizeram o confinamento enquanto a transmissão não estivesse controlada nestes locais. Construíram hospitais equipados em dez dias para as pessoas infectadas. Quer dizer fizeram um trabalho direito no terreno. Não foi só pela televisão, pela mídia, como fazem aqui no Brasil, quer dizer, queremos combater a pandemia pela televisão: “Fique em casa! Fique em casa!”… Na verdade eles foram ter contato com a realidade das pessoas nos locais afetados, de forma organizada, nos aeroportos, em todos os portos, nas entradas de Wuhan, eles fizeram o fechamento para não deixar espalhar.
O vírus acabou indo para mais alguns lugares e eles conseguiram conter também. E aí já de forma mais clara, porque em Wuhan no início eles não sabiam o que era direito, então a doença se alastrou mas foi contida sempre focalmente. Mas, em todo o Ocidente se preferiu não fazer um trabalho que baseou o controle em ações gerais menos eficazes.
Outra questão: o que vimos foi um país, os EUA, que queria usar isso como ferramenta política e de confusão. Quer dizer eles querem misturar uma coisa que é o seguinte: criação de um novo vírus, junto com escape de laboratório. E o presidente do Brasil, por suas palavras, ainda quer alimentar a ideia de que a disseminação foi proposital, mesmo que tenha sido no próprio país deles!
Ora, escape de laboratório pode ocorrer em qualquer laboratório, evidente, mas nos de segurança máxima há protocolos rígidos. Desde que seja identificado que se trata de um vírus muito agressivo precisa ser trabalhado em laboratório que nós chamamos de P4 – ou NB4 , referindo-se a níveis de biossegurança. Na verdade, esses vírus são muito bem cuidados quando identificados. Ainda que, no começo não tivesse muito claro, mas foi lá que eles detectaram o vírus, a transmissão já ocorria. Tudo corroborando para que tenha acontecido mesmo através da mais plausível hipótese, como em todas as outras pandemias do passado.
Mas com uma diferença: não havia negação do que estava ocorrendo na China. Não tentaram esconder. Já no dia 10 de janeiro, enviaram para todos os laboratórios do mundo a cópia do vírus, mandaram o material genético.
Nunca na história tinha acontecido isto antes. Cerca de um mês tinha começado, identificaram tudo, demonstrando uma alta qualificação de equipamentos e de pessoal e disseminaram as informações mais importantes por todo o mundo para que todos pudessem fazer o que quisessem. Seus testes diagnósticos, suas vacinas.
Ajudou o mundo, ajudou a preparar o mundo para enfrentar a pandemia. Essa que é a verdade e depois, enquanto que os Estados Unidos desenvolveram a vacina só quase que exclusivamente para seu uso próprio – não exporta enquanto não vacinar todo seu país, através das vacinas que eles financiaram, a China, o que desenvolveu começou a exportar logo aos países que precisam, os países do 3º mundo.
Então, veja só, eles, parece que ficam com raiva disso. Quem tinha, de início, mais necessidade de se proteger transferiu vacinas para atender outras populações do mundo. Essa que é a verdade, quer dizer, a China está dando uma lição aos Estados Unidos em toda a linha…
Isso aí com Bolsonaro e gente semelhante existe mundo afora querendo fazer denegrir a China. Temos por aqui uma mídia muito interessada. Finge que faz uma matéria muito legal, objetiva, como se ouvisse um lado, ouvisse outro, mas é só para manter esse assunto em pauta, não há nada de concreto. Enquanto isso, traz ouvintes e eles alimentam caras do outro lado a ficarem falando, dão muita atenção à propaganda deles, à ideologia que eles querem passar e neste caso o alvo é gerar desconfiança com relação à China. É verdade que a Globo adotou uma posição mais retraída em termos dessa subserviência, mas fazem aquele joguinho de ouvir todas as partes, mas isso é para manter vivas as tais hipóteses contra a China, não falam da hipótese igualmente não comprovável de que os Estados Unidos possam ter deixado escapar o vírus de seus laboratórios na China. Os filmes de ficção, claro que são ao contrário.
Mas deixa claro que não têm dado demonstrações tão agudas como fazem os bolsonaristas, que querem porque querem, de qualquer maneira, enganar todo mundo com mentiras…
HP – E agora, com Biden?
Eduardo – Olha, houve uma mudança com a saída do desarvorado do Trump. Mas foi – até agora – fora de tom. Biden aumenta restrições contra a China. Agora diz que a CIA vai investigar essa história do laboratório em 90 dias… Ora, dizer que a CIA com seu histórico de intervenções no exterior dos EUA e de ações de jogo encoberto tem mais credibilidade do que as missões da OMS, do que a própria OMS…Tenha paciência.