A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) em conjunto com a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) divulgou na semana passada (18) um novo estudo que evidencia as inconstitucionalidades da PEC 6/2019, da reforma da Previdência.
O parecer que será entregue à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, que analisa a constitucionalidade da PEC 06, foi realizado pelo professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), André Ramos Tavares, e discorre sobre as inconstitucionalidades mais destacadas na proposta de Bolsonaro.
Ramos Tavares afirma que qualquer proposta que ignore o espírito coerente e harmônico presentes na Constituição Brasileira deve ser entendido como uma “tentativa de desestabilização do nosso regime constitucional”.
“Em momentos de acentuada crise, com nítido impacto social e forte pressão por mudanças o maior desafio é não sucumbir à tentação de revolucionar o sistema por meio do desrespeito às regras básicas, quer dizer, com afronta à Constituição. A esse tipo de ruptura não está autorizado nenhum governo, em nenhum momento”, destaca Tavares.
O jurista faz críticas aos defensores da reforma, que de forma açodada, com o objetivo de acabar com a crise financeira que persiste em nosso país desde 2014, apontam soluções que propõem reformas que atacam, nitidamente, o chamado Estado do Bem-Estar Social – modelo esse estabelecido pelo Constituinte na Carta Magna de 1988.
“O mais surpreendente, porém, é a acusação de que o modelo social desse Estado seria a origem da crise e miséria social, que é ele o culpado e o maior responsável pelo desmantelamento dos empregos, pelos altos índices de desocupação da mão-de-obra e pela ausência de uma perspectiva mínima de futuro adequado para a sociedade. Sob essa bandeira, que é infundada, desconexa, incoerente e, em certos momentos, raivosa, promoveram-se, no Brasil e em outras partes do Mundo, reformas trabalhistas que tornaram o respectivo mercado menos regulado, a exemplo do que já havia sido feito, pioneiramente, pelos EUA, com o mercado financeiro (e que nos conduziu à crise econômica mundial de 2008, cujos efeitos prolongam-se até os dias de hoje)”.
Ainda neste sentido, André Ramos Tavares destaca que o problema da economia brasileira está “justamente em ignorar os inevitáveis vínculos entre as relações trabalhistas em geral e o sistema previdenciário”, pois o desmantelamento dos direitos trabalhistas funciona como combustível para implodir o sistema previdenciário.
“… o que molestou profundamente esse equilíbrio fino construído constitucionalmente foi a reforma trabalhista somada com falta de políticas econômicas de proteção do chamado mercado de trabalho. Em análise extremamente precisa, Antón Losada posiciona-se, nesse mesmo sentido, ao advertir que: “Se o emprego é seguro, estável e de qualidade, o sistema previdenciário tem ingressos suficientes para repartir e não sofre”…
“… Insisto nesse ponto, que me parece crucial para bem situar a PEC 6/19. Estivemos processando nos últimos tempos o abandono do tradicional centro de gravidade laboral, calcado no trabalho qualitativo e seguro, com as respectivas formalidades e do qual surgem ás bases adequadas para o financiamento público da previdência. E caminhamos para um outro cenário, bem diverso, de relações trabalhistas supostamente entre autônomos e iguais. Essa mudança não foi apenas normativa, pois também ganhou impulso pela completa falta (ou falha grave, em alguns raros casos) de políticas econômicas capazes de incentivar e promover a imprescindível expansão de postos de trabalhos e da economia como um todo. Assim, foram, deliberadamente, retiradas as bases de sustentação do modelo de financiamento contributivo intergeracional, o que está, ainda hoje, a representar um ataque direto à solidariedade constitucionalmente imposta e ao futuro da sociedade”, destacou Tavares.
O professor rebate ainda discurso governista e de outros interlocutores, de que a reforma na previdência tem que ser tratada como algo inesperado ou inevitável. Ele lembra que nos últimos anos governos ao invés de enfrentar a crise econômica com a ampliação dos postos de trabalho, reforçando a segurança das relações trabalhistas e/ou o mercado consumidor e sua capacidade de demanda, como meio de estimular a economia, buscam medidas que aprofundam o país ainda mais na crise com medidas frustradas em termos de avanço socioeconômico.
“… na crise, ao invés de debelá-la, seja pelo lado da demanda, do consumo ou de qualquer outra perspectiva assumida como apropriada, quer-se realizar mais redução socioeconômica, mais cortes, menos direitos, menos serviços públicos, levantando salvaguardas ainda existentes, para o cidadão, para sua família e para seu futuro, a patamares irrisórios e, em alguns serviços, até ao nível de sua aniquilação em termos de presença do Estado. Disso resulta, para ser sintético, que, de um lado, promove-se a transferência de todo o risco social para o indivíduo isolado e, de outro, um benefício que é único e direcionado exclusivamente para o sistema financeiro. O retrocesso não poderia ser mais evidente…”.
No documento, o docente aponta ainda viés de inconstitucionalidade da PEC 06, através dos títulos: “A desconstitucionalização é fraude constitucional”; Uma jurisdição manietada viola a separação de poderes e atenta contra a supremacia da Constituição”; “Desdém com o pacto federativo: a unicidade gestora no sistema federativo”, etc.