O ministro Marcelo Queiroga admitiu que o Ministério da Saúde, durante a gestão de Eduardo Pazuello, errou ao orientar municípios a não reservarem vacinas da CoronaVac para a segunda dose da imunização. Com a orientação divergente da recomendada por especialistas, na última semana, pelo menos metade das capitais do país paralisaram a vacinação por falta de doses da CoronaVac.
Pelo menos oito capitais suspenderam a aplicação do imunizante produzido pelo Instituto Butantan, de São Paulo: Aracaju, Belo Horizonte, Campo Grande, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Porto Velho, Recife e Rio de Janeiro.
Outras sete têm disponibilidade restrita do imunizante: Boa Vista, Curitiba, João Pessoa, Macapá, Maceió, Natal e Salvador.
Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, ao menos 807 cidades enfrentam o mesmo problema, o que deixa muita gente apreensiva sem saber quando estarão com o calendário vacinal completo.
Segundo Queiroga, o atraso para a conclusão da imunização nestes municípios “decorre da aplicação da segunda dose como primeira dose”. “Logo que houver entrega da CoronaVac, [o problema] será solucionado”, disse ele, sem levar em conta a “janela” na entrega dos insumos para a produção da vacina ao Instituto Butantan pelo laboratório chinês Sinovac.
O Ministério da Saúde, no entanto, havia sido alertado do período em que o fornecimento de doses estaria restrito.
Em fevereiro, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, orientou as Prefeituras a usar todo o estoque para garantir a primeira dose. Ele afirmou na época que “com a liberação para aplicação de imediato de todo o estoque de vacinas guardadas nas secretarias municipais, vamos conseguir dobrar a aplicação”.
Dias depois, o Ministério da Saúde voltou atrás e disse que os estados e municípios deveriam reservar a segunda dose da vacina CoronaVac, que tem um intervalo entre doses de até 28 dias.
Porém, um mês depois, o Ministério da Saúde mudou a orientação mais uma vez e permitiu que todas as vacinas armazenadas pelos estados e municípios para garantir a aplicação da segunda dose fossem utilizadas imediatamente como primeira dose para outras pessoas.
Em 26 de abril, o já novo ministro, Marcelo Queiroga, foi ao Senado para dizer que a orientação mudou e que, agora, o Ministério pede para que os estados armazenem metade do estoque para usar na segunda dose.
Essa determinação não seguiu a recomendação dos especialistas, que determina que se deve guardar vacinas com prazo de validade relativamente curto e que exigem duas doses.
De acordo com a epidemiologista Ethel Maciel, o ministério errou ao permitir que vacinas guardadas para segunda dose fossem usadas como primeira, pois, o Brasil é “dependente da China para os insumos farmacêuticos ativos (IFAs). O erro do ministério foi ter feito essa orientação sem ter garantia de que a produção estava iniciada. Contar com IFA que nem saiu da China é uma situação complicada”.
Ainda de acordo com a epidemiologista, além dessa orientação errada, a falta coordenação nacional para a vacinação no geral — por exemplo, permitiu que cada estado decidisse qual a ordem de grupos que tinham mais prioridade.
“As doses deveriam ter sido guardadas porque sabíamos que não tínhamos segurança na previsão de receber vacinas em menos de 28 dias, e a consequência é o atraso”, diz a infectologista Raquel Stucchi, da Unicamp.
Agora, após esse vai e vem de recomendações, cidades brasileiras lidam com a falta de vacina para aplicação da segunda dose.
A Prefeitura do Rio de Janeiro anunciou no sábado (1º) a suspensão por dez dias da aplicação da segunda dose da Coronavac. “A cidade do Rio manteve a vacinação com a reserva técnica até o momento, porém o estoque se esgotou, como já havia acontecido em outros municípios e estados do Brasil”, diz nota emitida pela capital fluminense.
“Pelo cronograma do Ministério da Saúde, não haverá reposição da Coronavac em quantidade suficiente antes do prazo informado.”
Na capital paulista, a prefeitura informa que não há restrição de doses do imunizante no município, mas que eventualmente pode haver falta pontual em alguma unidade devido à alta demanda. Nesse caso, a pessoa é encaminhada a outra unidade.
No Recife, a vacinação com a CoronaVac só será retomada, de forma escalonada, a partir de 10 de maio.
Maceió tem doses, mas em quantidade insuficiente. Foram vacinadas neste domingo, com atraso, pessoas com retorno previsto para 26 de abril.
Em Salvador, a prefeitura decidiu não aplicar todas as vacinas da Coronavac e manteve em estoque o suficiente para garantir 12 dias de 2ª doses. Porém, a capital baiana já não recebe novas doses há 17 dias e já há atraso no cronograma. Neste domingo (2), foram vacinadas as pessoas que deveriam ter sido vacinadas nos dias 29 e 30 de abril.
“Salvador está tendo que escalonar a aplicação das segundas doses e em breve vai ter que suspender graças à falta de planejamento do governo federal”, afirmou os secretário municipal de Saúde, Leonardo Prates.
Na sexta-feira (30), o Instituto Butantan informou que entregou antecipadamente um lote de 600 mil doses ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde. A previsão inicial era que essa entrega aconteceria a partir desta segunda-feira (3).