O chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT), o procurador-geral José de Lima Ramos Pereira, defendeu que a reforma trabalhista, aprovada em 2017, não entregou o que prometia e precisa ser revista. Segundo o procurador, o órgão está disposto a discutir o tema.
O procurador defendeu que toda reforma tem que ser em benefício das relações de trabalho, e não o contrário. “Vamos aos fatos. Houve aumento dos postos de trabalho? Não. Temos, em 2021, 14,8 milhões de trabalhadores desempregados. A flexibilização com a terceirização bem ampla melhorou a vida? Não. Diminuiu a informalidade? Ao contrário, aumentou. Então, houve a melhoria da condição de trabalho? Não. Essa reforma de tantos pontos precisa ser revista. Tanto é assim que o Supremo já declarou pelo menos dois pontos inconstitucionais”, afirmou o procurador-geral do Trabalho ao Poder Entrevista.
Pereira lembrou que é inconstitucional a restrição do acesso gratuito à Justiça, com a cobrança de honorários periciais e sucumbenciais dos trabalhadores. A ideia defendida à época era de que, com isso, haveria uma redução na judicialização de ações através de acordos, com a prevalência do negociado sobre o legislado. Contudo, o que se desenhou foi uma proibição da busca de trabalhadores por seus direitos ao estabelecer que estes deveriam arcar com os custos dos processos se perdessem as ações.
“Não se negocia da mesma situação quando se tem um desequilíbrio econômico muito grande. Quando o empregado se recusa a fazer determinada coisa, vai para a rua, perde o emprego. Então tem que ter um equilíbrio, e quem tem que fazer isso é o poder do Estado”, defendeu o procurador.
De acordo com o chefe do MPT, “o fato do Supremo reconhecer que há dispositivos inconstitucionais na reforma só demonstra que há a necessidade de, primeiro, um amplo debate – que não foi feito na reforma trabalhista, foi uma decisão do governo e pronto”.
“Precisamos fazer como foi feito na Espanha agora – já que queriam usar a experiência espanhola. Vamos chamar governo, trabalhadores, empregadores, sociedade civil. O Ministério Público do Trabalho se dispõe a ser um ator ativo e social nesse debate. E vamos ver os pontos que estão estrangulados, que não deram certo. Existem? Existem, porque a reforma não entregou o que prometeu. Então vamos buscar esses pontos. O Supremo já descobriu dois, vamos descobrir os outros e vamos sentar e fazer um ajuste dessa reforma. Acredito que sim, precisa de um ajuste, de uma reforma dessa reforma”, continuou.
O procurador afirmou que essa política que tenta impor o negociado sobre o legislado permitiu que os trabalhadores perdessem direitos previstos pela legislação trabalhista.
“O que eu aprendi desde a minha época de estudante é que a lei prevê o mínimo, o máximo pode ser negociado. Com essa inversão, o negociado começou a possibilitar que haja menos do que a lei prevê. Isso é uma inversão. Isso seria interessante se houvesse um equilíbrio de forças entre o empregado e o empregador, o que não tem! A regra é que o empregador tem um poder econômico muito superior ao do empregado. Não tem equilíbrio de negociação quando um lado é muito mais forte que o outro”, disse.
“Não funciona! Qual o primeiro ponto que você pensa numa relação de trabalho? Ter um emprego. Temos quase 15 milhões de pessoas desempregadas. Hoje a pessoa busca estar empregada, depois vai buscar outras coisas. Aí o trabalhador diz ‘não concordo que o senhor queira fazer com que eu trabalhe por 12 horas seguidas, sendo que tenho 8 horas de trabalho regulares, mais duas extras e o senhor quer mais duas extras’. Aí ele reclama disso, o que empregador faz com ele? Dispensa”, continuou.
Pereira afirmou que esse é um debate que precisa acontecer independente de quem esteja no governo no próximo ano.
“Independentemente de quem esteja no governo, na presidência da República, no governo do Estado ou na Prefeitura, você vai ter relações de trabalho sempre. O negociado sobre o legislado não pode ter. Igual a questão da vacinação, não pode ter política nisso, no caso da vacina você tem a ciência. No caso do negociado sobre o legislado, a juridicidade demonstra que hoje não está funcionando”, completou.
Pontos que precisam ser revogados
Para o procurador, há outros pontos que são prejudiciais aos trabalhadores e que precisam ser revogados. Dentre eles, está o dispositivo que permitiu o trabalho da gestante em ambientes insalubres. “É um ponto que tem que ser desfeito!”, defendeu.
Pereira defendeu que os ataques feitos às organizações sindicais também precisam ser revogados e defendeu que “deve ser discutida uma forma de garantir o fortalecimento do sindicato, que é um fortalecimento necessário porque o sindicato faz um grande papel”.
Entre os ataques aos sindicatos está a retirada da participação das entidades representativas dos trabalhadores para participar da rescisão contratual. “Esse é um ponto que não foi bom, porque retira força do sindicato. O próprio imposto sindical, que foi retirado. Da forma que fizeram, o sindicato perde muita força e isso é ruim para a sociedade”, disse.
“Uma coisa é a pessoa na empresa que trabalha reclamar de algo a que você tem direito, outra é o sindicato dizer, sem mencionar seu nome para te manter protegida. O sindicato é necessário! Tem ambientes de trabalho que são perigosos, insalubres e que precisam de alguém para proteger o trabalhador. Esse alguém tem que ser o sindicato”, disse o procurador.
“Esse é um dos pontos, mas tem outros que precisam ser discutidos para melhorar as relações de trabalho.
Pandemia e trabalho
O procurador José de Lima Ramos Pereira condenou a proposta de redução do tempo de isolamento dos trabalhadores diagnosticados com Covid-19, permitida em janeiro pelo Ministério da Saúde. “Não adianta encurtar etapas porque pode haver um mal maior, a contaminação. Eu, no lugar do empregador, adotaria, pelo princípio da precaução, um tempo de pelo menos 7 dias, que é o tempo que a Sociedade Brasileira de Infectologia diz que é o melhor”, disse.
“Todo local de trabalho tem que ser preservado. O responsável por isso é o empregador. A ele, cabe garantir que o meio ambiente seja saudável para os empregados. O 1º passo é exigir a vacinação das doses necessárias, pelo menos da dose única ou das duas doses”, continuou o procurador.
De acordo com o procurador, em caso de contaminação no local de trabalho, o empregador pode ser responsabilizado nas esferas trabalhista, cível, administrativa e, em alguns casos, até penal, mesmo com a nova regra do governo federal. “O empregador não tem como se justificar dizendo que o governo fala que é 5 dias [de afastamento]. Ele é dono do negócio. Ele que decide. Não vai ser o governo que vai decidir por ele”, afirmou.