Profissionais de saúde do interior do Amazonas estão relatando o caos que enfrentam para tentar atender a população altamente atingida pelo coronovírus, em uma região do estado onde ficam 13 das 20 cidades brasileiras com a maior proporção de moradores infectados.
No município de São Gabriel da Cachoeira, médicos estão tendo que fazer vaquinha para comprar oxigênio para pacientes intubados. No dia 9 de maio, o estoque de cilindros se esgotou e funcionários do hospital tiveram de improvisar para impedir uma tragédia.
Segundo os profissionais, foi feita vaquinha para comprar cilindros de oxigênio industrial em oficinas da cidade. Ainda que o uso desse tipo de oxigênio seja contraindicado para fins hospitalares, pois não é certificado por órgãos sanitários, ele é compatível com os respiradores e tem a mesma composição que o oxigênio medicinal e garantiram a sobrevivência dos pacientes no período até que chegasse o novo carregamento de oxigênio hospitalar
Até 26 de abril a cidade não possuía nenhum caso de Covid-19. Agora, São Gabriel da Cachoeira já tem 516 casos, com 15 óbitos. Segundo os líderes comunitários, o número de mortes é provavelmente maior, pois nem todos os doentes que apresentaram sintomas foram examinados antes do óbito.
O município está localizado na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, aumentando a preocupação da chegada do vírus às comunidades indígenas. Segundo o Censo de 2010, 76% dos moradores de São Gabriel são indígenas, maior proporção entre todos os municípios do país.
Os indígenas são considerados especialmente vulneráveis à covid-19 por conta de hábitos que tendem a facilitar os contágios, como o compartilhamento de objetos e especialmente por conta da fragilidade, ou ausência, da assistência médica em seus territórios. Mesmo antes da epidemia, doenças respiratórias já eram a principal causa de morte entre os grupos.
Mais da metade dos 45 mil habitantes de São Gabriel da Cachoeira vive fora da cidade, em comunidades nas Terras Indígenas Alto Rio Negro, Balaio e Yanomami. Só se chega de barco ou avião ao município, que tem área equivalente à de Portugal.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 110 indígenas já morreram de covid-19 no país, e houve casos registrados em 53 etnias. A organização também abarca os que vivem em cidades. Já o Ministério da Saúde considera em suas estatísticas sobre indígenas apenas os grupos que moram em aldeias.
O maior número de casos registros de covid-19 em São Gabriel da Cachoeira se concentra na zona urbana, mas equipes de saúde têm atendido cada vez mais casos nas aldeias.
Segundo os profissionais entrevistados, já houve ocasiões em que praticamente todos os membros da comunidade apresentavam sintomas da doença. Porém, com apenas 200 testes para todas as 733 comunidades da região, poucos pacientes têm feito o exame.
A explosão de casos em São Gabriel da Cachoeira lotou o único hospital da cidade, gerido pelo Exército. Há 15 respiradores mecânicos na unidade, todos ocupados atualmente, e nenhuma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Os pacientes entubados são transferidos de avião assim que surgem vagas em Manaus.