Contrariando um movimento em todo o mundo de retomada dos serviços de saneamento para o controle estatal, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, enviou projeto de privatização da Sabesp para a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), nesta terça-feira (17), em caráter de urgência.
Apresentado sob o argumento de que a privatização reduziria a tarifa e aceleraria a universalização do serviço, o projeto de Tarcísio vem sendo criticado por especialistas e parlamentares, que denunciam que o objeto do governador é apenas o de atender aos interesses do mercado, entregando uma empresa eficiente e lucrativa à administração privada.
De acordo com o deputado estadual Emídio de Souza (PT), que coordena a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp na Alesp, o argumento de que a privatização vai reduzir a tarifa é falsa. “Essa história de que [a privatização] reduziria a tarifa é uma balela do Tarcísio. Tanto que o estudo que o IFC [Insttuto contratado pelo governo] fez não conclui isso. Fala que o único jeito de baixar a tarifa da Sabesp é utilizar os recursos da própria privatização. Ou seja, pela equação econômica desenhada para o futuro da Sabesp, não se sustenta a ideia de reduzir tarifa. Usar dinheiro da privatização [para esse objetivo] é subsidiar, é o governo fazer um subsídio à tarifa que não faz hoje com ela sendo pública”, afirmou, em entrevista à Folha de S. Paulo.
‘O problema é: o Tarcísio prometeu isso para o mercado, quer entregar, mesmo sem ter justificativa. Ele quer entregar de qualquer forma”, completou Emídio.
O deputado afirma que não há razão plausível para a privatização. “A Sabesp é uma empresa extremamente lucrativa, tecnicamente super bem-situada. Seu serviço de água e esgoto está entre os melhores do país, incluindo serviços já privatizados. O preço que se cobra aqui, é impressionante a diferença comparando com lugares onde é privatizado”, disse.
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema), José Faggian, é necessário que os parlamentares da Alesp fiquem atentos com essa obsessão do governador de entregar a Sabesp para o setor privado se apropriar de seu lucro. “O saneamento tem uma relação direta com a saúde da população. Como toda empresa privatida, vai ter como objetivo principal o lucro e vai colocar em risco a saúde do povo de São Paulo.”
“A Sabesp é uma empresa extremamente eficiente e que presta um serviço de saneamento de excelência e, nos municípios onde opera, já possui quase a totalidade dos serviços universalizados. Além disso, a Sabesp é uma empresa bem avaliada pela população de São Paulo e que já deixou claro, em pesquisa divulgada recentemente pelo DataFolha, que é contrária à privatização”, completou Faggian.
De acordo com o estudo O Futuro é Público, publicado em 2017, do início dos anos 2000 para cá, foram registrados 267 casos de “remunicipalização”, ou reestatização, de sistemas de água e esgoto no mundo.
O estudo demonstrou que o movimento dos países ao redor do mundo é o de reestatizar os serviços de saneamento e não de privatizá-los. As experiências de cidades que recorreram a privatizações de seus sistemas de água e saneamento nas últimas décadas decidiram voltar atrás e reestatizar o serviço. A lista inclui cidades como Berlim, Paris, Budapeste, Bamako (Mali), Buenos Aires, Maputo (Moçambique) e La Paz.
De acordo com a primeira edição, entre 2000 e 2015, foram identificados 235 casos de remunicipalização de sistemas de água em 37 países e 267 cidades que reestatizaram os serviços. Ainda segundo o estudo, cerca de 90% dos sistemas de água mundiais são de gestão pública.
Desde o início das discussões sobre uma possível privatização da empresa, entidades, parlamentares e especialistas têm alertado que as experiências de privatização, no Brasil e no mundo, têm como característica o aumento das tarifas e a queda da qualidade dos serviços. Isto porque o objetivo de uma empresa gerida pelo setor privado tem como princípio a garantia de lucro, enquanto o setor público tem como característica atender a população.
O estudo mencionado aponta para incompatibilidades entre o papel social de uma companhia de água e saneamento com as necessidades de um grupo privado. “Os serviços providos são direitos humanos fundamentais, atrelados à saúde pública e que, pelas especificidades do setor, precisam operar como monopólio. Com a concessão para grupos privados, a lógica de operação da companhia muda completamente. Os ativos não pertencem mais ao público. Ela passa a ter que gerar lucros e dividendos que sejam distribuídos para acionistas […] O risco é enorme. Sistemas de água não pertencem ao governo, e sim ao povo. Se esse direito se perde, torna-se mais difícil implementar políticas públicas”, disse Satoko Kishimoto, uma das autoras da pesquisa, à CNN.
O deputado estadual Guilherme Cortez (Psol) também se manifestou, afirmando que “Tarcísio quer aprovar no tapetão, mas vamos até o fim para impedir que nossa água seja privatizada, que a tarifa aumente e o saneamento básico seja ameaçado”.