“Tenho enorme dúvida sobre a autonomia concreta que o senhor tem à frente do ministério”, comentou o senador, sobre em razão da não efetivação da médica infectologista Luana Araújo
“Ministro, eu acredito na sua boa vontade, acredito na sua boa-fé, na sua competência até, mas tenho uma enorme dúvida sobre a autonomia concreta que o senhor tem à frente do ministério”, questionou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
“É muito estranho, ministro, é muito estranho quando o ministro convoca talvez para num momento, convida uma pesquisadora de altíssimo nível que impressionou a todos nós aqui para ocupar o cargo mais importante do Ministério da Saúde e talvez do Brasil nos dias de hoje, que é a Coordenação de Combate à Pandemia, e 15 dias depois o senhor mesmo desconvida”. Na verdade, a médica ficou no ministério apenas 10 dias.
“É muito, muito estranho. Não é normal, não é usual”, criticou o senador cearense.
CARGO TÉCNICO E NÃO POLÍTICO
O senador questionou a não efetivação da médica infectologista Luana Araujo. “E vi palavras diferentes de vossa excelência sobre o assunto: uma, se não me engano, na Câmara, em que o senhor disse que vive num regime presidencialista e que ela passou pelo crivo técnico, mas não passou no político.”
“E o crivo político é do regime presidencialista”, disse o senador.
“Isso não é assim, ministro, não é assim. Um cargo dessa importância nesse momento não é através de uma indicação política ou ‘desindicação’ política que é tratado, de maneira nenhuma”, pontificou.
“É preciso aquele que tem firmeza da sua autonomia defender o ponto de vista e dizer que não aceita nenhum tipo de interferência política numa solução desse problema e dessa importância”, emendou.
“Aqui, já o senhor disse que foi vossa excelência mesmo quem resolveu, não foi a Presidência da República, não foi o Palácio do Planalto, foi vossa excelência, e disse que desistiu para harmonizar sobre diferenças médicas”.
“Vossa excelência — já disse aqui com toda clareza — sabe que não existe diferenças médicas. A ciência é uma só. E o ponto de vista da doutora Luana é o mesmo que o seu, que o senhor disse aqui. As diferenças médicas que existem em relação principalmente ao tal ‘tratamento precoce’, nós sabemos de onde vêm: é a política.”
“E nós sabemos que política é essa e da onde vem. Isso me deu uma grande decepção, não em relação a vossa excelência, mas em relação à autonomia de que eu já vinha, de uma maneira ou de outra, duvidando um pouco dessa autonomia”.
COPA AMÉRICA
“Depois, vem a questão da Copa América”. “Não tem nenhum sentido, ministro, se fazer uma Copa América que outros países negaram. Por quê? Por que a Copa América no Brasil? Para o povo que está cansado com a pandemia se divertir um pouco com futebol? Isso não é verdade”, questionou o senador.
“Não tem público. Ele vai assistir pela televisão. Se ele vai assistir pela televisão, tanto pode ser aqui quanto poderia ser na Argentina, no Chile, no Uruguai. Não tem nenhuma vantagem para a população brasileira, mas tem vontade”, afirmou.
“O senhor mesmo reconheceu aqui que tem risco, justamente no momento em que eu tenho ouvido todos os especialistas, e agora ouvi de vossa excelência mesmo, dizerem que no momento a pressão sobre os hospitais públicos e privados já começa a aumentar. E todos os especialistas, especificamente de São Paulo, já estão garantindo que nós estamos a 10 dias de viver uma segunda onda violenta”, criticou.
“Eu não sou médico, mas se eu fosse ministro da Saúde, eu ia perder… Para que correr esse risco? Se não traz nenhuma vantagem, nem financeira, nem para a população, nem divertimento, nem de poder desopilar um pouco. Para que correr esse risco? Tenho certeza de que, se o senhor não disse, teve vontade de dizer”.
POUCA CRENÇA NA AUTONOMIA
“E o terceiro ponto que reafirma essa minha pouca crença na sua autonomia é evidente, é claro que é a questão do distanciamento social e do uso de máscara. Não é possível, ministro”, sobre os protocolos que o ministro orienta como médico e o presidente, por exemplo, não segue.
“Não é possível que o Ministério da Saúde dê uma diretriz e o presidente da República, que não é uma pessoa física — o presidente da República é uma instituição que lidera e faz referência no País —, desorganiza e boicota as suas orientações”, pontificou o senador.
“No dia seguinte em que vossa excelência faz uma recomendação pelo distanciamento social e o uso de máscara, ele faz o contrário, justamente o contrário, ou seja, estimula a aglomeração, estimula o não uso de máscara e, consequentemente, estimula e provoca o aumento de casos e, por consequência, de óbitos.”
“Tenho certeza de que, por não ter essa autonomia, ainda não se indignou contra isso. A omissão é um erro, às vezes, mais grave do que uma ação errada, ministro”, destacou.
M. V.