Líderes do Trabalhismo inglês começam a reconhecer que suas enormes perdas gerais nas eleições se deveram “à sua posição ‘neutra’ no Brexit”, registrou o jornal progressista The Morning Star.
“Uma série de fortalezas trabalhistas caiu pela primeira vez desde a criação do partido para os conservadores, enquanto o voto pró-permanência do Trabalhismo em vários distritos eleitorais foi dividido pelo SNP e pelos democratas liberais”, assinalou o Star.
Os fatos chocantes incluíram a perda de mandato em Bolsover do socialista pró-Brexit Dennis Skinner, que ele mantinha há 49 anos.
Jeremy Corbyn se declarou “muito triste” com os resultados e anunciou que não lideraria o Partido Trabalhista em outra eleição geral.
Após classificar os resultados que deram uma maioria aos conservadores de 80 cadeiras de “decepcionantes”, ele reiterou “se orgulhar” do programa progressista com que seu partido se apresentou para a eleição”.
O líder trabalhista indicou que vai deixar o cargo “no início do próximo ano” após um “processo de reflexão”, após pressões de parte da ala blairista que quer seu imediato afastamento, e tenta jogar sobre Corbyn o peso da derrota, para a qual eles tanto contribuíram, com seus arreganhos neoliberais, e sua tentativa de fazer do partido a legenda do “permanecer” e disposição em refazer o plebiscito até que o povo ‘votasse certo’.
SINUCA DE BICO
Corbyn assinalou que “a eleição foi definida pelo Brexit, e nós, como partido, representamos pessoas que votaram em Permanecer e Sair”. “Minha estratégia inteira era ir além da divisão do Brexit para tentar reunir as pessoas, porque, em última análise, o país precisa se unir.”
Já se sabe que essa estratégia não resistiu ao teste das urnas.
O secretário-paralelo de Justiça Richard Burgon, também insistiu que o Partido Trabalhista perdeu principalmente devido ao Brexit. Ele disse: “Em 2017, com o mesmo líder e um manifesto semelhante, conquistamos três milhões de votos. O que mudou? Isso se tornou uma eleição pelo Brexit”.
“Reconquistar os eleitores que perdemos e reconstruir exigirá uma análise cuidadosa. Assim como quando perdemos cinco milhões de votos de 1997 a 2010, apoiando a austeridade e a guerra”, sublinhou.
CORO BLAIRISTA
A ala blairista, que fez com suas políticas o partido perder 5 milhões de votos e afastar boa parte das bases com seu adesismo ao neoliberalismo e à subserviência a Washington, e que era entusiasta dos laços com Bruxelas, agora tenta fazer do resultado um pretexto para o retorno ao seu fracasso.
A deputada Margaret Hodge, que há muito tempo faz coro com aqueles que acusam o partido e Corbyn de anti-semitismo, “negou que a derrota fosse devida ao Brexit e alegou que o resultado representava a rejeição de todo o projeto socialista sob Corbyn e seus índices de popularidade”.
No programa da BBC sobre as eleições, o cineasta Ken Loach disse que Corbyn recebeu “torrentes de abuso” “fora de escala” em comparação com outros líderes trabalhistas, que o classificavam de racista [anti-semita] desde o primeiro dia de sua liderança, que se intensificou à frente de eleições – e ao qual se somaram inclusive altas figuras da Igreja Anglicana e o rabino-chefe de Londres.
CAMBRIDGE ANALYTICA
Nas eleições, enquanto poupava o louro Boris, que podia inclusive faltar a debates na maior cara de pau, a mídia era impiedosa contra Corbyn, ecoando a campanha suja.
Além da profusão de fake news para arrastar incautos para odiar imigrantes em áreas em que a presença de imigrantes era um problema mínimo ou inexistente, graças àqueles métodos do escândalo da Cambridge Analytical, a ala extremista dos Tories também mostrava Corbyn, em cartazes parecendo “ser da porta do inferno”, com ele com feições demoníacas, e advertências de que ele queria tirar ou taxar a propriedade.
Após o Brexit propriamente dito, marcado – agora mais ou menos – para 31 de janeiro por Boris Johnson, esse biombo cai, e o país volta a se defrontar com os males que o afligem, com todos os conflitos concernentes.
Como registrou o Star, o fato de ter sido eleito um dos piores parlamentos da história britânica não quer dizer que a crise política, econômica, social e nacional que a Grã Bretanha enfrenta acabou.
O que passará ao centro do palco é a discussão se o Brexit é para ser “direto no colo de Trump” ou não, se a conversa de BoJo de que não há plano para entregar o serviço público de saúde (NHS) aos cartéis hospitalares norte-americanos é verdade ou não, como vai espremer a Grã Bretanha inteira para manter na nova situação os privilégios exorbitantes da City londrina (o centro de especulação mundial de Londres) e da realeza quase moribunda, como vai manter os escoceses fora da União Europeia, em que termos vão ficar os laços com o principal mercado dos britânicos, o europeu. E outras escolhas difíceis, para as quais o arrivismo e a falta de senso do “Trump britânico” são insuficientes para abafar. Sem falar que as perspectivas econômicas do país, conforme o próprio Banco da Inglaterra, não são brilhantes, para ser o mais otimista possível no momento.
A.P.