A prisão dos quatro foi decretada, mas, o Tribunal de Justiça (TJ) concedeu um habeas corpus preventivo em favor de um dos réus, o que fez suspender a execução da pena
Após 10 dias de julgamento e quase nove anos de espera, o Tribunal do Júri do Foro Central de Porto Alegre condenou pela morte de 242 pessoas os quatro réus acusados do incêndio da boate Kiss: Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Lodeiro Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão. A sentença começou a ser lida na tarde desta sexta-feira (10).
O incêndio na madrugada de 27 de janeiro de 2013 em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, deixou 242 pessoas mortas e outras 636 feridas. As vítimas, em sua maioria, eram jovens estudantes com idades entre 17 e 30 anos, moradores da cidade universitária. A justiça decretou as seguintes condenações:
- Elissandro Spohr, sócio da boate: 22 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual;
- Mauro Hoffmann, sócio da boate: 19 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual;
- Marcelo de Jesus, vocalista da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual;
- Luciano Bonilha, auxiliar da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual.
O cumprimento da pena se daria em regime fechado e, por ser superior a 15 anos, seria executada de forma provisória. A prisão dos quatro foi decretada pelo magistrado. No entanto, Faccini Neto recebeu a comunicação de que o Tribunal de Justiça (TJ) concedeu um habeas corpus preventivo em favor de um dos réus, o que fez suspender a execução da pena dos quatro. Portanto, nenhum deles foi preso.
“No caso como o presente, é preciso referir que se está diante da morte de 242 pessoas, circunstância que, na órbita do dolo eventual, já encerra imensa gravidade”, disse o juiz Orlando Faccini Neto.
A tragédia é a maior ocorrência em número de vítimas na história do Rio Grande do Sul e a segunda do Brasil, atrás apenas do incêndio do Gran Circo Norte Americano, em Niterói (RJ), que deixou 503 mortos em 1961.
O juiz Orlando Faccini Neto destacou como chegou às decisões das penas. “Eu cheguei na pena a partir de critérios alusivos a particularidade de cada um dos acusados explicitados na decisão que é longa, que eu não li na sua inteireza, que pertence a um processo, portanto pública, pode ser lida, e naturalmente alguns haverão de concordar, outros vão discordar”.
Faccini Neto também foi questionado sobre o habeas corpus e se a decisão seria uma frustração. “Eu não digo que é uma frustração, a minha decisão explicita as razões pelas quais me parece que no tribunal do júri, como diz a lei e como vem dizendo o STF, deflagra-se a execução da sentença, agora há pontos de vista contrários, e como juiz eu não tenho outra alternativa a não ser respeitar”.
A realização do júri encerra uma longa espera de familiares, sobreviventes, réus, testemunhas e também da comunidade de Santa Maria. No plenário onde as audiências foram realizadas, em tendas de familiares montadas ao lado do fórum e na cidade onde ocorreu a tragédia ou pela cobertura da imprensa, a expectativa do público pelo desfecho era grande.
Passados mais de 3,2 mil dias desde o incêndio, o caso foi analisado pela polícia e pelo Ministério Público, chegando ao Poder Judiciário. O período se deve a inúmeras etapas do processo, entre apresentação da denúncia, recursos, embargos e pedidos de desaforamento e desmembramento do júri.
Com as sentenças definidas, tanto os réus quanto o MP podem recorrer da decisão, mas os tribunais só poderão modificar a pena ou determinar a realização de novo julgamento, sem modificar a decisão dos jurados.
CONQUISTA DA SOCIEDADE
Após o resultado do julgamento da Boate Kiss desta sexta-feira, o presidente da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Flavio Silva, concedeu entrevista coletiva na saída do Foro Central de Porto Alegre. Silva resumiu a decisão como uma “conquista da sociedade”.
“Isso prova que, durante oito ou nove anos, nossa luta foi valorizada e teve sentido. E é chegado o dia em que nós alcançamos esse objetivo”, frisou. O júri condenou os réus Elissandro Spohr (22 anos e 6 meses), Mauro Hoffmann (19 anos e 6 meses), Luciano Bonilha e Marcelo de Jesus (ambos 18 anos) pelas mortes de 242 pessoas e ferimentos de mais de 600 sobreviventes no incêndio da Boate Kiss, que ocorreu em 27 de janeiro de 2013.
Eles foram responsabilizados levando em consideração o dolo eventual. O juiz Orlando Faccini Neto anunciou as penas de cada um dos acusados após os jurados se reunirem na sala secreta. O presidente da associação reforçou que o resultado não trará as vítimas de volta, mas sim conseguir evitar que novas tragédias da Kiss aconteçam. “Valeu à pena a nossa luta. Foi muito cruel, mas conseguimos resistir. Isso só prova que nós fomos mais fortes que tudo isso”, enfatizou.
Questionado sobre o habeas corpus concedido aos réus, Flavio Silva disse já esperar o recurso. “Seja hoje, amanhã ou daqui a um mês, eles (réus) terão a prisão decretada”, desabafou. Conforme o presidente, agora, os familiares pretendem “desligar” do assunto e decretar “férias coletivas” a todos para um descanso.
A promotora Lúcia Helena Callegari, que representa a acusação no julgamento do caso Kiss, afirmou que o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) irá recorrer das penas imputadas pelo Júri aos quatro réus do incêndio da boate de Santa Maria, que deixou 242 mortos em 2013.
Já o promotor David Medina disse que espera que a defesa dos réus entrem com recursos à sentença nos próximos dias. O prazo para isso é de oito dias a contar de hoje. “Nós esperamos que as Cortes do Brasil façam a sua parte e não anulem o julgamento”, reforçou. Ao ser questionado se o resultado do Júri representou justiça aos familiares e sobreviventes, o Juiz Faccine Neto disse: “Quando os jurados decidem, creio que a resposta é sim”.
Depoimento de ex-prefeito gerou revolta
Um dos depoimentos mais aguardados ocorreu no oitavo dia de julgamento, quando o prefeito de Santa Maria à época da tragédia, Cezar Schirmer, deu seu depoimento sobre o incêndio. Arrolado como testemunha da defesa de Elissandro Spohr, o atual secretário de Planejamento e Assuntos Estratégicos de Porto Alegre disse que o Executivo municipal não teve responsabilidade alguma no que aconteceu na Kiss.
“Foi um incêndio, apenas um incêndio” disse Cézar Schirmer, prefeito de Santa Maria no ano da |Kiss.
Schirmer ainda criticou as investigações e o andamento do inquérito. “Desde o começo eu ouvi insinuações de que deveria estar aqui, não como testemunha, mas como réu. Não fiz nada!”, exclamou.
Em protesto ao depoimento do ex-prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, familiares das vítimas e sobreviventes da tragédia da Boate Kiss deixaram o plenário do júri do Foro Central, de Porto Alegre.
À época dos fatos, a investigação da Polícia Civil concluiu que o ex-prefeito estava entre os 28 responsáveis pelo incêndio que matou 242 pessoas na casa noturna. O inquérito contra o ex-prefeito foi arquivado pelo Ministério Público em 2016, que resolveu indiciar somente os quatro réus que foram julgados agora.