Ernesto Araújo, o ministro que se tornou mais conhecido pelo apelido que brotou das salas e corredores do bonito prédio do Itamaraty, Beato Salú, numa referência ao maluco que vivia pelas ruas na novela Roque Santeiro pregando e falando em nome de Deus, acaba de publicar um artigo (se é que podemos chamar de artigo um rosário de asneiras e inutilidades) intitulado Por um Reset Conservador-Liberal, no site metalpolíticabrasil.
Os leitores nada perderão se não lerem, pois, sendo da lavra de um ministro-chanceler de um país como o Brasil, seria no mínimo cômico, não fosse patético.
Trata-se de repetitiva ladainha do que Araújo tem exposto em suas redes sociais, abastecidas frequentemente pelo olavismo terraplanista e negacionista, que, nesses dois últimos anos, vicejou como praga na Esplanada dos Ministérios, apresentando-se, arrogante e adulteradamente, como uma ideologia oposta ao marxismo – um fantasma que ele e seu tutor da Virgínia veem por todas as partes, sempre a afrontar os princípios da liberdade e da dignidade humanas.
Por todas as partes, mesmo, tanto em matéria como em espírito. Senão vejamos onde rondam esses fantasmas odiados por Araújo, segundo a sua conceituação: “na grande mídia, no narco-socialismo, na corrupção, na bandidagem em geral, no sistema intelectual politicamente correto, no climatismo, no racialismo, no covidismo, no terrorismo, o multilateralismo antinacional (manipulado pelos organismos inernacionais), na ideologia de gênero, no abortismo, no trans-humanismo, no anticristianismo e a cristofobia, no esquema de alguns megabilionários ou trilionários, no elitismo transnacional e, finalmente, mas não menos importante para ele, conforme seus rabiscos denunciam, no marxismo de mercado megatecnológico ou neomaoísmo”.
Os contendores de Marx e do marxismo já tiveram porta-vozes muito mais qualificados. Somente um fenômeno tão mesquinho, rastejante e medíocre como o bolsonarismo poderia dar guarida a tamanha idiotice produzida por uma única mente e em tão pouco papel.
Segundo Araújo, os protagonistas dessas correntes se comunicam e se alimentam mutuamente com o objetivo de suprimir o maior dos bens do ser humano que é a sua liberdade, razão pela qual faz um apelo dramático, na inauguração do novo ano, aos liberais para se irmanarem aos conservadores na tarefa suprema de erradicar o “totalitarismo” em todas as suas formas de se apresentar.
Pois bem, para ele, os “totalitários” são os que pregam o “fique em casa” ou a obrigatoriedade da vacina no combate à pandemia que Araújo e seu chefe insistem em continuar ignorando, mesmo depois de uma verdadeira chacina que já abateu a vida de quase 200 mil brasileiros. São os que combatem atos de vandalismo, presenciais e digitais, contra a democracia e os poderes republicanos que a sustentam. São os que denunciam os falsos religiosos que abusam da fé alheia para se enriquecer. São os que defendem os direitos humanos. São os chineses com sua impressionante capacidade de superação na saúde pública, na economia e na solidariedade com os demais povos e nações.
Que “liberdade” e “dignidade” são essas pregadas por Araújo para o Brasil e os brasileiros?
A de permitir desmesurada afronta à vida, à democracia e aos direitos do povo como o faz crônica e renitentemente o (des)governo do qual participa?
A de se submeter cegamente aos interesses de uma superpotência e de bajular seu chefe de Estado derrotado, ao arrepio da história inigualável do Itamaraty na defesa de uma política externa independente?
De resto, o artigo não passa de uma coleção de clichês, de associações e de conclusões que beiram o ridículo, como, por exemplo, a dedução do que Araújo chama de “globalismo”: uma “globalização econômica capturada pelo marxismo, fenômeno que começou logo após o fim do bloco soviético e se intensificou a partir do ano 2000, embora seus impulsos destrutivos tenham raízes milenares”. Tal fenômeno, ao “esquecer o espírito, entregou-se inconscientemente ao comunismo em sua metástase pós-soviética, ou seja, o marxismo de Gramsci e da New Left (Nova Esquerda), da Revolução Cultural (tanto a ocidental quanto a chinesa)”.
O besteirol não para aí e é, mais uma vez, assestado contra a China: “o atual modelo maoísta e sua expansão crescente pelo mundo é uma das principais expressões e resultados dessa triunfante penetração do capitalismo pelo marxismo”.
Muito já se escreveu nesses dois anos sobre as nefastas consequências políticas e diplomáticas resultantes da condução trágica que a figura caricata de Ernesto Araújo e seu olavismo contumaz deram ao Ministério das Relações Exteriores. Certamente, muitas outras análises virão durante e após sua tão esperada saída do cargo que ocupa para desonra da diplomacia brasileira.
Todavia, o “artigo” em questão mereceria, mais do que uma análise política, um acurado exame de sanidade por parte de um especialista, tamanha a negação – e falsificação – da realidade objetiva.
Quem se atrever ao desafio, não esqueça a camisa-de-força. É bem provável que ela seja útil.
MAC