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O que seria pior do que o próprio ato de vandalismo contra a estátua de Jango, sendo esse um crime político ou não? Noticiado em jornais de grande circulação do Rio Grande do Sul, o ato criminoso ocorrido em uma madrugada na frente do prédio da Polícia Civil, chama a atenção por ter acontecido exatamente em São Borja. Se o mesmo tivesse acontecido em qualquer cidade Brasil já seria de se lamentar o ataque a uma das figuras públicas mais importantes da nossa história. Mas o que marca o fato, de forma mais negativa ainda, é que tal crime aconteceu na cidade natal de João Belchior Marques Goulart. E isso é um agravante!
Logo, analisar o ocorrido tão somente sob a ótica do dano ao patrimônio público torna-se muito raso, se considerado o simbolismo deste vandalismo em tempos em que somos governados por lideres que governam na contramão do legado de Jango. E é alarmante que na sua própria terra natal, essa consciência popular esteja se diluindo a cada dia que passa. São Borja é famosa em todo o país justamente por ser a “Terra dos Presidentes”. Porque histórica e sociologicamente falando, é muito incomum que uma cidade de pouco mais de 60.000 habitantes seja o berço de dois Presidentes: Getúlio Vargas e de João Goulart. Parece-me que em São Borja isso não é valorizado com o nível de importância que deveria ser.
A Associação dos Amigos do Memorial João Goulart, que tem como principal objetivo justamente a preservação do legado do Presidente Jango, registrou uma ocorrência policial para que as autoridades esclareçam o fato. Colocamo-nos à disposição para arrecadar o recurso necessário para a restauração da estátua, de autoria do nosso brilhante artista conterrâneo Rossini Rodrigues. Porém desde já vamos advertir que reparar um dano material é muito simples. A nossa missão deve ir muito além, pois o que verdadeiramente importa é restaurar o patrimônio imaterial, de um Presidente nascido em São Borja que serve de exemplo para todos aqueles que buscam a justiça social no Brasil. Esse patrimônio político é apartidário, é orgulhosamente honrado e principalmente, muito atual. Não há como se falar em São Borja sem falar em Jango.
Então, o que realmente deve ser percebida é a falta de estrutura educacional, sócio-educativa e até mesmo familiar, de jovens que destroem a figura de Jango, simplesmente por expressar a sua revolta que sequer é identificada. E nisso o poder público tem responsabilidade, no momento em que falha em ações educativas que despertem a consciência crítica da cidadania.
E assim, vamos perdendo os nossos jovens, para uma sociedade contaminada pela ignorância, pela falta de razão de viver. Por isso, não se trata apenas de restaurar a mão depredada de Jango e recolocar uma cuia de chimarrão em sua mão. O principal é conhecer com profundidade o amor que esse homem dedicou para o seu país, seja como um humanista, ou como um líder pacifista e democrata que quis um dia realizar as reformas de Base em nossa Nação. Nenhum outro Presidente teve a coragem de buscar aplicação na prática das reformas estruturais e institucionais que colocariam a grande massa de excluídos econômica, política e socialmente, dentro de um processo de evolução natural de nosso país.
E triste a realidade da prática criminosa de pessoas alienadas, sem esperança nenhuma em seus homens públicos e condenados a viver uma vida sem rumo.
Mas ainda há algo muito pior do que isso. Refiro-me aos crimes que Jango sofre diariamente mediante calúnias, difamações e ignorância de toda sorte, por parte de raivosos que buscam tão somente seus privilégios econômicos individuais, e que não querem um povo livre, vivendo dentro de uma ordem justa e soberana. Esses são os que cometem os crimes políticos, os que trabalham na direção oposta à sociedade vislumbrada um dia por Jango.
Quem nos governa hoje, são os algozes da memória de Jango, e isso deve ser bem esclarecido. Vale lembrar que o Bolsonarismo e seus apoiadores prestam homenagens aos Ditadores Militares, os mesmos que condenaram Jango à sua morte até hoje suspeita no exílio. Logo, essa reflexão deve ser feita, até porque a demagogia em excesso não deve passar despercebida. Porque a hipocrisia também é uma agressão contra o legado de João Goulart.
A sugestão que apontamos é uma grande mobilização cultural e educacional, para que o filho ilustre de São Borja tão injustiçado durante a sua vida, não continue sendo agredido, passados 45 anos de sua morte. Neste mundo desnorteado que vivemos, onde os agentes públicos se prestam risonhos e patéticos para serem despachantes de uma burocracia a serviço de interesses financeiros, ser portador de uma mensagem de causa trabalhista definida, ter uma razão para viver, é motivo de garantia certa para caminhar com dignidade e de cabeça erguida. Lembrando que a omissão nunca será a solução, pois quem se omite se posiciona sempre a favor dos opressores. Eis a razão pela jamais vamos nos omitir! Continuaremos permanentemente sentinelas na defesa do legado heroico de João Goulart.
(*) Christopher Goulart é presidente da Associação dos Amigos do Memorial João Goulart. Publicado originalmente na Folha de São Borja