Violência começou sem nenhum motivo. Documento interno afirma que ordem para atirar partiu do Comando Geral da Polícia Militar. Comandante foi afastado pelo governador Paulo Câmara
Um documento interno da PM de Pernambuco revela que a ordem para dispersar manifestantes que protestavam pacificamente, no Recife, no dia 29 de maio, contra o governo Bolsonaro, e que feriu gravemente duas pessoas que não eram manifestantes, teria sido dada pelo Comando Geral da Polícia Militar.
IMAGENS NÃO CONFIRMAM VERSÃO APRESENTADA
A vice-governadora, Luciana Santos, condenou a violência já no momento e, que ela ocorria. O governador Paulo Câmara, em seguida, afastou todos os envolvidos na ação descabida contra a população. Câmara afastou também o comandante da PM. Em entrevistas à TV Globo na última semana, o governador afirmou que a ordem para atirar nos manifestantes não partiu da cúpula do governo.
CÚPULA DA PM FOI AFASTADA
O relato feito pelo documento interno da PM, de que a tropa teria sido agredida pelos manifestantes, se choca com os relatos feitos por várias pessoas e pelas duas vítimas que perderam a visão. “Não estava tendo tumulto, não estava tendo nada e, de repente, vários disparos”, contou Daniel Campelo, de 51 anos, que foi atingido nos olhos e perdeu a visão. Ele não estava na manifestação e disse que tinha ido comprar material de trabalho quando foi impedido.
PROVOCAÇÃO COVARDE
“Eu levantei as minhas mãos antes que acontecessem os disparos, levantei as mãos e disse: sou um trabalhador, sou um pai de família”, disse Daniel, antes de ser alvejado covardemente. “Eles podiam me imobilizar, eu estava com os braços levantados, aí não teve tempo, foram vários disparos”, acrescentou Daniel. “Alguém tentou me levantar para ajudar, mas os tiros não cessaram”, denunciou.
De acordo com o documento, os policiais reagiram a agressões dos manifestantes. Além disso, o relato termina com a afirmação de que “toda ação foi pautada pela legalidade e com determinação dos escalões superiores”. O documento é assinado pelo 2º tenente Tiago Carvalho da Silva, que estava na função de comandante de prontidão. Isso significa que ele foi escalado para trabalhar no plantão do dia e estava no Batalhão de Choque da PM acompanhando a atuação dos policiais durante a manifestação.
MANIFESTANTES USAVAM MÁSCARA
O documento prossegue com uma descrição cronológica que não condiz com as imagens registradas no momento em que ocorria. Consta no documento da PM que houve uma dispersão inicial dos manifestantes, mas eles teriam voltado a se reunir na Avenida Conde da Boa Vista, próximo ao Cinema São Luiz. “Neste momento, a Tropa de Choque ficou postada (formação em linha) no cruzamento da Rua do Sol com a Av. Guararapes, fazendo novamente a ação de presença policial e esperando novas determinações superiores”, segundo o relatório.
Após uma nova ligação do coordenador do Copom “informando que a determinação do Comandante Geral da PMPE era dispersar todos os manifestantes que estavam presentes naquele local”, os policiais avançaram em direção aos participantes do protesto. De acordo com o documento, “para tentar, com a ação de presença, dispersá-los, porém sem êxito, pois os manifestantes começaram a arremessar pedras e paus contra o policiamento”, conforme relatado no texto.
Segundo a descrição do policial que assina o documento, para “resguardar a integridade do efetivo e para restabelecer a Ordem Pública, foi utilizado o uso escalonado da força com materiais de menor potencial ofensivo, para que os manifestantes dispersassem”. O relatório também informou que a dispersão ocorreu da Ponte Duarte Coelho até o Tribunal de Contas, na Rua da Aurora.
Além das imagens desmentirem o documento, o relato feito por Jonas Correia de França, de 29 anos, que chegava ao Centro para comprar carne, a pedido da esposa, e que foi atingido no olho por uma bala de borracha, revela a covardia com que os policiais agiram. Ele falava com a esposa no celular quando os policiais se aproximaram. Ele se dirigiu aos militares para avisar que não estava na manifestação e foi recebido à bala.
MIROU NO MEU OLHO E ATIROU
“Eu disse a ele, ‘eu tô no protesto não, sou trabalhador, acabei agora de descarregar um contêiner’. O policial saiu de trás, deu dois passos, mirou e deu um tiro no meu olho. Na mesma hora, já entrei em desespero porque essa visão apagou na hora”, conta Jonas. os dois atingidos pediram ajuda aos policiais para que os ajudassem, mas foram deixados de lado pelos policiais.
A Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) investiga a omissão de socorro a Daniel Campelo. Além disso, o Ministério Público de Pernambuco abriu um inquérito civil sobre a ação truculenta da PM. O policial responsável pelo tiro que atingiu Jonas Correia foi afastado disciplinarmente pela Corregedoria. Há imagens mostrando o momento em que ele, ferido, pede ajuda e não é atendido.
TIROS NA CABEÇA
Além de iniciarem a violência sem que houvesse nenhuma transgressão por parte dos manifestantes, os policiais, descumprindo todos os protocolos de segurança, atiraram na cabeça das pessoas, quando a orientação no uso dessas armas não letais, é atirar nas pernas. No caso de Jonas, o soldado atirou em seus olhos no momento em que este dizia que não estava participando da manifestação. Ainda foram flagrados atirando em direção aos prédios ao redor para aterrorizar moradores que filmavam a selvageria.
Desde o dia do ataque aos manifestantes, além da troca do comando da PM e da saída do secretário de Defesa Social, o governo de Pernambuco afastou oito policiais militares que estavam na operação: um major, um capitão, um tenente, dois sargentos e três soldados. o titular da SDS, Antonio de Pádua, deixou o cargo na sexta-feira (4), sendo substituído interinamente pelo então secretário executivo Humberto Freire.
S.C.