O Monitor do Debate Político em Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP) realizou uma ampla investigação digital sobre o jovem responsável pelo assassinato de dois adolescentes em um atentado a uma escola em Cambé, no interior do Paraná, e descobriu que o criminoso antecipou o planejamento do atentado em vídeos e mensagens nas redes sociais, além de ser envolvido com comunidades online que disseminam ódio.
A nota técnica produzida pelo Monitor do Debate Político em Meio Digital com base nas investigações do órgão, confirma o indício que já havia sido apontado pelo Relatório final de 2004 da Iniciativa Escola Segura, um trabalho conjunto do Serviço Secreto americano e o Departamento de Educação (o equivalente americano ao Ministério da Educação brasileiro) para analisar ataques a escolas no pós-Columbine.
Outro indício registrado na nota técnica é de que o assassino comprou uma arma, informação que consta em um tuíte de abril deste ano. O interesse e a procura por armas é outro marcador importante no comportamento de responsáveis por atentados violentos como o de Cambé.
“Encontramos suas pegadas digitais em duas plataformas: Facebook e Twitter. A radicalização do agressor ocorre há um longo período: 4 anos segundo ele próprio admitiu em depoimento, e um tuíte em seu perfil (agora suspenso) no Twitter indica que em abril deste ano ele adquiriu a arma de fogo utilizada no ataque. O agressor utilizou marcadores estéticos e culturais recorrentes da subcultura tcctwt (True Crime Comunitty): referências ao massacre em Columbine; casaco do tipo sobretudo preto e camiseta branca com inscrição em língua russa da seguinte mensagem apocalíptica: “Страшный суд” [Juízo Final]”, diz a nota.
A nota técnica indica uma relação do assassino com outros conteúdos online de violência, como termos incel (celibatários involuntários), conteúdos de grupos terroristas como o ISIS e sobreposição de ideologias violentas, além de extrema misoginia.
“A misoginia extrema também está presente nas pegadas digitais do agressor, assim como a misantropia extrema. A sobreposição de ideologias nas pegadas digitais do agressor indicam a tendência observada em crescimento (a nível global) do extremismo violento composto, ou coloquialmente denominado como extremismo violento “buffet de saladas” , no qual os motivadores ideológicos não estão em categorias explicitamente definidas e há uma ampla sobreposição de conceitos e ideologias extremistas e queixas autopercebidas. Neste caso, houve sobreposição de conceitos aceleracionistas, subcultura online de violência extrema e glorificação de massacres, misoginia extrema e inspiração no extremismo violento/ terrorismo islãmico. As vítimas não tinham nenhuma relação pregressa com o agressor. Os alvos eram aleatórios, porém, o foco eram mulheres”.
O perfil do assassino no Twitter, usado no processo de radicalização e planejamento do atentado, está suspenso. Porém, outros perfis com mensagens semelhantes e conteúdo violento continuam disponíveis em redes sociais.
REGULAÇÃO
Frente a essa situação, o PL 2630, ou PL das Fake News, se torna ainda mais urgente. O projeto cria regras para criminalizar a divulgação de conteúdo falso e de ódio e responsabiliza redes por irregularidades cometidas em seus ambientes virtuais. É uma resposta direta aos massacres nas escolas.
Ataques como o de Cambé são estimulados por comunidades na internet. Essas comunidades, no passado, estiveram bem escondidas em canais de difícil acesso, mas agora operam à luz do dia no Twitter, no TikTok, no Discord. Por isso a regulação é fundamental, que exista as leis e que as empresas passem a ter de fazer esforços para moderar esses conteúdos de ódio.
Frente aos massacres, o governo criou um grupo 24h para investigar as redes sociais no que tange esses conteúdos extremistas. A Operação Escola Segura atua com ações preventivas e repressivas 24 horas por dia e não tem data para acabar.
DOENÇA SOCIAL
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, apresentou, na quinta-feira (22), durante entrevista coletiva no Palácio da Justiça, os mais recentes números relacionados à Operação Escola Segura, deflagrada em 5 de abril, para proteger crianças, adolescentes e toda a comunidade que atua em instituições de ensino.
De acordo com os números mais recentes, já foram efetuadas 368 prisões e/ou apreensões de crianças e adolescentes. E 1.595 crianças e adolescentes e/ou suspeitos foram conduzidos às forças policiais. Houve, ainda, 901 solicitações de preservação e remoção de conteúdos em plataformas de redes sociais e 384 solicitações de dados cadastrais em plataformas de redes sociais. Todo esse trabalho levou à geração de 3.396 boletins de ocorrências e a um total de 2.830 casos em investigação.
“Há psicopatas, sim, que cometem esses crimes nas escolas, mas, para além dos psicopatas, temos um ambiente social e institucional que empurra essas pessoas para o cometimento de crimes. Vejamos o que aconteceu na tragédia mais recente, em Cambé, no Paraná. Foi protagonizada por um cidadão com o engajamento de outros”, disse o ministro Flávio Dino.
Nesse sentido, afirmou o ministro, cada evento, cada tragédia, derruba por terra a ideia de que se trata de eventos isolados. “Torna-se evidente uma espécie de doença social. E isso se materializa com o uso de símbolos ligados ao neonazismo, pelo estímulo a práticas criminosas e mau uso da internet. A cada tragédia, além da solidariedade e do carinho com as famílias, temos que afirmar um caminho. Só é possível tratar desses casos tendo cuidado com os jovens e analisando as raízes sociais e institucionais que estão levando a uma situação inédita no Brasil: discurso de violência, armamentismo irresponsável e uso errado da internet. Se não enfrentarmos esses temas, as tragédias vão continuar ocorrendo. Nossas operações miram essa causa, para ter uma eficácia preventiva em relação às ocorrências”, explicou o ministro.
Além das ações de repressão imediata, o Ministério da Justiça e Segurança Pública determinou à Polícia Federal a instauração de inquérito para investigar e prender responsáveis por orquestrar e incitar os atos criminosos. No âmbito legislativo, o Governo Federal trabalha para retirar da Câmara dos Deputados o projeto de lei que prevê limitação na moderação de conteúdos nas redes sociais, o que dificulta severamente a remoção de publicações e a suspensão de perfis que infrinjam os termos de uso e violem direitos.