O principal destaque das primárias democratas no Michigan, que ocorreram na terça-feira (27) foi o voto de rechaço à cumplicidade do presidente Biden no genocídio de Israel em Gaza, expresso por 100 mil participantes, 13% do total, e convocado pela campanha “Ouça o Michigan”.
Na capital, Dearbone, o assim chamado voto “descomprometido” – em que a cédula era colocada na urna sem marcar o nome do candidato – chegou a 21%. Em Washtenaw, sede da Universidade do Estado, chegou a 17%. A campanha pelo “não compromisso” foi desencadeada por expressivas lideranças democratas de Michigan, que é o Estado norte-americano com mais moradores de ascendência árabe ou muçulmana, e ganhou peso também entre a juventude.
“Ouça a voz de seus principais eleitores e exija um cessar-fogo permanente agora e o fim deste financiamento incondicional e sem controle a Israel”, afirmou Layla Elabed, gerente da campanha e irmã da deputada Rashida Tlaib, chamando Biden a “ouvir a voz dos moradores do Michigan”.
Um estado-pêndulo, em 2020 Biden venceu a Trump por uma diferença de 155 mil votos. Mas, na eleição anterior, 2016, Trump venceu Hillary por 10.700 votos. O que é um décimo da votação “não comprometida” agora em 2024. Assim, embora Biden tenha obtido 81% na primária de Michigan, ganhou, mas arrisca a não levar.
“OUÇA MICHIGAN”
“Dezenas de milhares de democratas de Michigan, muitos dos quais votaram em Biden em 2020, não estão comprometidos com sua reeleição devido à guerra em Gaza”, escreveu a campanha Ouça Michigan nas redes sociais.
“O presidente Biden financiou as bombas que caíram sobre os familiares de pessoas que moram aqui mesmo em Michigan. Pessoas que votaram nele, que agora se sentem completamente traídas. Presidente Biden, ouça Michigan”.
Sublinhando que “não queremos uma presidência Trump”, a campanha disse que Biden “colocou Netanyahu à frente da democracia americana”.
“Francamente, nenhum de nós quer que Trump vença, e é exatamente por isso que estamos fazendo isso.”
“A única maneira de alcançar liberdade e justiça para os palestinos que sobrevivem a um genocídio é por meio de um cessar-fogo imediato e permanente. A única maneira de garantir o retorno seguro de todos os reféns e prisioneiros é por meio de um cessar-fogo imediato e permanente”, continuou a campanha.
“Nossa delegação planeja cobrar do candidato democrata a agenda antiguerra de nossa comunidade na Convenção Nacional Democrata em Chicago. Nos vemos lá”, anunciou.
77% QUEREM CESSAR-FOGO JÁ
“Esta é a única maneira de levantarmos um alerta aos democratas que vão perder, a menos que peçam um cessar-fogo definitivo”, a vereadora de Detroit e apoiadora da campanha, Gaby Santiago-Romero.
O apoio a um cessar-fogo em Gaza continua forte entre os eleitores democratas, com 77% dizendo que Biden deveria exigir uma cessação permanente das hostilidades e uma desescalada. 69% dos independentes disseram o mesmo, contra 61% em dezembro, assim como 56% dos republicanos, ante 49%, de acordo com a pesquisa da Data for Progress, divulgada na terça-feira (27).
A pesquisa também revelou que, para 71%, o apoio a Israel deveria estar condicionado ao direito dos palestinos de retornar às suas casas em Gaza. Para 68%, Israel teria de se comprometer com negociações de paz para uma solução de Estados. Israel teria de prometer parar de construir assentamentos na Cisjordânia, segundo 63%.
“Nenhuma pesquisa mostra que menos de 70% dos eleitores democratas apoiam um cessar-fogo”, disse a ex-senadora estadual de Ohio Nina Turner na semana passada, depois que a governadora democrata de Nova York, Kathy Hochul, chamou a questão de divisiva. “Os eleitores democratas não estão divididos.”
FALA O PREFEITO DE DEARBORN
Em entrevista ao Middle East Eye, o prefeito de Dearborn, a capital do Michigan, Abdullah Hammoud, alertou que, a menos que Biden acabe com o apoio inabalável de seu governo a Israel, isso lhe custará o voto árabe-americano e a reeleição no final deste ano.
Ele também se referiu à matéria, veiculada pelo Wall Street Journal, chamando Dearborn de “capital da jihad” por causa de suas manifestações em massa pró-Palestina.
Hammoud chamou o artigo de tentativa deliberada de difamar um movimento popular que estava sendo organizado por muçulmanos e não muçulmanos. “As acusações lançadas sobre a cidade de Dearborn são deliberadamente ignorantes, bem como destinadas a levar a mais divisão, mais ódio, mais intolerância contra o povo da cidade de Dearborn”, disse ele.
Como muitos cidadãos de Dearborn, Hammoud é filho de imigrantes da classe trabalhadora do Oriente Médio. Seus pais eram do Líbano. “Esta é uma questão que é muito próxima e cara aos nossos corações”, disse. “É extremamente pessoal, e não algo que apenas sintonizamos sempre que a mídia sente vontade de se importar com isso”.
“De nossa perspectiva, como imigrantes, refugiados que viveram sob ocupação, que viveram sob apartheid, que fugiram nós mesmos – ou nossos pais – por causa de conflitos civis e guerras, temos relatos em primeira mão de como é viver nessas condições.”
GAZA, QUESTÃO MORAL DO NOSSO TEMPO
Também a deputada Pramila Jayapal analisou o significado do voto “descompromissado” no Michigan, em entrevista à CNN.
“A guerra em Gaza é uma questão moral profunda, e a falta de atenção e empatia por essa perspectiva do governo está quebrando a frágil coalizão que construímos para eleger Joe Biden em 2020”, ela advertiu, acrescentado que há “pouco tempo para mudar essa dinâmica”.
“Os resultados em Michigan são claros: os eleitores não estão satisfeitos com a forma como os EUA lidam com a guerra em Gaza”, escreveu Jayapal nas redes sociais. “Esta é uma questão moral profunda – e é hora de ouvir.”
Em um artigo no portal Common Dreams, Sam Rosenthal, diretor político do grupo de defesa progressista RootsAction, escreveu que a força do voto “descomprometido” em Michigan deve ser um “alerta” para o presidente e aqueles que trabalham por sua reeleição.
“Se mesmo uma porcentagem significativa do eleitorado primário que votou sem compromisso em Michigan ou não vota, vota em terceiros ou, Deus me livre, escolhe Trump em vez de Biden em novembro, então Biden certamente perderá o Estado”, escreveu Rosenthal.
“Se Biden perder Michigan, como Hillary Clinton perdeu para Trump em 2016, seu caminho para a vitória eleitoral se torna extremamente difícil.” “Simplificando, Biden precisa apresentar votos, e rapidamente, em um momento em que ele só parece ser capaz de perdê-los”, acrescentou Rosenthal.
“O apoio inabalável de seu governo à campanha de terra arrasada de Israel em Gaza alienou os principais círculos eleitorais de que Biden precisou para vencer em 2020”, ele concluiu.