
Protagonista do documentário que estreia em um dos principais festivais de cinema do mundo, Fatima Hassouna teve o prédio bombardeado pela aviação israelense. “Seu sorriso era tão mágico quanto sua tenacidade: testemunhando, fotografando Gaza, distribuindo comida apesar das bombas, do luto e da fome”, afirmou a Associação do Cinema Independente para a sua Difusão (Acid), promotora da mostra
Fatima Hassouna, fotojornalista palestina e tema do documentário “Put Your Soul on Your Hand and Walk” (Coloque sua alma na sua mão e ande), foi assassinada junto com dez membros de sua família durante um ataque aéreo israelense no bairro de Al-Touffah, no norte de Gaza, na última quarta-feira (16). Os bombardeios tiveram como alvo direto o prédio em que morava a jovem de 25 anos, ceifando a vida de 40 pessoas.
Um dia antes, a Associação Francesa para a Difusão do Cinema Independente (Acid) anunciou a seleção do documentário que protagonizava – como cronista da vida palestina diante da ameaça das tropas de ocupação israelenses – para o próximo Festival de Cinema de Cannes, uma das principais mostras de cinema do mundo. Conforme a Acid, “seu sorriso era tão mágico quanto sua tenacidade: testemunhando, fotografando Gaza, distribuindo comida apesar das bombas, do luto e da fome”.
A diretora iraniana Sepideh Farsi relatou que o documentário “é uma janela, aberta pelo milagre de um encontro com Fatem [apelido de Fatima], que me permitiu ver fragmentos do massacre em curso de palestinos”. “O destino se tornou meus olhos em Gaza, e eu me tornei um elo entre ela e o mundo exterior. Mantivemos essa ligação vital por quase um ano. Os fragmentos de pixels e sons trocados entre nós se tornaram o filme que se segue”, descreveu.
“Ontem, quando ouvi a notícia, inicialmente me recusei a acreditar, pensando que era um erro, como alguns meses atrás, quando uma família com o mesmo nome morreu em um ataque israelense. Incrédula, liguei para ela e enviei uma mensagem, outra e outra. Eu até me sinto culpada… talvez eles a tenham escolhido porque o filme foi anunciado”, protestou a diretora iraniana, condenando a brutalidade e a rapidez da execução da “fotógrafa brilhante e talentosa”. “Todos os dias ela me enviava fotos, mensagens escritas e de voz. Quando a conexão permitia, fazíamos chamadas de vídeo. Todas as manhãs eu acordava me perguntando se ela ainda estava viva”, recordou Farsi.
“NÃO HÁ MAIS DÚVIDAS: ISSO É GENOCÍDIO”
Sepideh Farsi considera que “todas essas existências luminosas foram apagadas por um dedo que apertou um botão e lançou uma bomba para apagar mais uma casa”. Assim, enfatizou, “não há mais dúvidas de que o que está acontecendo em Gaza é genocídio. Acuso aqueles que o cometem e seus cúmplices e exijo justiça para Fatima e todos os palestinos inocentes que pereceram”.
Farsi relembrou a última conversa entre as duas, quando convidou a jovem palestina para comparecer à exibição em Cannes e ela manifestou interesse em viajar, mas somente se pudesse regressar a Gaza, destacando sua forte ligação à sua terra e seu povo.
Com o acesso de jornalistas estrangeiros totalmente proibido pelos sionistas, as imagens captadas pela jovem palestina aproximavam o mundo de uma realidade que Israel se empenhava em encobrir, a devastação causada pela covardia e monstruosidade dos seus ataques, deslocamentos forçados, mazelas e torturas, mas também as crianças em meio às ruínas, apontando uma enorme coragem e resistência.
Seu rico registro fotográfico foi publicado por inúmeros jornais e portais de notícias dos cinco continentes. No perfil do Instagram, Hassouna era seguida por mais de 27 mil pessoas, em que se definia com a frase “uma mulher corajosa persegue a luz em busca de espanto”.
A Associação Francesa para a Difusão do Cinema Independente expressou seu horror diante das práticas israelenses, assinalando que viu a força e a resiliência da fotojornalista palestina brilharem através do seu trabalho, apesar das constantes ameaças ao seu redor.
Em um comunicado à imprensa, a Acid prestou-lhe homenagem: “Assistimos e programamos um filme em que a força vital desta jovem era nada menos que milagrosa. Não é mais o mesmo filme que exibiremos, apoiaremos e apresentaremos em todos os cinemas, começando por Cannes. Todos nós, cineastas e espectadores, devemos ser dignos de sua luz”.
“COM ASSASSINATOS, ISRAEL PROMOVE APAGÃO DA MÍDIA”
A ONG Repórteres sem Fronteira (RSF) repudiou o comportamento genocida do governo israelense, a quem acusa de promover um “apagão da mídia” com mais de 200 profissionais abatidos em Gaza desde o dia 7 de outubro de 2023 – nesta nova etapa da invasão do território palestino -, incluindo 43 jornalistas alvejados enquanto trabalhavam.
Nos seus últimos desejos, gravados pelo canal de mídia digital AJ+, do grupo Al Jazeera, Hassouna expressou: “Se eu morrer, quero que seja uma morte estrondosa. Quero que o mundo inteiro saiba da minha morte. Quero que ela tenha um impacto que não se apague com o tempo. Quero imagens que não possam ser enterradas no espaço ou no tempo”.
Cinicamente, o exército israelense alegou que o bombardeio teve como alvo o prédio de Hassouna porque “um oficial do Hamas estava lá dentro”, justificativa rejeitada de forma categórica pela diretora iraniana.
O filme estreia em Cannes no próximo 14 de maio e fica em cartaz até o dia 23.