A Operação Alameda, uma colaboração entre o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a Polícia Civil, prendeu na manhã desta segunda-feira (10) o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PDT) e mais três pessoas. A promotora de Justiça Talita Harduin, do MPRJ, disse que os quatro presos vão responder pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa e corrupção passiva. A investigação aponta também para lavagem de dinheiro. O prefeito foi denunciado pelo procurador-geral de Justiça José Eduardo Ciotola Gussem, que requereu sua prisão. A acusação é subscrita também pelo subprocurador-geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos, Fernando Chaves da Costa.
O esquema, segundo o MPRJ, funcionava com a cobrança de propina que correspondia a 20% do valor devido pelo poder público do município aos empresários de ônibus como pagamento pelas gratuidades de estudantes, idosos e deficientes. O valor desviado de forma ilegal chegou a R$ 10,9 milhões entre os anos de 2014 a 2018.
Junto com o prefeito Rodrigo Neves foram presos Domício Mascarenhas de Andrade, ex-secretário municipal, João Carlos Félix Teixeira, presidente do consórcio TransOceânico e sócio da Viação Pendotiba e João dos Santos Silva Soares, presidente do consórcio Transnit e sócio da Auto Lotação Ingá.
A Operação Alameda é um desdobramento da Operação Lava Jato e os crimes imputados ao prefeito foram relatados em depoimentos de Marcelo Traça, ex-conselheiro da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) e ex-presidente do Sindicato das Empresas de Transportes do Rio de Janeiro (Setrerj), preso na Operação Ponto Final em julho do ano passado. Na ocasião, ele assinou um acordo de colaboração premiada com a Justiça.
A ação que resultou na prisão do prefeito, contou com 70 agentes policiais, 16 delegados da Polícia Civil e 16 promotores de Justiça, que cumpriram quatro mandados de prisão preventiva e 20 de busca e apreensão em endereços residenciais, comerciais, órgãos públicos e privados.
Segundo a delegada fazendária Ana Paula Faria, o prefeito Rodrigo Neves atrasava os repasses referentes à gratuidade como forma de constranger os empresários a pagar a propina. Os valores eram recebidos por Domício Mascarenhas em dinheiro vivo na sede do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (Setrerj), que fica na Alameda São Boaventura, local referido nas trocas de mensagem do grupo como Alameda, o que deu nome à operação.
Ana Paula explicou que o esquema envolvia os dois consórcios de transporte coletivo da cidade, o Transoceânica e o TransNit, cada um com nove empresas. O valor era recolhido pelos presidentes dos consórcios, João Félix e João dos Anjos, respectivamente, também denunciados e presos na operação.
“O valor apurado no total para o Transoceânica foi de R$ 316 mil em 2014, em 2015 saltou para R$ 4 milhões, em 2016 para R$ 4,5 milhões, em 2017 pulou para R$ 12,6 milhões e em 2018 já estava na casa de R$ 7,3 milhões. Para o consórcio TransNit, em 2014 o pagamento foi de R$ 231 mil, em 2015 pulou para R$ 3,6 milhões, em 2016 pulou para R$ 4 milhões, em 2017 para R$ 11,3 milhões e em 2018 já estava na casa de R$ 6,6 milhões. São os pagamentos totais repassados aos consórcios, daí se tira os 20% de propina para chegar nos R$ 10 milhões”.
“A partir da delação, nós iniciamos as investigações, aqui no âmbito do estado, para corroborar as declarações do Marcelo Traça no que diz respeito ao prefeito de Niterói. Nós pudemos apurar, através, principalmente de troca de mensagens de celular pelo aplicativo WhatsApp, de Rodrigo Neves, Marcelo Traça e Domício Mascarenhas, marcando encontro para o recebimento de propina”, disse a delegada.
De acordo com o Promotor Tulio Cabain, os valores das propinas estavam contemplados na tarifa final do transporte público em Niterói, hoje em R$ 3,90 por viagem. “É evidente que esse esquema de propina interfere na lógica da fixação da tarifa. Pode haver sim, uma sobretaxa que será alvo de investigação de agora em diante”, disse o promotor, em entrevista coletiva.
Os encontros de Neves, segundo a denúncia, aconteciam, pelo menos uma vez ao ano, preferencialmente ao fim de cada exercício financeiro, ’em ambientes de alta gastronomia’, diz a denúncia. O procurador-geral citou um desses encontros no dia 30 de dezembro de 2015, no restaurante Fasano, em Ipanema. “Tinham por objetivo estreitar os laços entre os agentes, acertar a liberação de pagamentos a título de gratuidade, bem como os correlatos retornos financeiros ilícitos e, ainda, reforçar a autoridade do denunciado Domício Mascarenhas.”
Rodrigo Neves já havia aparecido em delações da Lava Jato. Ele é acusado de fraudar licitações para favorecer empresas e de receber dinheiro de caixa 2 para campanha. Rodrigo Neves começou a carreira política como vereador de Niterói pelo PT em 1997, cumprindo três mandatos seguidos. Depois, foi eleito deputado estadual pelo PT duas vezes – em 2006 e 2010 e se elegeu prefeito duas vezes – em 2012 e 2016. Atualmente está no PDT. Ao chegar à Cidade da Polícia, trazido pelos policiais, o prefeito Rodrigo Neves negou as suspeitas de recebimento de propina.
Transcrevemos abaixo trechos da acusação do Procurador José Eduardo Ciotola Gussem, do MPRJ
“Uma das mais poderosas vertentes do referido grupo delituoso se relacionava, como se relaciona, aos empresários do setor de transportes coletivos rodoviários no âmbito da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro – Fetranspor, entidade que congrega 10 sindicatos de empresas de ônibus responsáveis por transporte urbano, interurbano e de turismo e fretamento. Esses sindicatos, por sua vez, reúnem mais de duzentas empresas de transportes de ônibus, que respondem por 81% do transporte público regular no Estado do Rio.”
“Aproximadamente, em abril de 2014, e até agora, em Niterói, Rodrigo Neves, o ex-secretário municipal de Obras e Infraestrutura, Domício Mascarenhas de Andrade, e os empresários do ramo de transporte rodoviário de passageiros Marcelo Traça Gonçalves, João Carlos Felix Teixeira e João dos Anjos Silva Soares conscientes e voluntariamente, em perfeita comunhão de ações e desígnios, com animus societas sceleris, associaram-se, entre si, de forma estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagens financeiras mediante a prática sistemática de crimes contra a Administração Pública daquela municipalidade, em especial, dos delitos de peculato e corrupção ativa e passiva”.
‘A exemplo de outras organizações criminosas denunciadas pela Operação Lava Jato, os denunciados também se estruturaram em torno de núcleos.
“O núcleo político é integrado por Rodrigo Neves e Domício Mascarenhas. Em convergência com o empresariado do setor rodoviário, passaram a solicitar e receber vantagens indevidas e a desviar recursos públicos decorrentes dos sobreditos contratos de concessão de serviços de transporte público, em proveito próprio, com vistas a tutela dos interesses de tais agentes privados.”
“O núcleo econômico é formado por executivos do setor de transporte coletivo em atuação no município niteroiense, que ofereceram e entregaram vantagens indevidas ao mandatário político e seu agente público de confiança”.
O ‘núcleo operacional’, composto por pessoas ligadas ao setor econômico, ‘responsáveis pela arrecadação e repasse de valores obtidos de forma espúria’.
“Em seu núcleo político, no topo da organização criminosa, o denunciado Rodrigo Neves, valendo-se da posição de chefe do Executivo municipal, autorizou e credenciou Domício Mascarenhas a agir em seu nome junto ao empresariado do setor de transporte coletivo de passageiros para obtenção de vantagens econômicas indevidas calculadas na base de 20% sobre os valores, pagos pelo Poder concedente em favor das citadas empresas de ônibus consorciadas, concessionárias do serviço público, a título de reembolso da gratuidade de passagens, previsto para alunos da rede pública de ensino, pessoas idosas e portadoras de necessidades especiais’.
“Em pleno curso do seu primeiro mandato como prefeito de Niterói, Rodrigo Neves reuniu-se pessoalmente com o empresário do setor de ônibus Marcelo Traça, presidente do Sindicato atuante naquela região (SETRERJ), de 2007 a 2017, ora também denunciado e que se tornou réu colaborador, com a finalidade de viabilizar um esquema de pagamentos periódicos de propina oriunda dos contratos de concessão de transporte coletivo, em forma de retorno financeiro em espécie, para que, em razão do cargo de chefia do Poder Executivo municipal, apoiasse projetos de interesse do setor rodoviário naquele Município, bem como para que incrementasse as atividades de combate ao transporte clandestino de passageiros e, desta forma, favorecesse a atividade econômica desempenhada pelo segmento empresarial de ônibus.”
“Neves se valia do aparelho burocrático governamental do Município, juntamente com o denunciado Domício Mascarenhas, para controlar a liberação dos recursos, pagos a título de gratuidade conforme previsão contratual, em favor dos supracitados consórcios contratados Transoceânico e Transnit, retardando propositalmente a liquidação das despesas e o consequente pagamento, como forma de pressionar os representantes legais das empresas de ônibus a repassarem os valores indevidos”.
‘Para a consecução da empreitada delituosa, estável e duradoura, Rodrigo Neves, nos encontros que manteve com Marcelo Traça, indicou e credenciou o denunciado Domício Mascarenhas para tratar dos assuntos operacionais referentes à arrecadação de tais valores ilícitos’.
“A partir disso, com autorização e aval do prefeito, diversas reuniões foram marcadas entre Domício Mascarenhas e o denunciado Marcelo Traça, nas quais também se faziam presentes os representantes dos consórcios das empresas de ônibus contratadas, ou seja, os denunciados João Carlos Felix e João dos Anjos, sempre com o fito de ajustarem a liberação dos recursos pagos pelo Município sob o título de gratuidade, cuja cota-parte espúria, tal como avençado, era revertida em favor do prefeito Rodrigo Neves, seja para enriquecimento pessoal, seja para financiamento dos próprios planos políticos de manutenção no poder”.
“A cumplicidade entre Rodrigo Neves e Domício Mascarenhas ainda se revela a partir das nomeações deste para cargos de evidente confiança do chefe máximo do Poder Executivo, como os de secretário municipal Executivo, secretário municipal de Ações Estratégicas e Subsecretário Executivo da Prefeitura de Niterói, todas promovidas na gestão de Rodrigo Neves”.