Chefe da Casa Branca ameaça cortar verba da OMS em plena pandemia
A ONU repudiou os comentários desairosos do presidente dos EUA, Trump, à Organização Mundial de Saúde (OMS), e assinalou que está fazendo um tremendo trabalho de contenção da Covid-19, das diretrizes globais sobre a pandemia à ajuda em treinamento e equipamentos aos países em desenvolvimento.
A declaração, em nome do secretário-geral, Antonio Guterres, foi feita pelo porta-voz Stephane Dujarric.
“A OMS, sob a liderança do Dr. Tedros, fez um tremendo trabalho na Covid, apoiando países com o envio de milhões em equipamentos, ajudando países em treinamento, fornecendo diretrizes globais, a OMS está mostrando a força do sistema internacional de saúde”, afirmou ele a repórteres.
Dujarric acrescentou que a OMS também fez recentemente “um tremendo trabalho” ao colocar sua equipe na linha de frente para combater com sucesso o Ebola, uma doença infecciosa e freqüentemente fatal, na República Democrática do Congo.
CHANTAGEM
Em meio ao que vem sendo anunciado como “a pior semana” para os Estados Unidos em matéria de saúde em décadas, com hospitais em colapso em Nova Iorque, falta de máscaras e respiradores, maior número de contágios do mundo e número de mortos três vezes maior do que o da China, Trump conseguiu arrumar tempo para ameaçar de cortar financiamento da OMS em plena pandemia para a qual não há vacina nem tratamento, e acusou a OMS de se “concentrar demais na China” e de “ter estragado tudo”.
E exatamente no dia em que os EUA se tornaram o primeiro país na pandemia a ter quase 2 mil mortos em 24 horas.
A orientação da OMS tem sido clara e já foi traduzida no agora popular “fique em casa, proteja o sistema hospitalar e salve vidas”, a que se soma o “teste, teste, teste” para isolar e tratar os doentes.
Tudo o que Trump resistiu até não mais poder.
A OMS também tem sido clara em que “o inimigo número 1 da humanidade” é o novo coronavírus, e só pode ser vencido com a união de esforços de todos e respeito aos protocolos da ciência.
Trump tem preferido ameaçar e sequestrar máscaras faciais, ao invés de trabalhar em conjunto com os demais países e só parou de falar em “vírus chinês” quando precisou dos equipamentos de proteção que a China fabrica e os EUA deixaram de fabricar faz tempo.
BUMERANGUE VIRAL
A ameaça à OMS, se concretizada, iria tornar ainda mais frágeis os já desaparelhados sistemas de saúde dos países mais pobres, especialmente na África, Oriente Médio e sudeste asiático.
O que é, aliás, uma das preocupações centrais da OMS quanto aos riscos trazidos pela pandemia.
O ex-coordenador global do combate à AIDS durante o governo de W. Bush, Mark Dybul, atualmente professor da Georgetown University e co-diretor do Center for Global Health Practice and Impact, deu uma boa razão para Trump recuar.
“A América não pode virar suas costas às nações menos desenvolvidas. O vírus vai chegar até lá e vai se propagar por lá durante o inverno deles, enquanto os EUA estão no verão. A menos que nós retardemos a disseminação lá – ele voltará. Exatamente como a Gripe Espanhola de 1918-19.
COOPERAÇÃO É IMPRESCINDÍVEL
A OMS não quis comentar as declarações de Trump. Na semana passada, um grupo de cientistas chineses divulgou uma carta em que pede o fim da politização da pandemia e da demonização de outros países.
90 personalidades norte-americanas também assinaram uma carta ao governo Trump conclamando a que trabalhe mais estreitamente com a China para acabar com a pandemia.
Dezenas de ex-chefes de Estado e governo, junto com diplomatas e cientistas, lançaram um manifesto dirigido ao G-20 exortando a uma “resposta conjunta ao formidável desafio econômico e de saúde colocado pela pandemia global”.
O manifesto também pede o fortalecimento da OMS, para que coordene a produção e aquisição global de suprimentos médicos para atender às exigências atuais.
Entre os signatários, estão o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, o ex-primeiro-ministro espanhol Jose Luis Zapatero, o ex-primeiro-ministro britânico John Major, o economista Joseph Stiglitz, o ex-primeiro-ministro italiano Romano Prodi, a ex-primeira-ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland, o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, o ex-diretor geral da OMC, Pascal Lamy, a ex-ministra de Moçambique Graça Machel, o ex-secretário-geral da Liga Árabe, Amre Moussa, o ex-ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Joschka Fischer, e o ex-primeiro-ministro sueco Carl Bildt.
“DOSSIÊ FALSO”
Na terça-feira, Tump também se abespinhou com a inspetoria-geral do Departamento de Saúde dos EUA, por ter feito um relatório confirmando tudo o que vem sendo denunciado e presenciado diariamente nos hospitais à beira do colapso: faltam testes, equipamentos de proteção e pessoal.
“Dossiê falso”, tuitou. “De onde ele veio, esse inspetor geral?”, Trump estrilou, segundo a Reuters. “Qual o nome dele?” O relatório foi assinado pela vice-inspetora-geral, Christi Grimm, que atua no órgão desde 1996. A pesquisa foi feita em 323 hospitais de 46 estados.
Não era Trump que até poucos dias atrás pretendia “reabrir tudo” pela Páscoa, que apregoava que a Covid-19 era como uma “gripe comum” que iria sumir com o “calor da primavera” e que no último domingo disse que “não ia usar máscara”, que estava sendo aconselhada para todos?
Agora quer dar lições à OMS sobre a contenção de uma pandemia e calar um servidor público que apenas registrou a realidade dos hospitais.
Trump, que acusa a OMS de “falhar em avisar”, em fevereiro apresentou um orçamento federal em que o combate a epidemias era cortado em 16 %! O corte foi anunciado 11 dias depois da OMS ter declarado a Covid-19 uma “emergência mundial de saúde pública”.
AOS TRANCOS E BARRANCOS
Aos trancos e barrancos, Trump tem acabado por atender à orientação do infectologia Anthony Fauci e da diretora da força-tarefa contra a pandemia, Deborah Birx.
Dizem as más línguas que a premência decorrente do colapso da Bolsa de Wall Street e da mudança do epicentro da pandemia para Nova Iorque, em ano de reeleição, acabaram por abrir espaço no cérebro louro de Trump para o que os cientistas estavam dizendo e ele recuou da “reabertura dos negócios na Páscoa”, endossou o “fique em casa” e admitiu que poderia haver de “100 mil a 240 mil mortos” sem as medidas de quarentena. Aliás, basicamente sustentadas pelos governadores e prefeitos.
Oito governadores republicanos ainda se recusam a se dobrar ao “fique em casa”, apesar de até o vice Mike Pence admitir que os EUA estão está mais para um cenário de “Itália” do que qualquer outro.
Na busca de arrumar um bode expiatório da incompetência e incúria de Trump no combate à covid-19, nos últimos dias caciques republicanos resolveram investir contra a OMS e o senador Marco Rubio chegou a pedir “a renúncia de Tedros”, dizendo “ele permitiu que Pequim usasse a OMS para enganar a comunidade global”.
Cambada de mal-agradecidos, depois de todo o sacrifício feito por 1,3 bilhão de chineses, com “medidas sem precedentes”, como reconheceu a OMS, e a elucidação do genoma do vírus em tempo recorde, para conter a pandemia e ganhar, para os outros povos, um tempo precioso. Tão estupidamente desperdiçado por Trump e sua trupe, com um abismal preço em vidas de norte-americanos.
ANTONIO PIMENTA