A conversa entre Jean Paul Mira, chefe do Serviço de Reanimação do Hospital Cochin de Paris e Camille Locht, diretor de Investigação do Inserm, Instituto de Saúde e Investigação Médica, francês, transmitida pela rede LCI, propondo experimentar na população da África remédios contra o Covid-19, indignou vários futebolistas, artistas, cientistas e ativistas africanos, entre eles o atacante do Deportivo de La Coruña, Mamadou Koné.
Os “cientistas”, entre outras coisas, disseram: – “Isto pode ser polêmico mas, não deveríamos fazer um estudo na África onde não tem máscaras, nem tratamentos nem reanimação? Isso se faz em estudos no caso da AIDS onde usam prostitutas para provar certas coisas porque sabem que estão muito expostas e não têm proteção. O que você acha?”. – “Tem razão. Estamos pensando em um estúdio paralelo na África de uma maneira similar. Acho que já há uma petição que se ainda não saiu, vai sair, e pensamos seriamente nisso. Também não rechaçamos um estudo na Europa ou Austrália”.
Além de Koné, outro dos futebolistas que respondeu a essas declarações, segundo o diário As, foi Samuel Eto’o, ex-número 9 do Barcelona, com um contundente “filhos da puta” para qualificar a Mira y Locht.
O Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde, o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, criticou a «mentalidade colonial» dos dois já que seria «horrível» e «uma vergonha» usar o continente como «laboratório”. “Esse tipo de comentários racistas não contribuem em nada para avançar. Vão contra o espírito de solidariedade. A África não pode e não será um campo de testes para nenhuma vacina”, garantiu Ghebreyesus, em conferência de imprensa virtual na segunda-feira, 6.
Os integrantes, amigos e parceiros do Centro de Saberes Africanos, Americanos e Caribenhos no Mundo do Sul, através de um Manifesto que corre entre entidades sociais, expressaram sua condenação a essa expressão do pensamento racista que ainda prevalece em muitos europeus, na pretensão de realizar experimentos com pessoas africanas com o objetivo de achar uma vacina contra a pandemia do coronavírus (COVID 19), e exigem que a Europa tire suas mãos da África.
O Centro, que tem sua sede em Caracas, Venezuela, se define como “uma instituição científico – educativa que se dedica ao ensino, investigação estratégica, produção, gestão e difusão dos conhecimentos e saberes relacionados com a África e sua diáspora em nossa América, assim como à análise conjuntural e estrutural de temas de ditas regiões”.
Informa ainda que “Somos um centro para o pensamento ativo, descolonizador e de vanguarda dos Povos do Sul. Em nossos espaços se debate sobre a história, a atualidade e o futuro de Nossa América, da África e sua diáspora e dos povos do Sul, pelo que nos é necessário também estudar e observar o que fazem ou deixam de fazer o resto dos países do mundo.”
O documento está recebendo adesões.
Segue o Manifesto:
A África não é laboratório de ninguém!
O Centro de Saberes Africanos, Americanos e Caribenhos, e sua Rede de Amizade e Solidariedade com os Povos do Sul, se somam à indignação dos povos da África e sua Diáspora no mundo, ante as recentes declarações de ‘cientistas franceses, que refletem o pensamento racista que ainda reina em muitos europeus, ao pretender realizar experimentos com pessoas africanas com o objetivo de achar uma vacina contra a pandemia do coronavírus (COVID 19).
É uma atitude de classe e elitista de uma Europa que desde há séculos viu na África uma despensa gratuita, e um campo de concentração de seres humanos para a exploração trabalhista, militar e para seus experimentos “científicos”.
Como participantes de uma instituição humanista e científico-social nos perguntamos…
Por que a avançada Europa jamais foi à África para investigar conjuntamente as vacinas contra a malária, o VHI ou o ébola?
Por que a hoje aterrorizada Europa que vê morrer dezenas de milhares por negligência sanitária, em seus quase cem anos de invasão dos territórios africanos não investiu em infraestrutura, tecnologia e desenvolvimento, senão que ainda continuou com a escravização de milhões de seres humanos, sob o humilhante apartheid aplicado em todo o continente?
Há na África uma história de agressões que continua sem ser reconhecida e sem ser objeto de reparações por parte das potências invasoras.
Questionamos o sadismo da mídia ocidental que diariamente aposta em uma expansão exponencial do COVID 19 em terras africanas, surpresa de que esta pandemia, cuja cura também não vislumbra, tenha se atrevido a chicotear primeiro ao “avançado ocidente” e não à Mãe África.
Exigimos à Europa que experimente suas vacinas em seu próprio território, que suas empresas e tanques de guerra atravessem de volta o Mediterrâneo, que fique com o seu caduco modelo democrático de liberdade que abandona seus eleitores nas ruas.
Condenamos o racismo tácito ou explícito da comunidade científica internacional e nos fazemos eco da solicitação do pan-africanista guineano Sekou Touré:
“A África não necessita uma mão, África deseja que lhe tirem o pé de cima”.
Parabenizamos e nos unimos aos esportistas africanos que fazem vida profissional na Europa, os que sem nenhum temor condenaram com a maior energia possível as grosseiras pretensões do par de “médicos” sem ética que expressaram abertamente tão bárbaras idéias.
Toda nossa solidariedade como descendentes da Mãe África.
Viva a Vida! Viva a Ética! Viva Sempre África!
Caracas, 07 de abril de 2020
Adesões de organizações:
– Rede de Amizade e Solidariedade com os Povos do Sul do Centro de Saberes Africanos, Americanos e Caribenhos
– Fundação Patrice Lumumba da República Democrática do Congo
-Movimento Nacional de Mulheres (Partido de Cheikh Anta Diop) ‘Jiguenk Nder’ , de Senegal
– Fundação La Muchachera de Curiepe – Venezuela,
– Fundação Afro-amiga, Venezuela
– Organização Trenzas Insurgentes –Venezuela
– Grupo Herencia de Venezuela
— Novembro Negro -Buenos Aires, Argentina
-Coluna Antiimperialista – Buenos Aires, Argentina
– Grupo Matamba – Buenos Aires, Argentina
– Equipo de Educação Popular Pamelos em Rebeldía – Buenos Aires, Argentina
– Cumbe de Mulheres Afro-descendentes – Venezuela
– Coletivo Al Abrigo del Baobab – Venezuela
-Coletivo transfeminista de estudantes de Dança e Percussão de Guiné de Mar del Plata – Argentina
-Cátedra Livre Virginia Bolten, La Plata, Buenos Aires, Argentina.
-Enredades Migrantes Globales – Avellaneda – Argentina
– Latinoamérica Rompe o Cerco- Argentina
– AfroSoy, Coletivo Guillermo Rivas – Venezuela
-Bloco Pan-africano de Venezuela – Venezuela
– Maré Verde Valencia. Coletivo do Estado Espanhol
-Coluna Anti -racista – Buenos Aires Argentina
-Coletivo Feminista Tinta Violeta – Venezuela
-Estudantes Migrantes Universidade de Buenos Aires / EsMiUBA / Buenos Aires – Argentina