A juíza Edssandra Barbosa da Silva Lourenço, 4ª Vara Cível de Palmas, no Tocantins, censurou todo o site do Diário do Centro do Mundo (DCM) a pedido da deputada estadual bolsonarista Janad Valcari (PL), candidata à Prefeitura da capital nas eleições municipais de 2024 e líder das pesquisas de intenção de voto. O processo, que tramita em segredo de justiça, foi apresentado pela parlamentar após a publicação de uma reportagem de denúncia contra seu mandato.
A censura se deu por conta de uma reportagem do DCM, publicada em novembro de 2023, informando que Valcari faturou R$ 30 milhões em contratos com prefeituras de todo o país envolvendo a banda ‘Barões da Pisadinha’, da qual era empresária até dezembro, quando passou o bastão para seu filho. De acordo com a reportagem, alguns destes contratos são alvos de investigação do Ministério Público.
O jornalista Kiko Nogueira, diretor do DCM, classificou a censura como “um atentado gravíssimo à liberdade de expressão que a extrema direita vive arrotando como direito inalienável”. O prejuízo, afirma ele, “é incalculável”. Os advogados do DCM já preparam uma ação Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão da magistrada tocantinense.
“Esse assédio judicial acontecendo, mesmo para os padrões que já estou quase me acostumando, é uma coisa absurda”, declarou Nogueira. Ele avalia que o intuito da decisão não foi o de proteger algum direito da parlamentar, mas sim comprometer o próprio funcionamento do DCM. “Não sei por quanto tempo vai durar isso. É dinheiro indo para o ralo. No limite, inviabiliza a nossa operação”, lamentou.
De acordo com a juíza, a Justiça tentou, sem sucesso, citar o DCM para que cumprisse a decisão de tirar a matéria do ar. Em seguida, foi pedido ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.BR) a suspensão o link da reportagem sobre a deputada estadual. Diante da impossibilidade técnica de derrubar somente o link da reportagem alegada pelo NIC.BR, a autora reiterou o pedido de derrubar o site inteiro.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) se pronunciou em repúdio à decisão. “A decisão torna-se ainda mais absurda quando se constata que o proprietário do DCM foi pego de surpresa, ao ver o site excluído da internet. Embora o Judiciário de Tocantins tenha afirmado que tentou contato com ele, no mínimo não o fez com o devido cuidado e imparcialidade”, destacam.
A ABI ainda alertou que a decisão descumpre a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, que veda qualquer forma de censura. “A decisão tomada contra o site DCM, bem como o assédio judicial e a perseguição a jornalistas, é inconstitucional, fere a jurisprudência do STF e por isso deve ser repudiada e imediatamente revogada”.
Leia a íntegra da nota:
A ABI – Associação Brasileira de Imprensa, por meio da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos, repudia com veemência a decisão inconstitucional do Tribunal de Justiça do Tocantins que, de forma arbitrária, retirou do ar o site do DCM – Diário do Centro do Mundo, que existe há mais de 13 anos.
A decisão torna-se ainda mais absurda quando se constata que o proprietário do DCM foi pego de surpresa, ao ver o site excluído da internet. Embora o Judiciário de Tocantins tenha afirmado que tentou contato com ele, no mínimo não o fez com o devido cuidado e imparcialidade.
É inconcebível que a reclamação da deputada estadual Janad Valcari (PL), insatisfeita com a reportagem publicada pelo DCM, em novembro de 2023, tenha resultado nessa violenta censura contra a publicação. Na ocasião, o DCM divulgou que a deputada faturou R$ 23 milhões com um esquema que envolvia prefeituras locais e a banda Barões da Pisadinha, empresariada por ela.
O Tribunal de Justiça de Tocantins, seus juízes e desembargadores ignoraram a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde o famoso julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 130), em novembro de 2009, de que a Constituição de 1988 não admite em qualquer hipótese qualquer tipo de censura.
A decisão tomada contra o site DCM, bem como o assédio judicial e a perseguição a jornalistas, é inconstitucional, fere a jurisprudência do STF e por isso deve ser repudiada e imediatamente revogada.
Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2024
COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA