Medida deve viabilizar aprovação da vacina russa Sputnik V
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alterou, nesta quarta-feira (3), as regras para o pedido de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19 no Brasil, dispensando a exigência de que os estudos da fase 3 da pesquisa do imunizante sejam realizados em território nacional. A medida permitirá a aprovação do uso da vacina russa Sputnik V, que teve uma eficácia comprovada de 91,6%, segundo publicação da revista Lancet.
A queda da exigência é debatida no momento em que a Anvisa é pressionada para liberar a entrada da vacina Sputinik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia. No Brasil, a farmacêutica brasileira União Química afirma que pode receber 10 milhões de doses prontas do imunizante até março e entregar 150 milhões de unidades em 2021, somando a produção que seria feita no país.
Sem a exigência de andamento da fase 3 no país, a Anvisa facilita também a entrada de outras vacinas no país, ampliando capacidade de imunização da população contra a Covid-19. O laboratório indiano Bharat Biotech, por exemplo, já mostrou interesse em trazer a sua vacina ao Brasil.
A Sputnik V, que já está sendo aplicada na Rússia e em outros países, como Argentina e Argélia, tem eficácia de 91,6% contra casos sintomáticos da Covid-19. Os dados, avaliados por pesquisadores independentes, foram publicados nesta terça-feira (2), na revista científica britânica Lancet.
Mesmo sem a exigência da fase 3 de pesquisa, a Anvisa ainda aguarda dados de segurança e eficácia da Sputnik V. Ao Supremo Tribunal Federal (STF), a agência diz que há falta de dados básicos da vacina. Já a União Química chama, na mesma ação, as cobranças da Anvisa de “exageradas”.
O médico-sanitarista, Eduardo Costa, no artigo “Sputnik V pede passagem” (HP 02-02-2021), já havia alertado que a exigência da realização dos testes de fase 3 no Brasil é descabida.
“Nessa linha, seria absurda a exigência de uma fase III típica da Sputnik no país. É improcedente que precise ter estudo no Brasil para que possa ser importada ou produzida, como tem circulado. Qualquer dispositivo legal que porventura exista deve ser revogado ad nutum. Independente da situação emergencial de hoje. Visitas a instalações, controle de qualidade ao chegar? – sim, de acordo. Mas é inaceitável que um imunizante eficaz deixe de ser utilizado, ou se crie embaraço a sua aplicação, por seus estudos clínicos não terem sido realizados no Brasil. E, além disso, seria anti-ético arrolar voluntários que tomassem placebo em meio a uma epidemia”.
TESTES
Ainda assim, a farmacêutica União Química espera obter aprovação regulatória para a condução de testes de fase III ainda nesta semana, ou no máximo no início da próxima, disse o presidente da empresa, Fernando Marques, que argumentou “não ter dúvidas” de que a Sputnik V será incorporada ao Plano Nacional de Imunização. “É uma questão de tempo. Minha ansiedade é que ela entre logo”, ressaltou.
O presidente da farmacêutica garantiu que a prioridade de venda das doses de Sputinik V produzidas no Brasil é do governo. “Primeiro a população brasileira, para que o país possa voltar a funcionar normalmente sem esse vírus atrapalhar a economia”, disse Marques, que é o principal proprietário da empresa familiar.
Marques afirmou que os bons resultados verificados em testes de estágio avançado da Sputnik V na Rússia, publicados nesta terça pela revista científica Lancet, vão ajudar a acelerar a aprovação à empresa no Brasil.
“Assim que o regulador de saúde do Brasil aprovar os testes, começaremos e eles levarão de 60 a 90 dias”, disse o presidente da União Quimica.
Ele ainda citou o processo adotado pela Argentina para a liberação do uso da fórmula russa para pressionar a Anvisa pela aprovação rápida do imunizante no Brasil. “A Argentina passou por cima da fase 3, uma vez que entende-se que já está em uma fase 4, sendo utilizada em grande escala. O presidente da Argentina editou alguma coisa semelhante ao que seria, aqui no Brasil, uma medida provisória autorizando a utilização da Sputnik V. Evidente que, sem desmerecer a agência local, é a questão da emergência”, disse o empresário.
Em janeiro, medida provisória estabeleceu que a Anvisa só pode conceder permissão emergencial para imunizantes registrados pelas agências dos Estados Unidos, da União Europeia, do Japão, da China ou do Reino Unido. Não é o caso da Sputnik V.
Marques alegou que o imunizante não foi avaliado por esses países porque a Rússia não tem condições de vender a Sputnik V para todos. “Não está sobrando vacina em lugar nenhum do mundo. O fundo russo também não tem vacina sobrando, tanto é que eles tomaram a decisão de nos transferir a tecnologia para a produção em território brasileiro. Eles não estão precisando sair pelo mundo para vender a Sputnik V, porque eles têm a própria população para vacinar e estão atendendo ao apelo de algumas nações”, destacou.
FABRICAÇÃO
A empresa começou a fazer lotes-piloto dos ingredientes ativos para a vacina em sua instalação de biotecnologia de ponta equipada com biorreatores em Brasília em um acordo de transferência de tecnologia com o Fundo de Investimento Direto Russo (RDIF), que comercializa a Sputnik V.
A expectativa da União Quimica é que a produção comece em abril e chegue a 8 milhões de doses por mês até maio. Quando a produção aumentar, Marques espera que sua empresa consiga produzir a vacina por menos de 10 dólares para duas doses, que são necessárias para imunizar cada pessoa.
Além do Brasil, outros países vizinhos já solicitaram informações sobre a disponibilidade da vacina, entre os quais Uruguai, Paraguai, Bolívia e Equador, além da Argentina, que começou a vacinar sua população em dezembro com o imunizante russo.